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terça-feira, 29 de outubro de 2024

O desperdício de trunfos


Quando o exercício da política é levado a sério, e este a sério significa ao serviço da comunidade, desgasta de uma forma incontrolável. Só quem por lá passa! Deixa as marcas das preocupações diárias, as das incompreensões, as das percepções de andar a agitar, quase ingloriamente, uma bandeira de princípios, valores e projectos que poucos compreendem ou as circunstâncias e os egoísmos impedem de os compreender, enfim, essa amálgama gera um rol de preocupantes angústias sem fim. Um quadro que exige uma homeostasia, uma notável capacidade de equilíbrio interno face a todos os agentes stressores.



E um dia lá vem o aviso, a resposta do corpo, do aparentemente saudável, surge o alerta: cuidado, porque há limites. Não apenas no exercício da política, mas em todas as funções empresariais onde tudo é para ontem!

O alerta chegou-me, inesperadamente, há cinco meses. Agora, ao meu Amigo Dr. Carlos Pereira. Não deixou sequelas, mas o postal foi entregue com "aviso de recepção". Ontem estivemos ao telefone, numa amena cavaqueira, quase hora e meia. Foi muito bom o nosso diálogo sobretudo por saber que estava bem a caminho de uma plena recuperação. Ele que segue um bom regime alimentar e pratica o exercício físico como "pão para a boca"! Depois, fiquei para ali a pensar no Carlos. Pela minha cabeça passaram centenas de imagens e os sons de vários anos de luta pelas mesmas causas. Fui procurar textos que escrevi há dez anos. Dei com estes:

"(...) Fez a opção mais difícil. Compaginou a carreira profissional de Economista com a luta pelos outros, pela comunidade a que pertence. E o tempo tem, por um lado, lhe dado razão, por outro, a satisfação do reconhecimento público. Quem o ofendia meteu a viola no saco, foi silenciado pelos factos, pelo conhecimento e pela eloquência do seu discurso. Não escrevo assim porque sou seu amigo; escrevo porque reconheço as suas capacidades de liderança e a sustentabilidade da sua matriz política. Distingo o Carlos político como Homem de profundas convicções, de tolerância, de diálogo, que sabe escutar, que sabe se relacionar com as pessoas, de sorriso franco, de raciocínio rápido e de uma sensibilidade social que me entusiasma. (...)

O Dr. Carlos Pereira não é um político de aviário. Não apareceu porque estava a seguir na listinha dos "boy's" ou para contentar uma qualquer facção. A sua luta vem de longe, com muitas contrariedades pelo meio e muitas sacanices de gentinha sem escrúpulos que fizeram abalar a sua vida profissional. Por aqui, fecharam-lhe portas ao jeito de "para aquele nada". O poder, do tipo "duracel", foi mais forte e cumpriu, na íntegra, o que sempre, perversamente, soube fazer: "para os amigos tudo, para os inimigos nada e, para os restantes, aplique-se a lei". Carlos Pereira não se deu por derrotado e fez dessa tentativa de espezinhamento as forças necessárias para seguir o seu caminho profissional e o das suas convicções político-sociais. Tenho presente todas as suas lutas por uma sociedade melhor. Mas muito mais do que isso: tenho presente o político, que me habituei a seguir, que não fala de cor, que não manda para o ar umas frases feitas, antes estuda os problemas e apresenta soluções. Quando uns falam de assuntos que são de junta de freguesia ou de câmara municipal, ele fala do País e da Região nas vertentes política, económica, social e cultural que a todos afecta; quando uns prometem "Autonomia Sempre" quando, na verdade, devolveram-na ao Terreiro do Paço, Carlos Pereira fala do resgate da obra maior do 25 de Abril, a possibilidade de sermos nós, madeirenses, autonomamente, com responsabilidade, a desenharmos o nosso futuro; quanto uns falam de anos de experiência (sempre repetida, diga-se), Carlos Pereira apresenta-se com a experiência sempre actualizada e portadora de futuro; enquanto uns chegam ao parlamento nacional e piam muito baixinho (sempre voaram e piaram baixinho), Carlos Pereira apresenta-se contra toda a matreirice política, as sucessivas ofensas aos madeirenses, a incapacidade para resolver o drama da dívida, o aniquilamento da classe média e a pobreza que mata a democracia. (...)

Confesso a minha profunda amizade por um político de mão-cheia. É o tipo de político que todos os dias "inventa coisas" para fazer. Não fica à espera da agenda ou do que a comunicação social vai transmitindo. Não anda atrás dos acontecimentos, antes posiciona-se na dianteira. Não fala por falar, não abre a boca porque tem de dizer coisas, antes estuda e vai direitinho ao âmago dos assuntos. Para mim o Deputado Carlos Pereira foi uma figura central do Parlamento madeirense. Foi criticado, eu diria miseravelmente bombardeado, ofendido e sofreu alguns assassínios de carácter, tudo porque estudou, como ninguém o tinha feito até então, entre outras, as contas da Região. Determinou o "buraco" financeiro, assumiu que andaria pelos seis mil milhões de euros e pouco tempo depois, confirmou-se a verdade: "a situação da Madeira é insustentável", disse-o o Dr. Vítor Gaspar, ex-ministro das Finanças. Foi uma questão de tempo e ficou-se a saber da história das facturas não reportadas. (...)"

Reli alguns excertos de textos divulgados há dez anos. É-me difícil entender como é que se dá cabo da principal referência do partido mais bem colocada para uma consistente alternativa de poder na Região. Ele e de outros de indiscutível valor académico e político. Relegado na Região, pasme-se, é hoje deputado por Lisboa. Lá, reconheceram o seu valor e aqui, lenta mas seguramente, excluíram-no. Até a designada "Autonomia 24", uma proposta de abertura à sociedade, implacavelmente, já foi devorada. Com um governo regional, onde metade são arguidos, assim se dá cabo da oportunidade de colocar em debate sério e profundo um novo projecto em favor do povo insulano. Há pessoas que não o merecem.

Rápida recuperação, meu distinto AMIGO.

Ilustração: Google Imagens.

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