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No que toca à OMC, Trump continuou o “trabalho” de Joe Biden, mantendo a organização paralisada. Isto constitui uma “janela de oportunidades” para os EUA, pois permite à administração não cumprir regras fundamentais e processuais de funcionamento do comércio internacional.
1. Roubei a ideia deste título ao artigo do “Le Monde” de 15/10/2025: [Le FMI et la Banque mondiale sur la voie de la “trumpisation”, avec l’abandon des questions climatiques et sociétales].
Porém, interrogando a Inteligência Artificial (IA), a visão desta “trumpização” em movimento aparece distorcida, pois o texto IA tenta dizer-nos que FMI e Banco Mundial são Instituições que Trump não tentou “dominar” ou das quais não tentou sair, contradizendo a campanha eleitoral em que essa afirmação foi por demais proferida. (Atenção ao uso acrítico desta fonte de informação!)
Na Presidência Trump2, iniciada em 20 de Janeiro de 2025, raras são as Instituições Internacionais em que Trump, através sobretudo daqueles seus aparecimentos televisivos a “fantasiar” ordens executivas, não tenha tentado ou dito intervir. Anunciou sair do acordo de Paris sobre o clima, da UNESCO, da OMS (organização mundial da saúde), paralisou a OMC (organização mundial do comércio), não nomeando técnicos para lugares-chave para que a Instituição saísse da letargia a que se acomodou. Neste aspecto concreto, limitou-se a ser um continuador do “trabalho” de Joe Biden, mantendo a OMC paralisada pelas mesmas razões, o que, para os Estados Unidos, constitui uma “janela de oportunidades”, porque lhe permite não cumprir regras fundamentais e processuais de funcionamento do comércio internacional, estabelecidas há muito.
Aliás, a este propósito, o think-tank Bruegel, (Bruxelas), num dos seus últimos estudos, refere que Trump veio agravar ainda mais a situação porque: [abalou os alicerces do sistema multilateral de comércio ao implementar tarifas unilaterais sobre importações da maioria dos seus parceiros e ao assinar “acordos” com alguns deles. É impossível conciliar legalmente essas ações com a letra e o espírito da Organização Mundial do Comércio], levando o Bruegel a questionar-se: “a Organização Mundial do Comércio poderá (assim) sobreviver?”
Mas, contrariando a IA, o FMI e Banco Mundial, durante a campanha eleitoral, estiveram sob a ameaça de saída dos Estados Unidos, duas Instituições de Bretton Woods, formatadas, (com esse tratado de 1944, ainda com a Segunda Guerra a decorrer), para governar a economia mundial, permitindo aos EUA serem os “Senhores do Mundo”, nomeadamente pela imposição do dólar americano como moeda padrão no mundo dos negócios internacionais, apesar de, nas negociações de então, se terem defrontado com a oposição do Reino Unido e do seu economista assessor J.M.Keynes, sem resultado algum, pelo magro peso político, uma saída muito enfraquecida da guerra.
E Scott Bessent, investidor e gestor de fundos hedge, nomeado por Trump Secretário de Estado Americano do Tesouro (2025), continuou, por algum tempo, a insistir que estas duas instituições aplicam recursos e tempo em finalidades pouco próprias como o clima e temas sociais e, não, certamente, a financiar investimentos na área dos combustíveis fósseis.
Dan Katz, nº 2 do FMI
2. Agora, Donald Trump não necessita de continuar a acenar com a saída dos EUA do FMI e BM, pois certamente, dentro de algum tempo, poderá impor-lhes as orientações financeiras que entender, pois acaba de nomear Dan Katz, membro do seu governo (antes Chefe de Gabinete do Departamento do Tesouro dos EUA e banqueiro no Goldman Sachs), para número dois do FMI e o financiamento dos combustíveis fósseis já aparece agendado, repondo, assim, as suas ideias de governação para estas Instituições. Neste contexto, já deixam de fazer sentido as ameaças de saída, contidas no ultraconservador projecto de campanha eleitoral 2025, elaborado pelos apoiantes de Trump …
Mas, nem tudo são “rosas” para Trump…
3. “A visão dos EUA sob Trump – refere o estudo Bruegel – “parece ser a de que a legalidade não deve atrapalhar a conveniência política, quando se trata de promover os interesses dos EUA, conforme entendidos pelo atual governo americano”.
Assim, a legalidade não é problema. Só é cumprida quando serve. E no caso da OMC, os EUA não podem esquecer que, apesar de Instituição criada e orientada na defesa dos interesses dos EUA em primeiro lugar, foi útil a outros países do “Sul Global”, devido a ter instituído regras de funcionamento no comércio mundial e esses países através do comércio externo hoje conseguiram outra dimensão no contexto mundial e estão a organizar-se sob diferentes formas com a ideia de disputar ao Ocidente a governação da economia mundial, porque entendem e, bem, que a situação da governação mundial é desequilibrada.
Nessas organizações, muitos desses países têm vindo a mostrar que discordam do Ocidente e apresentado e defendido modelos de governação, com base em princípios diferentes e mais ajustados ao peso de cada grupo de países no seio da economia mundial. Destacam-se, entre essas Organizações, os BRICS e a SCO (Organização de Cooperação de Xangai).
Ainda, recentemente, na 25ª Cimeira da SCO, realizada em Tianjin, de que se falou aqui, em artigo anterior, Xi Jinping, perante duas dezenas de Chefes de Estado e do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, avançou com uma reconfiguração alternativa de governação mundial com vista a “construir um sistema mais justo e equitativo”, enunciando os cinco conceitos base que deveriam enformar essa mudança estratégica de reconfiguração:
Igualdade de soberania
Estado de direito internacional
Multilateralidade
Primazia do povo
Acções e projectos concretos
Mas Xi Jinping não se ficou por aqui e com veemência apontou grandes falhas que caracterizam a governação mundial: a sub-representação dos países do “Sul Global” nas organizações internacionais, o desajuste e erosão das Nações Unidas, designadamente do seu Conselho de Segurança, dando como exemplo a sua ineficácia na situação de Gaza e a questão do desenvolvimento económico, onde poucos avanços há a registar.
Quanto a esta última falha, a Cimeira colocou grande ênfase no desenvolvimento económico e a sua recusa em alianças militares por troca duma segurança comum e a concepção pluralista de “coexistência harmoniosa”.
Foi ainda preconizada pela China a eventual constituição de um banco de desenvolvimento ligado à SCO, destinado a contornar os efeitos do dólar americano no enviesamento da economia mundial que vai permitindo aos EUA disfrutar de uma importância que já não detêm, desde há muito, no Mundo da Economia global.
E aqui nota-se uma grande aproximação aos BRICS, onde a desdolarização da economia é um dos seus grandes temas, para já pelo recurso às moedas nacionais, assunto de discussão entre Narendra Modi, Vladimir Putin e Xi Jinping, designadamente no domínio da energia, onde as transações entre estes três países, (membros dos BRICS), assumem elevado significado e uma sintonia de ideias muito articulada.
A concluir, estas formas “atrabiliárias” de Trump agir, com avanços e recuos, criam múltiplas incertezas, contribuem para descredibilizar os EUA, nomeadamente minando a confiança e estreitam cada vez mais a margem de negociação que se impõe na abertura de caminhos para o encontro de novas formas de governação a nível mundial. Por outro lado, ajudam a fortificar as diversas Organizações em desenvolvimento, ligando-as aos países do “Sul Global” que, em comum, têm uma visão alternativa à do Ocidente sobre a governação do Mundo, designadamente, ao nível de uma nova dinâmica e recomposição dos diferentes “órgãos” da ONU.

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