Estou ausente da Região e, por isso, não poderei estar presente na homenagem e passagem de testemunho ao novo pároco da Ribeira Seca/Machico. Tampouco na sua última Missa a solo, esta manhã, no preciso momento que publico este texto. Penitencio-me por isso. Gostaria de lá estar, pela Amizade que me une ao Padre José Martins Júnior, mas mais do que isso, pelo que ele representa para a Madeira no campo de uma Igreja aberta ao Mundo, pela cultura que transporta e que disseminou, pelo seu exemplo de vida com os olhos sempre colocados nos outros. Estou longe, mas estou tão perto, creia meu Amigo.
Hoje, tal como no dia 12 de Fevereiro, não será necessário produzir qualquer balanço. A sua vida está inscrita na memória do Povo que o acompanhou ao longo de 54 anos, está nas homilias que produziu, está escrita nas intervenções que concebeu nos espaços políticos, está nos exímios e profundos textos que ofereceu através do seu blogue, está na poesia que semeou e está na música que compôs e ensinou. Mas mais do que isso, está na sua luta contra donos e pseudo-donos das consciências que nasceram livres e assim deveriam permanecer.
Ser incompreendido e até perseguido, estou certo, que nunca o afectou. Um Homem culto sabe gerir como ninguém as mentes menores, aquelas que se entretêm na pequenez dos comentários, alguns subliminares, outros descarados. Um Homem culto não vende a sua dignidade e este Padre não a vendeu. Provou, sim, a indignidade de alguns outros, matreiramente construída nos corredores dos vários poderes. Ao longo da vida ele preferiu dizer não ao universo de sombras, antes assumiu as lutas, denunciando e incomodando. Nem na própria Igreja a que pertence se acomodou. Estudou, reflectiu e traçou caminhos dissonantes relativamente a uma hierarquia comodamente estática, muitas vezes dogmática e sentenciosa. A Palavra de Cristo sempre teve um sinal mais na contextualização com a vida real das pessoas. É por isso que elas, estou certo, pelo respeito que por ele nutrem, reconhecem essa força da Palavra transformadora que não se esgota nas Leituras tantas vezes indecifráveis.
Tenho o prazer e a felicidade de, quando em vez, almoçar e conversar sem ponto de partida nem de chegada. Conversas ao jeito de cerejas! Aprendo e trago sempre um saco cheio de palavras que me reconfortam e me fazem expandir a consciência. A caminho do Funchal, depois do nosso último convívio, trouxe em permanente reboliço na mente, a pergunta: por que raio esta figura de proa da Igreja e da Cultura da Madeira, ao invés de a ele se juntarem e até aprenderem, tivessem preferido juntar-se ao coro vilipendioso. Até o mantiveram, mais de meio século, em lume brando, numa espécie de fogueira inquisitorial. Espantosa maldade e que triste exemplo deram ao Povo, praticando a antítese do que Jesus deixou como Mensagem. Enquanto Cristão, assumo: que vergonha!
Não se vergou. Antes deixou que o tempo, enquanto grande Mestre, ditasse a sua sentença. E ditou-a, implacavelmente. É uma vitória sua, de, como agora se diz, uma vitória da resiliência. O Povo da Madeira sabe-o de cor e tem consciência do conluio entre a Igreja e o poder para abafar uma voz inadequada aos valores e interesses que defendem. Uns e outros devem-lhe um pedido de desculpas, olhos nos olhos. Como recentemente escreveu no seu blogue "senso&consenso", sobre "Confissões, Confessores e Confissionários": "(...) O perdão digno desse nome só acontece entre o pedido de ressarcimento do criminoso e a sua vítima (...) E aí, mediante o pedido prévio do agressor, esteja o lesado pronto a dar-lhe o abraço da concórdia". Façam-no, se têm respeito por si próprios.
Meu querido Amigo Padre José Martins Júnior, não estarei, mas considere que, virtual e antecipadamente, já assinei a presença. E continue porque precisamos da sua Palavra. O Povo não o esquecerá. O resto... o resto fica para a História.
Ilustração: Arquivo próprio
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