Adsense

quarta-feira, 7 de julho de 2021

O Japão e a guerra fria

 

Por
06 Julho 2021


Além do modelo de desenvolvimento económico mais “igualitário”, em termos salariais, que os dos países desenvolvidos ocidentais, as especificidades da estratégia e da gestão do Japão também constituíram um trunfo para o seu sucesso. Este artigo de opinião começa por balizar de forma breve, em conteúdo e tempo, o que comummente se entende por guerra fria.



Para muitos, o entendimento entre a Rússia e os Aliados para enfrentar os países agressivos do Eixo assumia um carácter temporário. A ruptura dá-se após a “partilha” negociada do Mundo em dois blocos de influência, no espírito das conferências de Yalta e Potsdam.

Assim, o período da guerra fria estende-se desde os finais da segunda guerra mundial, ou mais especificamente de 1947 à queda da URSS em 1991. Porquê 1947? É o ano que baliza a doutrina Truman expressa no seu discurso perante o Congresso, em que proclama, com o maior despudor, “o direito de ingerência” dos EUA noutros países na base de diferenças ideológicas.

A guerra fria caracteriza-se, então, por aproximadamente quatro décadas de tensões, guerras locais, ameaças de conflitos, e grande luta política entre as duas “Superpotências” mundiais de então, a URSS e os EUA, assumindo as mais diversas formas nas frentes militar, económica, diplomática e de influência em geral, mediante a criação de instrumentos e estruturas de acção poderosas, como a Nato ou o Pacto de Varsóvia.

Como nota há quem refira, com alguma propriedade que, tendo a guerra fria na base incompatibilidades ideológicas insanáveis, é a revolução russa de 1917 que lhe marca o destino.

1. O Japão na segunda guerra mundial integra o campo dos derrotados e após a sua rendição oficial em 2 de Setembro de 1945, um pouco mais tarde que a Alemanha, passa a ser governado pelos EUA com penalizações muito severas no campo militar como a desmilitarização e o desarmamento e no campo económico com a dissolução dos grandes grupos e a extinção das indústrias bélicas, entre outras.


Este panorama de ocupação do Japão começa a deslizar com as mudanças profundas no xadrez político mundial. A subida ao poder de Mao Tsé Tung na China (1949) foi a primeira pedra a balouçar a ocupação do Japão e em seguida o desencadear da guerra na Coreia (1950-1953).

Esta, sobretudo, como dizem alguns analistas, foi um “manjar dos deuses” para o Japão, pois vai permitir-lhe uma rápida integração no bloco dos países apoiantes dos EUA. É de algum modo a sua “ocidentalização”.

Os EUA para apoiar os combates na Península da Coreia necessitavam de apoio local sobretudo no fabrico de equipamento militar e começam a apetrechar o Japão nesse sentido. Logo em 1951 começam a aliviar a carga das medidas repressivas, permitem ao Japão a formação de forças armadas sob uma outra designação “forças de auto defesa”, facilitam o regresso das indústrias bélicas e o acesso às tecnologias modernas de fabrico de material de guerra e abrem o mercado americano às produções japonesas.

Os EUA fazem do Japão, para além de ponto de apoio à guerra da Coreia, um país tampão face às “veleidades” de expansão da China e da URSS, apoiantes da Coreia do Norte na guerra que, por mais de uma vez, chegou a ocupar quase toda a península coreana.

2. O Japão com estas facilidades retoma a dinâmica do processo de industrialização interrompido na segunda guerra mundial e, em pouco tempo, devido a condições peculiares como qualidade educativa, grande disciplina no trabalho, abertura a carga horária extensa, atinge taxas de crescimento bem na dianteira dos países desenvolvidos.

Na realidade, os números assim o dizem. No período 1950-1969, o PIB do Japão cresce, em média, 9,7%, o dos EUA 3,9%, o de França 5,3% e o da Alemanha 6,8%. No período 1969-1987, embora a ritmo mais baixo, as diferenças mantêm-se: Japão 4,6%, EUA 2,7%, França 2,9% e Alemanha 2,1%. O rendimento por habitante em 1987, em termos de poder de compra, situava-se muito próximo do da Alemanha, acima do da França, apenas com algum distanciamento dos EUA, quando, no início do primeiro processo de industrialização, em 1870, a relação era de 507 dólares no Japão para, por exemplo, 1762 em França (A informação quantitativa tem como fonte vários trabalhos do CEPII, France).

3. Um outro aspecto a ser relevado nesta área de desenvolvimento acelerado do Japão e, não nos podemos esquecer que este período de quatro décadas foi atravessado por várias crises, designadamente de energia, é a sua eficiente e intensiva especialização industrial (desenvolvida em vários trabalhos em diversos países) em sectores de ponta nas indústrias do automóvel, da indústria electrónica em praticamente todos os segmentos (electrónica de consumo, industrial e de precisão) e, em vários segmentos do material eléctrico em que destronou nos mercados mundiais os países mais avançados do Ocidente.

Mas não pára aqui. Na área financeira, em 1990, oito dos dez maiores bancos de depósitos do Mundo eram japoneses.

Por outro lado, o Japão apostou num modo de desenvolvimento económico mais “igualitário”, em termos de leques salariais, que os dos países desenvolvidos ocidentais (Europa, EUA e Canadá) e mesmo os asiáticos como os Novos Países Industrializados da Ásia que, entretanto, assistiam à sua economia a descolar, um pouco na esteira do Japão. Esse modelo permitiu um crescimento e uma distribuição social do produto redutor do nível de desigualdades salariais existente na primeira fase de modernização do país de antes da segunda guerra. A relação capital/trabalho é outra matéria, que se prende com a acumulação de capital ao nível do país.


Mas o modelo económico assentava ainda em aspectos específicos em termos de estratégia e de gestão (um dos trunfos do sucesso). Uma aposta firme na substituição de importações por produção nacional (com o mercado japonês muito fechado às importações com grandes protestos dos países ocidentais), em tecnologias avançadas, na sociedade de informação, conceito introduzido na economia mundial pelo Japão, numa elevada taxa de poupança do país e das famílias em particular, que lhe permitiu atravessar as crises deste período e sobretudo as petrolíferas, sem grande necessidade de recurso a financiamentos do exterior e numa concorrência brutal pelo investimento estrangeiro nos mercados internacionais.

Em termos de gestão macroeconómica, o MITI (Ministério da Indústria e Comércio Internacional) desempenhou um papel crucial ao assegurar uma coordenação dos grandes grupos económicos (entretanto repostos) e uma política coligando um dirigismo de Estado com um certo liberalismo económico. O papel do Estado Japonês foi determinante.

Tudo isto ligado a uma grande estabilidade política, praticamente o Japão foi governado pelo mesmo partido durante a guerra fria, criou as condições para este forte crescimento económico de 40 anos, permitindo assim a grande aproximação aos países mais desenvolvidos tornando-se o Japão a segunda maior potência económica com 16% do PIB mundial em 1990.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

Sem comentários: