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terça-feira, 8 de setembro de 2020

Porra, morreu o Vicente! Não é justo.

Por 
Nicolau Santos

Acabo de levar um soco de todo o tamanho. Abri o site do Publico e li: «Morreu Vicente Jorge Silva, primeiro diretor do Público e um jornalista exigente que fez história no jornalismo». Não acredito. Então, Vicente, tu morres-nos assim sem mais nem menos, sem avisar, sem te fazermos um grande jantar e termos uma grande conversa, aos gritos, para tu conseguires ouvir?



O Vicente não foi apenas o primeiro diretor do Público, como titula secamente a notícia (que devia estar a abrir o site, porra! O Vicente é o Vicente, o pai do Público!). Foi o fundador (a ideia é dele) de criar um jornal diário de referência em Portugal, à semelhança dos grandes jornais norte-americanos e europeus. Foi ele que criou o núcleo que o acompanhou desde o início da aventura e foi ele que escolheu Henrique Cayatte para desenhar o jornal mais elegante e de melhor bom gosto do ponto de vista gráfico que alguma vez existiu em Portugal.

Mas foi ele também que tornou o Comércio do Funchal uma referência de liberdade nos tempos do fascismo, ou que criou a Revista do Expresso, outro projeto incontornável do jornalismo em Portugal, pela abertura à Cultura e ao noticiário internacional que trouxe aos leitores. Com o Vicente, Portugal deixou de ser uma paróquia jornalística e entrou na modernidade. O Público foi um projeto que, se fosse escrito em inglês, estaria ao nível do New York Times, do Washington Post ou do Guardian.

Para além do fabuloso jornalista que foi, o Vicente era também uma excelente pessoa, profundamente bom, intrinsecamente saudável. Num processo muito conturbado como foi a sua demissão do Público, tendo-lhe eu sucedido, encontrou-se comigo sem qualquer ressentimento para me dar os seus conselhos e fazer alguns avisos. Ao longo dos anos fomos falando e quando fez uma exposição de fotografia em Lisboa, uma das suas paixões, comprei-lhe um quadro com uma lindíssima foto que está à entrada da minha casa. É o mar na sua imensidão azul escuro ao lusco-fusco e uma pequeníssima luz bruxuleante no meio de um barco pesqueiro, uma foto tirada da janela de sua casa no Funchal com a máquina pouco sofisticada que utilizava.

Outros dirão muito mais porque sabem bem mais do que eu sobre o Vicente. Para mim ele será sempre o melhor jornalista português e uma pessoa que continuarei a admirar na sua genialidade, mas também na sua pureza e nos seus grãos de loucura, como aquele em que recusou submeter-se aos ditames de Juan Luís Cébrian, do El País, e terminou abruptamente a reunião, dizendo-lhe: «José Luís, são precisos dois para dançar o tango. E eu não quero dançar o tango contigo». Ou quando, no primeiro trabalho que fiz para a Revista, me perguntou aos gritos (era surdo e, por isso, falava muito alto) «mas quem são estes gajos, o Bagão Félix e o Augusto Mateus? Ninguém os conhece!».

Meu querido Vicente, estou em choque. Nunca mais ouvir-te ou rir-me contigo provoca-me uma tristeza do tamanho do mundo e seguramente para todos os que conviveram contigo. Eras um líder carismático mas, ao mesmo tempo, uma excelente pessoa. Olho pela janela e vejo o Tejo transformado em lágrimas. Até sempre, Vicente.

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