Por
Henrique Sampaio
Funchal Notícias
Conheci o dr. António Loja no final dos anos 60, mais precisamente por ocasião da elaboração, em Abril de 1969, da célebre “Carta a um Governador”, de que ele e o jornalista José Manuel Barroso foram os principais redactores e eu, o mais jovem subscritor, num total de 39 democratas e anti-fascistas.
O dr. António Loja tinha regressado um ano antes à Madeira, depois de terminar a comissão militar que cumpriu no mais difícil teatro da guerra colonial, na Guiné Bissau, enquanto eu, militava na Acção Católica Operária e dava os primeiros passos na ligação que manteria com o inesquecível semanário “cor-de-rosa”, o “Comércio do Funchal”.
Meses depois, envolver-me-ia na campanha da oposição democrática pelo círculo do Funchal nas eleições de Outubro desse ano, de que o dr. António Loja foi candidato, conjuntamente com o dr. Fernando Rebelo, o José Manuel Barroso e o médico Ivo Caldeira – e lembro-me de participar em reuniões efectuadas no bloco de apartamentos onde ele então morava, na esquina da Rua das Hortas com a Rua do Carmo, na cidade do Funchal. Recordo-me também da veemência das críticas ao regime deposto nas intervenções que proferiu nas sessões de esclarecimento realizadas na Rua Campo D. Carlos I (num prédio em construção) e na Rua das Mercês.
O seu percurso de acção cívica e cultural havia começado bem antes, quer enquanto estudante na Universidade de Coimbra, a cuja associação de estudantes se candidatou, quer na envolvência no apoio à candidatura presidencial do general Humberto Delgado, quer ainda na procura de dinamização de um cineclube no Funchal.
Consumada a queda do regime ditatorial, seguimos percursos bem distintos: o dr. António Loja tornou-se uma das principais figuras do MDM (Movimento Democrático da Madeira), vindo a ocupar a presidência da Junta Geral, e eu, ajudei a fundar a UPM (União do Povo da Madeira) e a implantação neste Arquipélago da UDP (União Democrática Popular).
Ocuparia o referido cargo escassos meses, uma vez que, quando em Fevereiro de 1975, Fernando Rebelo se demitiu de governador civil na sequência da contestação popular de que vinha sendo alvo, António Loja quis também abandonar o lugar, só aceitando ficar até à realização das eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975 – ficaria ligado à celebração do acordo com a Diocese para a cedência do Seminário da Encarnação para funcionar como anexo do Liceu Nacional do Funchal, mas deixaria uma marca ética: no carro, conduzido pelo motorista, que o transportava para o edifício da Junta Geral viajava, de quando em vez, o seu filho que vinha para a pré-escola, mas a boleia terminava aí. Chamava um táxi e o resto do percurso do Roberto era feito desse modo.
António Loja seria, em Abril de 1976, eleito deputado à Assembleia da República na lista apresentada pelo PPD/PSD (e não pelo PS como vi por aí escrito) e em 1980 foi igualmente eleito deputado à Assembleia Regional, candidatando-se desta feita pelo PS, mas sempre, em ambos os casos, com o estatuto de independente.
No decurso da passagem pelo parlamento nacional faria parte do grupo de 37 dos 73 deputados que, em Junho de 1978, durante o governo PS/CDS, romperam com a liderança de Sá Carneiro, tendo igualmente cedo percebido que a direcção da estrutura local desse partido, não só nada tinha de social-democrata, como também se caracterizava pela adopção de práticas discriminatórias e persecutórias. É dele a carta, publicada inicialmente no semanário “O Jornal”, posteriormente reproduzida no “Diário de Notícias” local, na qual, dirigindo-se ao seu amigo Magalhães Mota, e na sequência da decisão do plenário do governo regional tomada em Outubro desse ano – logo no início do reinado da criatura que se auto-intitularia de “único importante” – de não homologar nos Conselhos Directivos das Escolas elementos não eleitos com base em questões de natureza ideológica, classificava a medida de “despudor autoritário de ditador de aldeia”, acrescentando que o dito cujo se encontrava “cercado de uns tantos mercenários de interesses pessoais” (vide artigo que publiquei neste espaço em 20 de Abril p.p., intitulado “A liberdade no reino do «ditador de aldeia»”). E, quase em simultâneo, insurgir-se-ia contra o nepotismo já vigente, expresso designadamente na nomeação por um secretário regional da sua mulher como chefe de gabinete.
Bem cedo, António Loja assumiria com clareza que se não há Liberdade sem Democracia, também não há Autonomia sem Democracia. No pressuposto de que a Democracia não é apenas a vontade popular expressa no voto, é também o primado da lei, o valor dos procedimentos constitucionais, o respeito pelos limites e separação de poderes. Daí que nunca tivesse desistido de confrontar um poder regional assente no autoritarismo, na prepotência, na discricionariedade e que, reclamando-se da social-democracia, comportava-se nos antípodas da social-democracia nórdica em que se revia.
Na década seguinte, enquanto António Loja militaria no PRD (Partido Renovador Democrático), criado pelo seu amigo, general Ramalho Eanes, eu fazia a minha travessia no deserto no âmbito político-partidário. Seria já nos anos 90 que retomaríamos o contacto, tendo no decurso da minha curta passagem pela concelhia do Funchal do PS (Partido Socialista) o convidado a aderir, à semelhança do que fiz com a saudosa professora Isabel Sena Lino. Seguir-se-ia o empenho conjunto, ao longo de 4 anos (entre 1996 e 1999), na publicação da revista “Arquipélago” (Perspectivas e Debates), ele como Editor e eu e a professora Fátima Abreu, como Director e Sub-Directora, respectivamente.
E é a partir daí que se consolida a nossa amizade e cumplicidade. Fui testemunha de um processo que moveu contra o “campeão português do insulto” e que não foi a julgamento porque o personagem refugiou-se, inicialmente, na imunidade e posteriormente no recurso a sucessivos recursos, apostando tudo na respectiva prescrição.
Ao longo de quase três décadas, aos sábados à tarde, encontrei-me regularmente com o António Loja, primeiramente à mesa da esplanada do Café Apolo e mais tarde, a partir da pandemia do covid 19, na sala da sua casa, ao Caminho de Santo António.
Foram sempre amenas cavaqueiras. Em que pude desfrutar da sua vasta cultura e da sua lucidez e inteligência, conhecer as suas memórias e usufruir do seu humor mordaz e perspicaz. E ainda colher frutos do privilégio e do prazer de puder ter contado com a sua amizade e solidariedade.
Na hora da sua partida e perante o quase silêncio de uma comunicação social sem memória, senti-me no dever de recordar um pouco da história de um madeirense íntegro, vertical e inabalável na defesa dos princípios que nortearam a sua longa vida.
Bem-haja, meu caro amigo António Loja. Até sempre!
* Por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.
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