"(...) às vezes dou comigo a inquirir os meus botões sobre a razão de certos relatórios publicados e depois arquivados, evidenciando responsabilidades de montantes elevadíssimos, não lograrem maior debate na comunidade e na comunicação social. Mais questiono ainda, em vão, os meus botões sobre o não uso do direito de acção popular, para perseguição judicial de infracções e efectivação de responsabilidades financeiras, quando os lídimos representantes do Estado lesado disso se abstêm" (...) - Dr. João Aveiro Pereira.
Gostei da entrevista do Senhor Juiz Conselheiro da Secção Regional do Tribunal de Contas da Madeira. O Dr. João Aveiro foi claro não se furtando às perguntas do Jornalista. Quase poderei dizer que se tratou da entrevista que faltava, ao equacionar questões e preocupações determinantes no julgamento das contas, face a uma certa ineficácia no que concerne às consequências do que é detectado. Por um lado, referiu que o governo regional da Madeira "não acata na íntegra 90% das recomendações formuladas pelo Tribunal de Contas", por outro, o Magistrado mostra-se preocupado quando sublinha "(...) tanta resignação e indiferença, levam-me a pensar que a crise e a saturação de casos financeiros mediatizados fazem com que as pessoas tendam a desinteressar-se de mais milhão menos milhão perdido e desistam do exercício do seu direito de participação cívica". Está aqui, do meu ponto de vista, o fulcro da questão e daí, numa posição que reflecte uma luta pela transparência dos actos políticos, o Juiz interroga-se e defende: "(...) às vezes dou comigo a inquirir os meus botões sobre a razão de certos relatórios publicados e depois arquivados, evidenciando responsabilidades de montantes elevadíssimos, não lograrem maior debate na comunidade e na comunicação social. Mais questiono ainda, em vão, os meus botões sobre o não uso do direito de acção popular, para perseguição judicial de infracções e efectivação de responsabilidades financeiras, quando os lídimos representantes do Estado lesado disso se abstêm" (...) qualquer pessoa singular no gozo dos seus direitos civis e políticos e certas associações podem fazê-lo para assegurar a protecção dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias, o mesmo é dizer no interesse comum dos cidadãos ou dos contribuintes - tudo nos termos do art.º 52.º, n.º 3, al. b), da Constituição da República Portuguesa, e da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto". E porquê? Assume o Juiz: "(...) o regime jurídico de intervenção do Ministério Público na justiça financeira deveria ser reponderado e alterado, quanto antes. O modelo em vigor, salvo o devido respeito, está desajustado à realidade actual, pois compromete de algum modo a efectivação jurisdicional da responsabilidade e, assim, também a reintegração do património do Estado. Além de, em boa parte, impedir o Tribunal de Contas de julgar e desenvolver, legitimamente, a sua jurisprudência, num processo devido, equitativo e transparente. A decisão de haver ou não lugar a julgamento deveria, portanto, ser sempre judicial e recorrível, em vez de promanar de uma entidade não-independente, hierarquizada e vinculada a directrizes ou pareceres da sua hierarquia".
O Dr. João Aveiro foi muito assertivo nas suas palavras que exprimem grande preocupação. O problema é a engrenagem, os cordões umbilicais de interesses, as razões mais substantivas para que o quadro de ilegalidades não seja investigado até ao mais ínfimo pormenor e que, na maioria das vezes, muitas matérias sejam arquivadas e, portanto, em claro benefício dos infractores. Apoio, sem qualquer margem para dúvidas, na ausência de um quadro legal absolutamente rigoroso, o "uso do direito de acção popular, para perseguição judicial de infracções e efectivação de responsabilidades financeiras". Trata-se da saída possível, mesmo que se arraste por infindáveis meses, como uma possibilidade que não pode nem deve ser desprezada. Ainda ontem a Magistrada Drª Maria José Morgado falava de um Código (dois), um para o zé dos anzóis e outro para os de colarinho branco. E quando se sabe que os responsáveis pelo governo regional esconderam 1878 facturas, a questão que se coloca é se esta situação configura ou não sucessivos crimes, se foi levada a cabo pelo zé dos anzóis ou por gente não confiável na administração da coisa pública regional!
Ilustração: Google Imagens.
2 comentários:
Caro André Escórcio
Não sei se estarei a ser demasiado optimista, mas os comentários do Dr. João Aveiro mostram que já não hesita em deixar mal o Presidente do GR madeirense. Ou seja, já não tem medo do papão.
Será?
Caríssimo,
Dá todas as indicações que sim. Parece óbvio, apesar de cauteloso foi frontal.
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