Por
João Abel de Freitas,
Economista
04 Janeiro 2022
À Europa urge encontrar uma estratégia energética comum de futuro, na base da ponderação de critérios científicos e delineada um pouco longe da pressão lobista.
Esta, uma designação capturada à indústria. Um período que não resistiu euforicamente muito tempo. Talvez na energia nuclear tal não suceda. O sector da energia, em termos de estrutura produtiva, grupos empresariais, organização da fileira, acesso a financiamentos, pouco compara com a indústria, onde tudo é mais variado e pouco homogéneo.
O mundo encontra-se numa encruzilhada energética e está longe de cumprir os objectivos da transição climática, muito por causa do panorama errático da energia.
A energia na origem e dinâmica de diversos processos de desenvolvimento económico, hoje, se não se atalhar a tempo, será causa possível de retrocessos sociais, económicos e ecológicos. “Falta-nos tempo” refere Gordon Dalzell, o ilustre militante ecologista anti-nuclear do Canadá, que se bateu por várias causas com ganhos, agora defensor da energia nuclear. “Certo, há riscos. Mas os riscos serão bem maiores se não se adoptar a nuclear”, afirma.
Salvar o mundo de uma catástrofe climática, sem reduzir drasticamente o consumo dos combustíveis fósseis, não é viável. O COP26 foi, nesse campo, um fracasso tremendo.
O que são os Small Modular Reactors (SMR)?
2. São reactores de pequeno formato, de uma potência entre 10 e 300 MW. Segundo os especialistas, são mais eficazes, tecnologicamente mais avançados, flexíveis e facilmente transportáveis. Por estas características, têm menor impacto nos espaços naturais e na biodiversidade. Permitem a fabricação em série com uma economia de custos significativa.
As centrais nucleares com SMR tornam-se moduláveis com uma flexibilidade que as grandes não permitem. Assim, podem ser accionadas para complementar outras fontes de energia.
Há quem defenda que têm uma segurança mais consistente e, segundo o “Forum Nucléaire”, transcendem a simples produção de electricidade, pois podem “ir mais longe” na descarbonização das sociedades e desempenhar um papel determinante no apoio à economia do hidrogénio. No entanto, não deixam de utilizar o urânio como combustível, à imagem das centrais nucleares tradicionais existentes.
A situação actual
3. Existem 70 projectos no mundo para a construção de SMR.
Alguns já construídos como o HTR-PM na China e uma central flutuante com dois reactores a operar, instalados na Rússia a bordo da barcaça Akademic-Lomonosov. Outros em construção no Canadá, China, EUA, França, Reino Unido e Rússia.
A lista de países com manifestações públicas de adesão a este tipo de energia é longa e cada dia é acrescentada: Argentina, Bulgária, Estónia, Finlândia, Polónia, República Checa, Roménia.
Por outro lado, alguns países que tinham interditado a construção de novas centrais nucleares estão a reconsiderar, caso da Holanda e Austrália. Até a Bélgica, que nem há 15 dias vincou de novo a desactivação das suas centrais nucleares tradicionais até 2025, está a investigar o rumo a tomar quanto a SMR.
Parece estar na forja um movimento de alguma euforia face a este novo reactor que, em teoria, oferece condições operacionais mais avançadas e muito ajustáveis, por exemplo, a regiões isoladas como as ilhas ou de difícil acessibilidade.
4. Por outro lado, as renováveis eólicas e solar continuam a não responder em pleno.
Uma das muitas causas do aumento recente dos preços da electricidade na Europa, não sendo a maior, mas sendo relevante, é a intermitência da sua produção. No campo das eólicas, por exemplo, o vento no mar do Norte tem sido muito problemático nestes últimos tempos. Outra área menos conhecida é a elevada taxa de inoperacionalidade de uma central eólica que não funciona com vento fraco nem com vento forte (acima de 90Kms/h). Neste último caso, as centrais têm dispositivos próprios de paralisação sob pena de graves danos nas instalações.
Os especialistas criaram um indicador, designado de factor de carga, para medir a produção real ao longo de um período determinado (ano normalmente). Este indicador é um rácio entre a energia que produz e a que teria produzido se o vento fosse constante.
Na Europa, a utilização da capacidade instalada anda, em média, à volta de 20%. Na fotovoltaica (sol) é ainda menor, 15%. Este indicador aplicado à electricidade nuclear varia entre 75 e 80% em período equivalente.
Compensação das intermitências
5. As centrais nucleares tradicionais não entram, pelas suas características, na compensação das intermitências.
As centrais à base de SMR, porque moduláveis, podem ser planeadas para se articularem com outras fontes de energia. Até à data, a compensação das intermitências é feita mediante recurso às fontes energéticas de origem fóssil, contrariando assim os objectivos da transição climática.
Também está demonstrado que o consumo de electricidade em aumento, de que o mundo precisa para se desenvolver, não será satisfeito só com renováveis e, se nos períodos de compensação das intermitências for necessário continuar a recorrer a energias de origem fóssil, isso equivalerá a caminhar em sentido inverso ao da correcção climática (mais CO2).
Por outro lado, cada energia renovável no seu conjunto, ou seja, ao longo da fileira, não é assim tão limpa ou tão verde como se diz. Nas eólicas, por exemplo, temos os graves problemas com a extracção das terras raras, usadas e determinantes na produção da energia eólica, para além dos materiais compósitos dos aerogeradores que não são recicláveis como as misturas de fibras de carbono, de resinas de poliéster, de fibras de vidro. Outros problemas se levantam com o solar e até com as hídricas.
Assim, nem toda a “pintura” é tão real. Depois, nada disto é isento de lóbis, de interesses económicos que se digladiam nos mercados, na comunicação, nas universidades e nos aparelhos de Estado. De qualquer modo, apresentam mais vantagens que as de origem fóssil na descarbonização.
A Europa num dilema
6. A Europa está num dilema e em pane. Em pane, por escassez de energia, o que pode custar um dos invernos mais rigorosos.
Mas já é tradição. A UE não chegou a acordo para minorar esta situação. E resolver o problema de fundo quão difícil vai ser o caminho a percorrer! No dilema, entram os lóbis, os das renováveis e os da nuclear, com a Alemanha e a França em disputa.
A energia nuclear, no entanto, fez grandes progressos em termos de segurança, a questão-chave, e procura a designação de energia limpa. À Europa urge encontrar uma estratégia energética comum de futuro, na base da ponderação de critérios científicos e delineada um pouco longe da pressão lobista.
O Canadá, uma sociedade já muito descarbonizada (60% de hidro-electricidade, um pouco menos de 20% de origem fóssil, 7% de renováveis, 15% de nuclear) apostou na energia de origem nuclear na base dos SMR, com muito apoio da população e dos investidores, para prosseguir as suas necessidades futuras. Os EUA, com uma estrutura produtiva bem diferente, também vão apostar na nuclear para certos fins e nas renováveis (solar).
Dois exemplos de inspiração? Que a União Europeia não arraste indefinidamente tão importante questão! Muita pedra vai ser preciso partir até pela influência de lóbis, com algumas ONG de peso pelo meio.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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