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segunda-feira, 14 de maio de 2012

O ERRO DE PASSOS COELHO


"(...) Estar desempregado não pode ser um sinal negativo. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida (...)". Pergunto, como? Com os baixíssimos níveis de escolarização e de instrução, com sensíveis défices ao nível da formação profissional, com o sistema empresarial, financeiramente, com a corda ao pescoço, porque há um círculo vicioso de todos deverem a todos e com a Administração Pública à cabeça, com a banca sem rei nem roque, que compra dinheiro a 1% para vendê-lo a 5% e mais, servindo os senhores dos mercados sem rostos, como é que o Primeiro Ministro pode generalizar, quando as ameaças são muito significativas relativamente às oportunidades? Confesso que o Dr. Pedro Passos Coelho nunca me enganou relativamente à sua postura política. É um ultraliberal, um político de conceitos assumidos pela rama, no essencial, um político que faz parte de uma frente avançada europeia, de direita, mais preocupada com o êxito dos mercados do que com a felicidade das pessoas. Não é um político amadurecido no conhecimento, capaz de compaginar as teorias e o que elas significam face à realidade, a História com a cultura do povo nosso País.


Continuem a rir. Muito antes do que possam
pensar, poderão ser apeados!
Afirmou, há dias, o Primeiro Ministro Pedro Passos Coelho: "(...) Estar desempregado não pode ser um sinal negativo. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida (...)". Ora, há declarações que um mínimo de bom senso, face ao contexto de milhares de desempregados, obrigariam das duas, uma: ou à reconfiguração da frase, ou, pura e simplesmente à opção pelo silêncio. Concretamente, poderia dizer que o governo tudo está a fazer para estancar o desemprego, fazendo crescer a economia. Poderia dizer muitas outras coisas, porém, nunca falar que o desemprego, generalizando a situação, constitui uma oportunidade. Até porque coexistem muitas variáveis que devem ser cruzadas, desde a formação inicial e complementar, o know-how, isto é, o conhecimento para desencadear outras tarefas, até um certo currículo bancário para poder ter acesso a eventuais negócios criativos e diferenciadores. Alguns, poucos, não precisam sequer de ficar desempregados para procurarem fazer da fraqueza uma oportunidade; a esmagadora maioria, porém, numa análise swot (forças, fraquezas, oportunidades e ameaças), fica-se pelas fraquezas e ameaças, mesmo que tenham força e sintam que há uma oportunidade.
A lógica do pensamento do final da década de 80, com o notável livro A Terceira Vaga, de Alvin Toffler, entre outros menos divulgados, deu origem, no início dos anos 90, ao aparecimento de vários gurus da gestão que invadiram o pensamento de muitos, sob fortes aplausos de plateias inteiras. Conceitos que, afinal, vieram a determinar o colapso económico e social dos nossos dias. Li, em Tom Peters, "nada mais certo no futuro que o emprego incerto"; sublinhei, deste mesmo autor, "que a empresa do futuro se chamaria, Eu, SA", ou que, doravante, só existirão dois tipos de gestores: "os rápidos e os mortos". Mas também li Peter Drucker, Michael Porter, Idalberto Chiavenato, Igor Ansoff, Henry Mintzberg, Andrew Campbel, Michael Godet, David Hampton, entre tantos outros, aproximei-me, por extensão, dos sistemas organizacionais, do marketing, dos recursos humanos, da qualidade e da liderança. Possuo toda a coleção, desde o número 0, da fantástica revista Executiv Digest. Bebi, por isso, muita informação por razões académicas e por interesse pessoal, para melhor compreender outras relações com um mundo que dispontava. Fiquei maravilhado, eu diria deslumbrado com as minhas primeiras leituras, aquelas que me introduziram neste espaço do conhecimento. "É melhor ser louco e errar, do que estar parado a ver o mundo a mudar à nossa volta", defendia Peters no livro In Search of