Por
Henrique Sampaio
Alegadamente para assinalar o Dia Mundial dos Pobres, a Cáritas Diocesana do Funchal e o Secretariado Diocesano da Pastoral Social convidaram a deputada Paula Margarido a proferir uma conferência intitulada “Construir riqueza Combater a pobreza”.
Nas declarações prestadas à comunicação social, a par (a) lamentar considerou “importante desconstruir as estatísticas” no que concerne à realidade regional da pobreza. Vai daí, concluiu, do alto da sua suposta sapiência, que a pobreza existente na Região é “uma consequência do álcool e das drogas”! A páginas tantas disse mesmo: “Qual é a miséria que há aqui? Está bem! Temos pobres nas ruas, mendigos, sem dúvida alguma. Mas é miséria de cabeça”!!!
Ou seja, se pudéssemos levar a sério o discurso da deputada eleita nas listas do partido laranja cá do burgo, o problema da pobreza na Madeira seria, porventura, resolúvel com o internamento dessas pessoas nas Casas de Saúde São João de Deus e Câmara Pestana.
Acontece que um tal discurso é, não só, manifestamente intolerável, mas, principalmente insultuoso para todos aqueles que não usufruem de condições de vida dignas, quer por não disporem de rendimentos (salários ou pensões) suficientes para fazer face às despesas básicas em matéria de alimentação ou saúde, por exemplo, quer por não terem acesso a uma habitação condigna.
A antiga presidente do Conselho Regional da Ordem dos Advogados chegou inclusive a afirmar que as dificuldades por que passam sectores da classe média se ficam a dever a “excessivo consumo”. Às tantas, decorrente, também, de “miséria de cabeça”.
Ao ouvir a novel par (a) lamentar lembrei-me de declarações proferidas, algures neste século, já na fase decrépita do “jardinismo”, por um titular da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais que teve a lata de, igualmente em resposta a indicadores de pobreza na Madeira, apontar para uns insignificantes 5%.
Isto é, a desvalorização, aqui e agora, da intolerável realidade em que se encontram milhares e milhares de madeirenses e porto-santenses foi sempre uma marca dos governos regionais do PSD. Na ânsia de fazer passar a Madeira como uma espécie de paraíso na terra, os sucessivos governos regionais nunca prestaram a atenção devida a essa realidade, não a assumindo e, por conseguinte, não se empenhando minimamente em reverte-la.
Agora, porém, com tais declarações, foram ainda mais longe: culpabilizando os pobres pela sua condição e procedendo à sua estigmatização.
Devo, contudo, confessar que, ao fim e ao cabo, não fiquei surpreendido. Não há muito tempo, a mesma personagem, ocupando funções em comissões diocesanas para protecção de menores e adultos vulneráveis, também desvalorizou o abuso sexual no seio da Igreja Católica, em particular na diocese do Funchal, como se pudéssemos ignorar os vergonhosos casos envolvendo os padres Frederico Cunha e Anastácio Alves.
Enfim, é caso para dizer que, pelos vistos, a senhora convive mal com a realidade. Às tantas, padece também, quiçá, de um problema “de cabeça”.
*Por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia
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