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quarta-feira, 8 de junho de 2022

Açores e Madeira na senda de Charles Darwin


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06 Junho 2022


Em 1996, mais de um século depois, a Igreja acaba por admitir que a Teoria da Evolução de Darwin não era incompatível com a “fé cristã”. A curiosidade orientada é, pois, uma grande ferramenta e virtude de procura do conhecimento.



1. A demografia, entendida como os movimentos de aumento ou de redução da população e dos fluxos inter-grupos da espécie humana, é considerada por alguns estudiosos como uma das quatro forças globais e motoras que têm vindo, a ritmos diferentes, a moldar o planeta Terra, ao longo dos muitos milhares de anos da sua existência.

As outras três forças são a procura de recursos, a globalização e as alterações climáticas, todas elas assumidas numa perspectiva dinâmica de conceito e de visão, em que as mudanças tecnológicas desempenham um papel de charneira e alavanca. São forças-chave que vão continuar a marcar o futuro da Humanidade.

Há quem adicione as tecnologias como uma quinta força, porque interage intrínseca e activamente com todas as demais, as impulsiona e, por vezes, faz alterar o patamar e a dinâmica no interior de cada força global e na relação entre elas.

O conceito de demografia é, aliás, abrangente. Para além do seu uso na análise da dinâmica da população humana, pode ser utilizada em outros domínios como nas espécies vivas e até na vida (demografia) das empresas de um país, de uma região ou de um sector. Em tudo quanto nasce e morre.

2. As dinâmicas demográficas da espécie humana colocam-nos uma série de interrogações e reflexões não resolvidas em grande parte ou, sendo mais preciso, levam-nos a temas alvos de grande controvérsia, uns que se arrastam desde sempre e a que a ciência continua a tentar dar resposta e a outros novos como o do crescimento.

Será que algures no tempo vai dar-se uma inflexão ou, utilizando uma linguagem muito conhecida destes anos de Covid-19, será que a população humana vai entrar em planalto deslizante? Tema este, aliás, importante pois fez aparecer o malthusianismo com Thomas Malthus com quem Darwin se cruzou na fundamentação da sua Teoria e outros mais recentes como Paul Elrlich, biólogo da Stanford University, os dos excessos da população mundial a preconizar que “centenas de milhões de pessoas iam morrer de fome”.


Mas o Quando, o Onde surgiu o ser humano e o Como são áreas bem aliciantes. E o Como é aquela que nos atrai de momento, porque tem directa e indirectamente a ver ou se prende com esta ligação aos Açores e à Madeira.

Charles Darwin

3. A existência do ser humano à face do planeta Terra foi, durante longos anos, rodeada de um grande obscurantismo. A ciência dedicou-lhe pouca atenção ou então não teve condições para melhor. Apenas nos documentos de pendor religioso, com ênfase para a Bíblia, se davam respostas a este enigma e numa linguagem que é uma espécie de união entre o simbolismo e a metáfora.

A ciência pouco tinha avançado até 24 de Novembro de 1859, quando Darwin aparece com o seu livro “Sobre a Origem das Espécies através da selecção natural”, mais conhecido e editado, em vários idiomas, simplesmente com o título, “A Origem das Espécies”.

Após 20 anos de aturada investigação, com cinco de visitas pelo mundo para testar pela observação in loco certas hipóteses de trabalho, Darwin veio baralhar a sociedade mundial pacificada e ancorada na criação divina da criatura humana. Numa palavra, deu um golpe radical na “ordem mundial divina”.

Darwin hesitou muito na publicação do trabalho, certamente, porque temia a reacção social e científica dos seus pares e da sociedade.

Com este livro veio demonstrar a tese das sucessivas modificações gradativas das espécies humanas, ou seja, a possibilidade do surgimento de novas espécies, através da selecção natural (a imposição da lei do mais forte) ou, se quisermos de outra forma, os seres vivos superiores desenvolvem-se a partir de formas menores, desta maneira validando o aparecimento dos seres humanos pela via natural evolutiva (Teoria da Evolução) e não pela criação divina.

Darwin, ao pôr em causa, com esta sua tese científica, a versão da criação divina da Igreja, torna-se o cientista mais “odiado” do mundo. A sua Teoria da Evolução sofre grande oposição por muito tempo e assim continuará. Refira-se, no entanto, que as estruturas supremas da Igreja foram um pouco mais comedidas, pois já tinham um precedente com a história “do sol em volta da terra” em que tiveram de recuar, após uma acirrada perseguição aos que discordavam da posição da Igreja.


Finalmente, em 1996, mais de um século depois, a Igreja acaba por admitir que a Teoria da Evolução de Darwin não era incompatível com a “fé cristã”.

Darwin e os Açores

A propósito de Darwin, refira-se que Francisco de Arruda Furtado, um jovem natural dos Açores, então com 26 anos, entra em contacto com o cientista inglês que lhe responde.

Furtado, um apaixonado pela história natural desde muito novo, tornou-se colaborador de Carlos Machado contribuindo para a fundação do Museu de Ponta Delgada, incluindo-se, assim, no grupo de naturalistas açorianos. Morreu cedo, com 33 anos apenas, tendo ainda trabalhado no Museu de Lisboa, para onde se transferiu em 1885, a organizar colecções e descrição de espécies.

Há uma obra recente em forma de peça de teatro – “O Português que se Correspondeu com Darwin”, de Paulo Renato Trincão, que se debruça sobre este caso e que no Prefácio diz: “O teatro é uma bela maneira de fazer cultura científica, uma bela maneira de, através da arte, levar a ciência – neste caso, a história da ciência – ao grande público, mostrando quais são e como são os seus processos e caminhos”.

Darwin e a Madeira

A obra foi levada à cena no Funchal pela Companhia Contigo Teatro em 2009 (meses de Novembro/Dezembro), no contexto da comemoração do ano internacional de Darwin, sabendo que a 24 de Novembro desse mesmo ano, se comemoravam 150 anos da publicação de “A Origem das Espécies”. Como se lê num documento da Contigo Teatro: “Este texto, de natureza didáctica, pretende não só divulgar a obra de Darwin e alguns conhecimentos científicos, mas também dar a conhecer um português, Francisco de Arruda Furtado (curiosamente oriundo também de um arquipélago, o dos Açores) que se correspondeu com o célebre naturalista”. E prossegue:

“Uma vez que também fazemos parte de uma ilha, cuja fauna e flora são mundialmente reconhecidas pelas suas especificidades e riqueza, este espectáculo assume ainda maior relevância. Não esqueçamos que a ilha da Madeira foi, na verdade, a ilha mais citada na referida obra de Darwin”.

Interessantes estas coincidências e fecho o artigo com uma outra passagem do Prefácio: “Se Darwin é hoje bastante divulgado, Francisco de Arruda Furtado não será suficientemente conhecido dos portugueses. Ele, que foi uma excepção à regra do atraso científico, merece sê-lo, em particular dos jovens interessados pela ciência. Tal como ele, embora longe da ciência, quem for suficientemente curioso, esteja onde estiver, poderá aproximar-se dela, pois tem-na ao seu alcance”. A curiosidade orientada, uma grande ferramenta e virtude de procura do conhecimento.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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