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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

No Funchal, uma cabeleireira quer escrever um livro


Por
João Abel de Freitas
Economista


Da Madeira para Portugal, à boleia do nuclear. Neste momento, a maioria na Europa é pró-energia nuclear. Em 27 estados-membros, há 16 países que constituíram no início deste ano a chamada Aliança Nuclear Europeia.



Estive na Madeira para o lançamento do livro A Energia na União Europeia/Política Errática e de Conflito e a comunicação social andou por perto.

1. No dia do lançamento, segunda-feira 27 de novembro, aproximei-me da tabacaria junto ao café Apolo, em frente à Sé, para comprar um jornal da Região.

Uma senhora em amena conversa com a vendedora dos jornais olha para mim e diz: Este senhor que é madeirense, mas não vive cá, vai lançar hoje um livro na Reitoria da Universidade. Ouvi e perguntei como sabe. E ela, vi-o no telejornal e até sei o seu nome. Uns segundos de conversa e digo mas pode lá ir. Ai, não posso, sou cabeleireira e tenho de estar no salão. E logo a seguir… também quero fazer um livro.

Sabe, dizia-me ela, sei muito da vida do Funchal. Dos amores e desamores, das doenças complicadas, das depressões das pessoas, das pessoas que pelas razões mais absurdas da vida a que por vezes não vão ligando nenhuma, mas que as mudam tanto que desaparecem e quando voltam são outras, de feições, de humor, até na forma de pensar. Muitas perderam as suas posses, o seu dinheiro… e, depois, as dificuldades de vida… e, quando têm filhos é de facto uma não vida.

Ainda perguntei, mas não vai identificar nenhuma cliente, pois não. Muito pronta, não, isso nunca. É só a vida das pessoas que conta, muito pesada, mesmo para aquelas que andam aparentemente sempre bem, que disfarçam, mas lá no fundo, sente-se…

A conversa mudou, entretanto, e começou a dizer que gostava imenso da Madeira, do mar, que ia nadar quase todos os dias e que já tinha ido naquele dia. Até fiquei surpreendido pois era tão cedo. Pensei para mim. Gosta mesmo. E não há dúvida estava ali toda morena!

Ainda lhe disse avance com o livro. E ela diz-me, vou pedir apoio a um amigo. Espero que não desista. Pareceu-me uma pessoa decidida e com garra. Simpatizei naturalmente com a senhora e fiquei com muita curiosidade à espera do livro. Sem dúvida, temas sociais em aberto, escondidos, de grande impacto e muita dor.

A energia na União Europeia – política errática e de conflito

2. O livro foi lançado nessa tarde na Reitoria e, para além da muito boa e clara intervenção do apresentador do livro, o meu colega de Liceu, Eng. Bruno Brazão, um técnico que, nos seus inícios de carreira, trabalhou na Junta de Energia Nuclear (JEN) mais concretamente no LFEN em Sacavém, onde havia um reactor de investigação, o debate alargou-se aos participantes e de forma bem viva.

É preciso dizer que havia uns certos ingredientes e curiosidade sobre o tema da Energia, suscitados por uma chamada de primeira página no Diário de Notícias: “Madeira deve apostar na energia nuclear”.

O livro não aborda a problemática da energia na Madeira, mas na entrevista a jornalista Tânia Cova chamou a questão da energia nuclear à nossa troca de ideias da seguinte maneira: “De que forma esta política errática e de conflito está a afectar Portugal? E a Madeira, sabendo que é objectivo do Governo Regional atingir 50% de energia a partir de fontes renováveis a partir de 2025”.

E a resposta foi fluindo: “Esta situação na Madeira tem de ser bem pensada, na medida em que não acredito muito que as renováveis sejam a solução. Vai depender dos projectos que houver para a Madeira [entenda-se, em termos de procura de energia].

Coloco mais a hipótese, mas isto teria de ser muito bem trabalhado, com alguma fundamentação, de uma aposta na [energia] nuclear. Portugal não tem essa posição, mas pode vir a ter. Porque não pensar num reactor de pequena dimensão? Até porque na questão das renováveis há muitas variáveis. Vejamos o exemplo da energia hídrica em que cada vez chove menos e torna-se uma energia muito intermitente.

Não me refiro a um projecto para amanhã. Sugeria que fosse pensado com equipas especializadas. Equipas que não existem neste momento em Portugal. Já existiram. Lembro que, antes do 25 de Abril, Portugal chegou a ter um reactor experimental, mas após o 25 de Abril este foi mais ou menos abandonado. Foi um erro no meu entender.

Não é fácil captar pessoas especializadas para esta área. É preciso experiência. O programa francês a dez anos vai precisar de 100.000 técnicos. A Suécia que também tem um dos maiores programas de energia nuclear da Europa tem vindo a apostar na formação.

Neste momento, a maioria na Europa é pró-energia nuclear. Em 27 estados-membros, há 16 países que constituíram no início deste ano a chamada Aliança Nuclear Europeia. Mais recentemente, [dia 7 de Novembro], a Comissão Europeia anunciou que estabelecerá uma Aliança Industrial dedicada aos pequenos reactores modulares (SMR) que arrancará em inícios de 2024. O anúncio foi feito pela Comissária Europeia para a Energia, Kadri Simson”.

A que se destina a Aliança Industrial dedicada aos SMR?

3. Esta iniciativa da Comissão Europeia dedicada aos pequenos reactores (SMR) visa três objectivos: centrar-se na aceleração destas tecnologias de carbono zero, na montagem de uma cadeia de abastecimentos da UE e na formação de mão de obra especializada com o fim de numa década implantar SMR.

No seu discurso de abertura no evento onde anuncia a criação da Aliança Industrial [Small Modular Reactor Partnership], Kadri Simson afirma: “as apostas da concorrência mundial são elevadas e é importante que mantenhamos a liderança tecnológica e industrial europeia no domínio nuclear”.

Para além de algumas dúvidas/certezas de que a UE não esteja na liderança da energia nuclear civil, esta decisão da Comissão é muito importante e pode, finalmente, ser o princípio de uma futura política energética na União.

Esta iniciativa não agradou o grupo de países antinuclear e, temos a certeza de que, na medida do possível, a Alemanha embora “em perda de terreno” não deixará de tentar barrar ao nível da UE alguns avanços nesta matéria ou pelo menos atrasá-los o mais possível.

A COP28
Finalmente, uma boa notícia desta COP.

A energia nuclear, pela primeira vez numa COP, rompe a “clandestinidade” e é tratada, em alto e bom som, quer pelo presidente Macron, quer pelo enviado especial do governo dos EUA, John Kerry, como tendo um lugar próprio e decisivo nas tecnologias de carbono zero e sem a qual os objectivos de combate às alterações climáticas jamais serão atingidos. Tudo isto afirmado na COP28 é de uma importância extrema, para além de 22 países terem manifestado a ideia (um tanto quanto irrealista, por dificuldades técnicas e de recursos humanos), de triplicar a capacidade nuclear instalada até 2050. Mas, atenção, nada de grandes entusiasmos. Foi apenas um pequeno passo.

Finalmente, é de assinalar que John Biden e Xi Jinping não estão presentes nesta Cimeira do Clima que termina amanhã, dia 12 de dezembro, no Dubai.  No entanto, pouco antes, encontraram-se em Nova Iorque onde acordaram um protocolo de cooperação onde o clima é contemplado. E, a terminar, fico na incerteza de quem vai tomar a dianteira, se a energia nuclear se o livro.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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