A partir de hoje, parece-me óbvio, todos os professores vão dirigir as suas preocupações para os tais exames, como se esse fosse o caminho mais seguro e de bom senso no sentido da melhoria do processo ensino-aprendizagem. A partir de hoje o que interessa não é de onde vêm, que natureza têm as suas famílias, mas condicionar a resposta à provável pergunta que constará do exame. Não há tempo para o porquê e para quê, para a descoberta, para a vivência, para ler, debater e libertar-se para o futuro, para a autonomia e gosto pelo conhecimento, para o domínio das competências básicas interiorizadas que não se esgotam no Português e na Matemática, para a cultura, enfim, para a criação de um lastro fundamental onde podem ser erigidas as colunas do conhecimento poderoso. A partir de hoje, grosso modo, começará o "treino intensivo", convencidos que estão que, por aí, acabará aquilo que designam por "facilitismo". O ano lectivo termina em finais de Junho, mas os exames acontecem um mês e meio antes. O "treino intensivo" tem prova marcada e, por paradoxal que pareça, depois do exame, então sim, a escola tentará ser escola nas restantes semanas.
A professora, porque o sistema assim exige, no quadro da sua responsabilidade profissional, pede aos pais que venham buscar os filhos aí por volta das 17:30 horas, pois quer com eles ficar mais meia-hora todos os dias, isto é, mais duas horas e meia por semana, dez horas por mês, aí umas duzentas e cinquenta horas até Maio! Fora os "trabalhos de casa", julgo eu. É que, este ano, lá para Maio, os alunos do 4º ano, têm exame e há que "prepará-los".
Ora, dei comigo a reflectir que, no meu tempo, também ficávamos mais um tempinho porque o exame de admissão à fase seguinte dos estudos era eliminatório. Os "bons" iam para o Liceu e os outros que passassem no exame, à rasquinha, para a Escola Comercial e Industrial. Dos restantes todos conhecemos a história. Isto no tempo que tínhamos setenta e tal por cento de analfabetos. Mesmo assim, os "doutos" senhores do Estado Novo entendiam que era pelo exame, na antiga folha de "papel almaço" (e com prova oral) que se preparava o futuro. O que fica desse tempo histórico é que não prepararam nada, antes, filtraram e condicionaram o futuro de milhões, ao ponto de, em Abril de 1974, ser monumental o défice relativamente a todos os outros países. Ainda hoje pagamos por isso.
Vem, agora, o Ministro Nuno Crato (PSD) eliminar disciplinas e impor o regresso dos exames em contraciclo com a generalidade dos países da Europa. Diz o Ministro que, no 1º ciclo vale, apenas, 30% da avaliação global, pois, digo eu, mas não deixando de ser um exame, pergunta-se, então, para que serve? Para aferir conhecimentos? Bom, para isso, cada escola, através de provas de aferição, no quadro da avaliação contínua, concluía do aproveitamento global dos alunos (numa perspectiva formativa e de interesse para o professor e para o aluno), que não apenas no Português e na Matemática. Na lógica do Ministro, os 30% servem, sejamos claros, para ajudar a aprovar ou a reprovar. A excluir e não a incluir. Se já estamos com altíssimas e impensáveis taxas de insucesso e abandono, doravante, pior será, até consequência da malfadada crise geradora de muitos desconfortos familiares. Ponto final.
A partir de hoje, parece-me óbvio, todos os professores vão dirigir as suas preocupações para os tais exames, como se esse fosse o caminho mais seguro e de bom senso no sentido da melhoria do processo ensino-aprendizagem. A partir de hoje o que interessa não é de onde vêm, que natureza têm as suas famílias, como é que a escola pode esbater as diferenças, mas condicionar a resposta à provável pergunta que constará do exame. Não há tempo para o porquê e para quê, para a descoberta, para a vivência, para ler, debater e libertar-se para o futuro, para a autonomia e gosto pelo conhecimento, para o domínio das competências básicas interiorizadas que não se esgotam no Português e na Matemática, para a cultura, enfim, para a criação de um lastro fundamental onde podem ser erigidas as colunas do conhecimento poderoso. A partir de hoje, grosso modo, começará o "treino intensivo", convencidos que estão que, por aí, acabará aquilo que designam por "facilitismo". O ano lectivo termina em finais de Junho, mas os exames acontecem um mês e meio antes. O "treino intensivo" tem prova marcada e, por paradoxal que pareça, depois do exame, então sim, a escola tentará ser escola nas restantes semanas.
A escola, nestes quatro primeiros anos poderia e deveria marcar a diferença, pois, poderia, mas isso exigiria outras cabeças e outros posicionamentos. Nuno Crato, quando andava pelo "Plano Inclinado" da SIC, chegou a preconizar a "implosão" do Ministério. Não só não o implodiu como reforçou o edifício educativo com novas estacas. A este propósito, li, em tempos, uma entrevista do meu Amigo Professor Doutor Domingos Fernandes, também Licenciado em Matemática, tal como o Ministro Crato, distinguido com o Prémio Sebastião e Silva pelo melhor manual de Matemática para o Ensino Básico (2004), Doutor em Educação pela Universidade do Texas (Filosofia da Educação), relativamente à escola poder marcar a diferença. Nessa entrevista assumiu:
"(...) As escolas podem fazer a diferença se trabalharem realmente de forma diferente: se reinventarem o currículo; se usarem procedimentos de avaliação orientados para melhorar as aprendizagens dos alunos e não exclusivamente para os classificar; se usarem tarefas mais adequadas e mais interessantes para os alunos... hoje é quase perigoso falar em tarefas interessantes, porque as pessoas pensam que é facilitismo... Mas quando nós dizemos tarefas que tenham significado e sejam interessantes para as pessoas, não significa tarefas fáceis; significa tarefas bem escolhidas, em que as pessoas vão pôr o seu empenho máximo. Portanto, é nesta perspectiva de elevar o nível, digamos, que a escola pode fazer a diferença. As escolas e os professores podem fazer a diferença. Podem e devem (...)".
Só que uma dimensão destas implicaria reinventar a escola e o currículo. Reinventá-la na sua concepção e organização. E essa reinvenção não passa pelos "treinos intensivos" tendo em vista um qualquer "ranking" que, ilusoriamente, coloque em destaque o ministro. Não é por essa via e não é pela via de mais escola que teremos sucesso, mais inclusão e menos abandono. O caminho de uma melhor escola é muito mais seguro. O problema é que os professores têm de se subordinar a esta estrutura de escola, até porque o seu processo de avaliação de desempenho e progressão na carreira está, concomitantemente, em causa. Eu diria que se trata de um círculo vicioso que, quer para alunos quer para professores, acefalamente, a hierarquia prefere, no caso dos professores, a classificação a uma cultura de desempenho; no caso dos alunos, a classificação a uma avaliação contínua com rigor e contextualizada, porque não há duas escolas e dois públicos iguais.
Coitadas destas crianças... que nem "sindicato" têm que lute pelos seus direitos, entre outros, o tempo para "jogar" (num sentido lato do termo) e para ser criança!
Ilustração: Google Imagens.
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