Excellence. Ora, esse delírio profundo conduziu à síntese que tempos loucos exigiam empresas loucas, portanto, "bem vindo à era em que a imaginação é o principal requisito de sobrevivência. É um mundo caótico, em que as organizações sãs deixaram de ter lugar", li no livro The Tom Peters Seminar. É evidente que se trata de frases muito fortes, geradoras e potenciadoras de uma nova mentalidade, mas que necessitariam de ser lidas, amadurecidas, contextualizadas e desenvolvidas na cadência do tempo. E não foram. Hoje, à distância e com outro amadurecimento, olho lá para trás, por exemplo para as minhas aulas na Universidade da Madeira, e sinto que, em alguns momentos, transmiti e desenvolvi teorias, as da época, sem os necessários contrapontos. Há vinte anos havia essa espécie de delírio concetual que merecia um enquadramento diferente e mais profundo. Só dois ou três anos mais tarde comecei a cruzar o pensamento da rutura com outras variáveis. Durante anos foi assim, assistimos a uma ditadura de frases feitas, frases motivadoras mas, simultaneamente, mortíferas.
Não está em causa os conselhos da época e que continuam, genericamente, atuais para "navegar em águas revoltas", como sintetiza o quadro que aqui deixo. O que está em causa é tudo o que se conjuga a montante, a morte de milhares para a sobrevivência de poucos, porque a lógica em que se alicerçam as teorias é a da "pressa e a da cultura do nanossegundo". Numa cultura destas, como se percebe, não há lugar ao sentido de humanismo, porque as pessoas são apenas peças da engrenagem.
Li em David A. Cohen, as paranóias das organizações, isto é, as doenças organizacionais que acabam por afetar os clientes, destroem a moral dos colaboradores e que podem ser a raiz para a destruição da liderança e para o desmantelamento de uma organização: o comportamento frenético, a depressão, a depressão frenética, a esquizofrenia, a paranóia, o comportamento neurótico e a intoxicação. W. Cohen sugeria que, neste quadro, colocassem a empresa no divã; hoje, não estão apenas as empresas, mas os colaboradores das empresas, pela desestruturação do mundo laboral, porque a "saudável loucura" deu lugar à desordem, ao caos, à falência e à doença.
Desviei-me do essencial, pois parti da frase do Primeiro Ministro: "(...) Estar desempregado não pode ser um sinal negativo. Tem de representar também uma oportunidade para mudar de vida (...)". Pergunto, como? Com os baixíssimos níveis de escolarização e de instrução, com sensíveis défices ao nível da formação profissional, com o sistema empresarial, financeiramente, com a corda ao pescoço, porque há um círculo vicioso de todos deverem a todos com a Administração Pública à cabeça, com a banca sem rei nem roque, que compra dinheiro a 1% para vendê-lo a 5% e mais, servindo os senhores dos mercados sem rostos, como é que o Primeiro Ministro pode generalizar, quando as ameaças são muito significativas relativamente às oportunidades?
Confesso que o Dr. Pedro Passos Coelho nunca me enganou relativamente à sua postura política. É um ultraliberal, um político de conceitos assumidos pela rama, no essencial, um político que faz parte de uma frente avançada europeia, de direita, mais preocupada com o êxito dos mercados do que com a felicidade das pessoas. Não é um político amadurecido no conhecimento, capaz de compaginar as teorias e o que elas significam face à realidade, a História com a cultura do povo nosso País. Eu diria que para esta geração que nos governa, não é o défice que está em causa, mas a obediência, cega, face a todos aqueles que se escondem atrás dos biombos da política internacional e que ostentam fortunas verdadeiramente obscenas. A austeridade é apenas uma face visível. Há outras, obviamente.
Tanto que poderia aqui ser desenvolvido. Fico por aqui, com o lamento que sinto que aproximamo-nos do abismo.
Ilustração: Google Imagens.

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