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sexta-feira, 5 de abril de 2013

EDUCAÇÃO DESPORTIVA ESCOLAR (I) - INTERESSE PÚBLICO OU UMA CERTA CHUVA NO MOLHADO!


O tema desporto escolar não deve aparecer isolado de uma questão maior, a do sistema educativo. É pelo sistema educativo que devemos começar onde a área do desporto se integra e interage. Simplesmente porque o desporto não pode ser uma ilha dentro do sistema e de cada escola. Esta questão é de particular relevância, uma vez que se a missão e vocação da escola for reenquadrada, obviamente, que ao desporto educativo corresponderá a uma importância e um significado diferente daquele que tem na actualidade. Significa isto que não se pode ficar pelo "acho que...", mas pelo conhecimento e pela transformação que altere o paradigma vigente. Da mesma forma que não se pode falar da Educação Física sem contextualizá-la no tempo histórico, nas suas origens, fugindo à sua contextualização no tempo do nosso tempo. Há que conhecer e questionar como surgiu e porque surgiu, analisar a importante função que exerceu, para compreendermos se o seu tempo já terminou. Sempre que me reporto a estas matérias, trago em memória o posicionamento, de longa data mas sempre actual, do filósofo Doutor Manuel Sérgio: (…) Por mim sou em crer que se a Educação Física, se se deixa aferrolhar na torre de marfim onde virginalmente querem escondê-la, roubando-lhe o acto fecundante do contacto com as ciências do Homem, não excrescerá a mediania (…)".



