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sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Miséria de Estado, este que prende a mulher que abandonámos


Isabel Moreira, 
in Expresso Diário, 
14/11/2019

Li o que não queria ter lido sobre a imigrante ilegal deixada à sua sorte nas ruas de Lisboa, anónima, grávida, sim, a mulher que terá cometido o crime que evidentemente nos perturba até às lágrimas. Li dessa mulher sobre a qual só sabemos do seu abandono o que não esperava ler, porque o me salta à consciência é o nosso abandono, é a pergunta coletiva ou as perguntas umas atrás das outras, velozes, cortantes, como ?, porquê?, não estava sinalizada?, como terá sido concebida aquela criança?, em que condições?, o que a levava a esconder a gravidez?, por que razão não tinha um único apoio familiar?, onde estava o Estado social?, onde estava eu?, onde estávamos nós?



Depois é decretada a prisão preventiva e leio estarrecida gente esclarecida e defender que não sendo possível aplicar outro tipo de medidas era a única medida possível ou a defenderem que foi o melhor para “ela”.
Não consigo admitir que uma prisão ilegal seja defensável como ato piedoso, como ato caridoso, uma espécie de previdência para a mulher que não terá alternativa à prisão. Não consigo, não posso nem quero admitir uma barbaridade tamanha.

A prisão preventiva tem pressupostos claros e não basta que haja indícios da prática de um crime grave. Seria necessário demonstrar, neste caso, porque é sempre no caso concreto e nunca em abstrato, que a liberdade desta mulher causaria abalo social ou poria em causa a ordem pública, o que não é manifestamente o caso. Seria necessário demonstrar perigo de continuação da atividade criminosa por parte de quem, no caso, obviamente já não oferece qualquer perigo, porque não há outra gravidez a criança está hospitalizada.

Mais agonizante é explicar que a prisão preventiva é a pior medida que pode ser aplicada a quem ainda não foi julgado, pelo que não, não se aplica para dar conforto a quem não tem casa. O Juiz não substitui o Estado social dando cama a uma sem-abrigo via decretação de prisão preventiva. Estamos a falar de uma mulher com direito à liberdade ou a outra medida de coação como qualquer arguida ou arguido e, se carece de tratamento hospitalar ou de abrigo, há hospitais e há casas abrigo.
Pergunto-me se quem defende a prisão preventiva com base na condição de sem-abrigo da arguida está disposto a defender a prisão de todos os sem-abrigo na condição de arguidos como forma de lhes dar um teto. Francamente, é repugnante.
Se os pressupostos da prisão preventiva não estão preenchidos – e não estão – a prisão é ilegal e miséria, miséria de Estado, este que prende uma mulher que abandonámos.

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