Adsense

segunda-feira, 16 de junho de 2025

O homem que apressou a história acreditando na Igreja que nasce do povo


Por
Edgar Silva*
13/06/2025
7Margens

Multiplicaram-se, desde ontem, dia da sua passagem, as reações da parte de tanta gente que reconhecia no padre José Martins Júnior aquele que apressa a caminhada para o Homem de amanhã, para a cidade outra. E foi esse compromisso que formou o seu rosto, a sua identidade, a sua opção fundamental. Com o povo. Com cada povo.



Quer com o povo de Machico ou com o povo do Porto Santo, para onde foi nomeado para ser pároco; quer com o povo maconde, na província de Cabo Delgado, a norte de Moçambique, onde esteve como capelão militar, onde aprendeu a língua e as tradições, para aí mergulhar nos cantares, naquela cultura de África; ou na forma como se inseriu na Ribeira Seca, e resistiu a tantas investidas por parte dos senhorios desta terra; nessas e em tantas outras etapas históricas, o padre Martins deixou-se nortear pelos “rubros clamores de amanhã”.

O padre Martins Júnior marcou a História pela forma como desenvolveu a trajetória da Igreja que nasce do povo. Mais do que para o povo, o padre Martins faz parte dessa memória viva da Igreja a partir do povo. A Igreja – Povo, no que comporta de compromisso com o mundo e com a História. A Igreja – Povo, que aprende a conviver diariamente com seus problemas, com suas lutas, com suas dores e sofrimentos.

O padre Martins assumiu “o povo” como princípio hermenêutico determinante da compreensão da sociedade e da História. Povo: com uma história comum; um estilo de vida; uma cultura; e um projeto de bem comum compartilhado. E em cada lugar da sua itinerância, o padre Martins exerceu uma invulgar capacidade de encontro com o povo. Com cada povo semeou a palavra, disponibilizou os seus saberes, a poesia, a música, as suas competências. Participou nas lutas dos povos e na promoção de sua integridade humana.

Talvez por isso, mas não só, o padre Martins fez parte de sectores do catolicismo que poderemos classificar como de um “catolicismo atuante”. Esses católicos teimavam em querer a transformação da sociedade, a resolução das desigualdades, a edificação do ‘Homem Novo’. Daquela intervenção militante resultavam exigências de natureza política, ou de alteração do regime político.


O padre Martins fez parte de uma memória acerca do modo de viver consequentemente a fé cristã e de um tempo em que no cristianismo uma teologia política exigia uma teologia da revolução. Fez parte de um contexto histórico contemporâneo em que fé e revolução confluíam na vida de diversos sectores do catolicismo.


Através do crescente entendimento de que os católicos deveriam tomar partido pela humanidade dos oprimidos, pela justiça social, pela paz, pela democracia, o padre Martins Júnior esteve na vanguarda de tantas iniciativas e desenvolveu uma linguagem da espiritualidade de presença e compromisso social e político na sociedade.

Em cada um desses processos em que esteve envolvido, o padre Martins Júnior dá-nos conta de uma linha de compromisso social e político dos católicos e, na revolução portuguesa nascida a 25 de Abril de 1974, evidencia um marcante contributo dos católicos nos processos de transformação do país ao longo das últimas décadas.

Essa memória nunca se apagará!

*Edgar Silva é madeirense, doutorado em História, com a tese Vendaval de utopias. Do catolicismo social ao compromisso político em Portugal (1965-1976). Os católicos da Revolução e o PCP e é coordenador do Partido Comunista Português – Madeira.

sexta-feira, 13 de junho de 2025

Valeu a Pena!

 

Valeu a Pena ter sido seu Amigo. "Nesta história os tempos confundem-se, não acompanham nem o Sol nem a Lua, nem os meses do calendário. Na Ribeira Seca, em dezanove meses avançaram-se quinhentos anos; os pobres decidiram, os analfabetos falaram, os surdos tocaram e os ricos esconderam-se; os professores ensinaram, os médicos curaram e um padre foi cristão como Cristo que mandou que nos amássemos uns aos outros". Do livro O Canto do Melro - A vida do Padre José Martins Júnior, de Raquel Varela, Bertrand Editora, 2024.



Valeu a Pena as lutas incompreendidas pelo poder político;

Valeu a Pena ter estado ao lado do Povo e não ao lado do carreirismo religioso;

Valeu a Pena, como ele salientou: que "Vida sem ideal é noite sem Lua, Onde a alma sem norte, nas vagas da incerteza, flutua".

Valeu a Pena calcorrear os caminhos e veredas da tristeza para lhes levar a Mensagem;

Valeu a Pena ter sido líder de um enclave em terra de senhorios e de amargurante pobreza;

Valeu a Pena ter sido atirado para as periferias, primeiro, Porto Santo, depois, Ribeira Seca, pela nobre missão de "abrir os olhos e educar". "(...) A Senhora do Amparo / Já está muito magoada / De ver os paroquianos / Beber água da levada (...) - Cancioneiro da Ribeira Seca.

Valeu a Pena ter sido Capelão em Cabo Delgado, Moçambique, convivendo com a morte e a injustiça;

Valeu a Pena ter sido insubmisso qb perante a hierarquia militar em função do sofrimento que via e das teses que defendiam;

Valeu a Pena a vergonhosa suspensão "ad divinis", durante mais de quatro décadas, imposta por um bispo que contrariou a Palavra por amor ao poder político;

Valeu a Pena, por paradoxal que pareça, o cerco à Igreja da Ribeira Seca;

Valeu a Pena a sua inteligente luta contra os bispos Teodoro e Carrilho; 

Valeu a Pena não ter sido "produto transacionável";

Valeu a Pena não confessar ditos "pecados", antes pedir aos irmãos que, junto de alegados ofendidos, estabelecessem a concórdia;

Valeu a Pena ter sido Amigo de Frei Bento Domingues, do Padre Doutor Anselmo Borges, do Padre Mário Tavares, do Padre José Luís Rodrigues e de músicos e cantores como são os casos de Francisco Fanhais, Zeca Afonso, Sérgio Godinho, José Mário Branco e tantos outros que escreveram e cantaram a vida com amor e dignidade; 

Valeu a Pena ter sido professor semeando a esperança;

Valeu a Pena, em 1962, frente aos governadores das ilhas, no púlpito da Sé Catedral, ter dito que "os maiores criminosos não estão nas cadeias. Jesus não precisa de adoradores que venham ajoelhar-se em fofas almofadas vermelhas";

Valeu a Pena ter fundado grupos folclóricos, incentivando a música, o canto e o teatro;

Valeu a Pena ter sido contra os "Azeredos", "Santanas" e de outros que a vida confrontou;

Valeu a Pena ter sido autarca e o deputado da denúncia contextualizada com a Palavra;

Valeu a Pena ter sido humilde porque, por aí, foi grande;

Valeu a Pena, porque "tudo o que no Padre Martins Júnior - de Machico - é passado nos convoca para o futuro" - Do livro O Canto do Melro;


Valeu a Pena, o nosso regular encontro nos restaurantes de Machico ou na minha casa, passando horas a perceber o Homem, o exercício da política e a Palavra;

Valeu a Pena ter celebrado, em Barcelos, os nossos cinquenta anos de casamento;

Valeu a Pena o passeio que demos e o almoço que desfrutámos, naquela aldeia de xisto da Pena, na Serra de S. Macário, onde vivem 13 pessoas, onde o fotografei e para sempre ficará na minha memória;

Valeu a Pena ter apresentado o meu livro sobre Educação.

Valeu a Pena nossa AMIZADE.

Uma enorme referência que fisicamente morre, mas que vive em nós.

Um disse-me: "(...) quando eu morrer desejo ter uma conversa com Jesus e Maria". Espero que já tenha acontecido.

Um abraço solidário a toda a sua família.