A RTP-M considerou de "Interesse Público" um debate sobre o Desporto Escolar. Aconteceu na noite de Quarta-feira. Embora os verdadeiros problemas da Região tenham uma assustadora dimensão, merecedores de debate porque jogam, neste momento, com a sobrevivência de muitos milhares, não quero aqui hierarquizar prioridades que aos gestores do "serviço público" diz respeito. Se aqui escrevo é apenas porque  constitui matéria sobre a qual muito tenho reflectido e publicado. Mas já que o tema foi o desporto na escola aqui deixo uma primeira reflexão. 
Desde logo, registo, que o tema desporto escolar não deve aparecer isolado de uma questão maior, a do sistema educativo. É pelo sistema educativo que devemos começar onde a área do desporto se integra e interage. Simplesmente porque o desporto não pode ser uma ilha dentro do sistema e de cada estabelecimento de educação e ensino. Esta questão é de particular relevância, uma vez que se a missão e vocação da escola for reenquadrada, obviamente, que ao desporto educativo escolar corresponderá a uma importância e um significado diferente daquele que tem na actualidade. Significa isto que não se pode ficar pelo "acho que...", mas pelo conhecimento e pela transformação que altere o paradigma vigente. Da mesma forma que não se pode falar do desporto na escola sem questionar a Educação Física, sem contextualizá-la no tempo histórico, nas suas origens, fugindo à sua inserção no tempo do nosso tempo. Há que conhecer e questionar como surgiu e porque surgiu, analisar a importante função que exerceu, para compreendermos que o seu tempo já terminou. Sempre que me reporto a estas matérias, trago em memória o posicionamento, de longa data mas sempre actual, do filósofo Doutor Manuel Sérgio, um dos grandes pensadores mundiais sobre estas matérias:
(…) Por mim sou em crer que se a Educação Física, se se deixa aferrolhar na torre de marfim onde virginalmente querem escondê-la, roubando-lhe o acto fecundante do contacto com as ciências do Homem, não excrescerá a mediania (…). - A Prática e a Educação Física, 1985, pág. 11. E o problema é exactamente esse, quando assisto(i) a pessoas que continuam a aferrolhar esta disciplina, como se de uma vaca sagrada tratasse, quando melhor seria deixá-la fecundar-se pelas ciências do Homem. Lembro-me de Manuel Sérgio, em uma das longas e amigas conversas que manteve comigo, em minha casa, ter dito com aquela sabedoria expressa em poucas palavras: "tirem a bola à Educação Física e digam-me lá o que resta!". Nem mais, disse-lhe. E a conversa continuou dissecando um seu artigo de opinião que sintetiza as correntes filosóficas, sociais e o pensamento pedagógico ao longo dos tempos: "(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) a expressão Educação Física está incrustada numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e, portanto, a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração" (Artigo de opinião publicado no DESPORTO Madeira, 27.06.03). E no livro Da Educação Física à Motricidade Humana (2002), no qual estive envolvido, o citado autor refere que é no quadro da Ciência da Motricidade Humana que falo de “uma nova Renascença, de uma época de construção de novas ciências, que procura encontrar a teoria da prática dos professores de Educação Física (…) "há que compreender como Heidegger, que existir humanamente é ser tempo. De facto, tudo é tempo e a Educação Física já teve o seu". Ora bem, mas não é apenas Manuel Sérgio que a esta mudança se refere. Entre tantos de uma extensa bibliografia, um outro, de quem também sou amigo pessoal, o Professor Gustavo Pires, catedrático na Faculdade de Motricidade Humana,  salienta no livro Desporto e Política – Paradoxos e Realidades, pág. 352 e 353:
"(…) O sistema de valores, os símbolos, a estética, o espaço e a estrutura do tempo são portadores de novas ideias e pensamentos que devem originar outras soluções organizacionais quando se trata de organizar actividades lúdicas, culturais, recreativas e formativas, em ambiente escolar. (…) Defender a Educação Física não é, por isso, insistir nos modelos e nas soluções do passado. Defender a Educação Física é sermos capazes de encontrar soluções de acordo com as realidades do nosso tempo. Numa dinâmica de futuro. E o futuro é o ensino do desporto". 
Ora, aqui convergem os dois pressupostos que inicialmente abordei: a mudança da instituição escola e, por extensão, a mudança do paradigma que enforma a Educação Física. Como entendo que ela não se deve "aferrolhar na torre de marfim", conhecendo todo o processo histórico e a evolução tecnológica, entendo que a escola portuguesa é hoje uma instituição desadequada da realidade e a Educação Física não faz, por conseguinte, qualquer sentido. Deve ser substituída pela Educação Desportiva. É preciso que assumamos que a Educação Física, hoje, não é nada. Há inquéritos mundiais que testemunham a sua crescente descredibilização e aceitação. E quando escrevo a palavra hoje refiro-me desde os anos 70 para cá. Fui aluno, em 1969, do Professor Nelson Mendes, autor do livro "A Humanização do Movimento" (1969). Na parte que consagra à Antropologia – ponto de partida, salienta: "É nossa opinião que a expressão Educação Física é actualmente uma expressão limitadora, estática e não válida. Não está mais em causa o físico ou soma como realidade existente em si própria. O físico não pode, actualmente, existir como objectivo específico de qualquer acção de âmbito educativo" (…) Esta expressão enquanto persistir como expressão actual, limitará forçosamente o seu verdadeiro significado e, portanto, qualquer acção nesse sentido". "(…) Há que situarmo-nos na corrente filosófica actual quanto à natureza do Homem e daí partir". Entretanto, passaram-se 44 anos…
Daí que, o "Interesse Público" de anteontem correspondeu a uma certa chuva no molhado. Teve alguns momentos interessantes, algumas intervenções de excelente conteúdo, mas, no essencial, não adiantou nem atrasou. Ficou tudo na mesma, com algumas particularidades que merecem, pelo menos da minha parte, novas reflexões. Por isso mesmo regressarei, porque há assuntos que não podem passar em claro. E se, neste texto, quedei-me pela questão da Educação Física foi apenas porque escutei intervenções que, infelizmente, vão no sentido de aferrolhar esta disciplina na tal "torre de marfim" como salientou Manuel Sérgio. Não resisto, porém, de deixar mais esta achega: "(...) A dita Educação Física, porque é física não pode ser raiz do conhecimento, dado que isola o físico do intelectual e moral e, assim, não é uma categoria gnosiológica, nem uma categoria sociológica – é um conglomerado de técnicas, sem qualquer tipo de fundamento válido. Não basta uma prática, precisa é de uma compreensão da prática, ou seja, a unidade prática-teoria: teoria essa que pretende interpretar e projectar a prática". Mais adiante: "(…) Educação Física: libertação ou alienação? Será alienação enquanto for física, pois que esta palavra apresenta uma clara significação ideológica. Na realidade, a Educação Física pode levar a uma definição de homem conformista, imobilizado no tempo (…) sem um projecto global de humanidade" - Manuel Sérgio, Algumas Teses Sobre o Desporto, pág. 65 e 66.
Nota: Uma grande parte das citações que aqui transcrevi constam do livro que publiquei em 2004: Ano Europeu da Educação pelo Desporto. 
Ilustração: Google Imagens.

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