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segunda-feira, 13 de junho de 2022

A guerra na Ucrânia marca o fim do século americano


Por
estatuadesal
Mike Whitney, in UNZ, 
07/06/2022, Trad. Estátua de Sal




"A ferocidade do confronto na Ucrânia mostra que estamos a falar de muito mais do que do destino do regime de Kiev. A arquitetura de toda a ordem mundial está em jogo. (Sergei Naryshkin, Diretor de Inteligência Estrangeira).


Eis o pensamento do dia sobre a "moeda de reserva": cada dólar americano é um cheque passado sobre uma conta com um saldo negativo de 30 triliões de dólares.

É isso mesmo. A "plena fé e crédito" no Tesouro dos EUA é, em grande parte, um mito mantido por um quadro institucional que repousa sobre fundações de areia. Na verdade, o dólar não vale o papel em que é impresso; é um IOU (isto é uma promessa de pagamento, "I Owe You") a lutar num mar de tinta vermelha. A única coisa que impede o dólar de desaparecer no éter é a confiança das pessoas ingénuas que continuam a aceitá-lo como moeda legal.

Mas porque é que as pessoas mantêm a fé no dólar quando as suas falhas são do conhecimento geral? Afinal, os 30 triliões de dólares da dívida nacional americana não é segredo, nem os 9 triliões de dólares adicionais acumulados no balanço do FED. É uma dívida furtiva que o povo americano desconhece completamente, mas pela qual é, no entanto, responsável.

Para responder a esta pergunta, precisamos de ver como o sistema capitalista funciona realmente e como o dólar é apoiado pelas muitas instituições que foram criadas após a Segunda Guerra Mundial. Estas instituições gerem o ambiente necessário para a fraude mais longa e mais flagrante da história - a troca de bens manufaturados valiosos, matérias-primas e trabalho árduo por pedaços de papel verde impressos com presidentes mortos. Só podemos maravilhar-nos com a genialidade das elites que inventaram este esquema e depois o impuseram às massas sem um grito de protesto. Naturalmente, o sistema é acompanhado por vários mecanismos de aplicação que eliminam rapidamente qualquer pessoa que tente libertar-se do dólar ou criar outro sistema. (Lembro-me logo de Saddam Hussein e de Muammar Gaddafi). Mas o facto é que - para além do quadro institucional e do extermínio implacável dos opositores ao dólar - não há razão para a humanidade permanecer apegada a uma moeda que está enterrada sob uma montanha de dívida e cujo valor real é praticamente desconhecido.

Mas nem sempre foi assim. Houve uma época em que o dólar era a moeda mais forte do mundo e merecia o seu lugar no topo. Após a Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos eram "o dono da maior parte do ouro do mundo". É por isso que uma delegação internacional "decidiu que as moedas do mundo já não estariam ligadas ao ouro, mas poderiam estar ligadas ao dólar americano", porque o dólar americano estava, ele próprio, ligado ao ouro. Sobre o tema, eis um artigo da Investopedia:

"O acordo ficou conhecido como o Acordo de Bretton Woods. Estabeleceu a autoridade dos bancos centrais para manter taxas de câmbio fixas entre as suas moedas e o dólar. Em troca, os Estados Unidos comprariam de volta os dólares americanos, pagando em ouro.

O dólar americano foi oficialmente adotado como a moeda de reserva mundial e foi apoiado pelas maiores reservas mundiais de ouro devido ao Acordo de Bretton Woods. Em vez de reservas de ouro, os outros países passaram a acumular reservas em dólares americanos. Precisando de um local para guardar os seus dólares, os países começaram a comprar títulos do Tesouro americano, que viam como uma reserva de dinheiro segura.

A procura de títulos do Tesouro, juntamente com os gastos deficitários necessários para financiar a Guerra do Vietname e os programas internos da Grande Sociedade, levaram os EUA a inundar o mercado com papel-moeda...

Tal foi a procura de ouro que o Presidente Richard Nixon foi forçado a intervir e desvincular o dólar do ouro, criando-se o sistema de às taxas de câmbio flutuantes que existe hoje. E embora tenha havido períodos de estagflação, definidos como inflação elevada e desemprego elevado, o dólar americano tem permanecido a moeda de reserva mundial." (Ver aqui o artigo original da Investopedia).

Mas hoje, o ouro desapareceu e o que resta é uma pilha fumegante de dívidas. Então, como é que o dólar conseguiu manter o seu estatuto de moeda proeminente do mundo?

Os apoiantes do sistema do dólar dirão que tal tem algo a ver com "o tamanho e a força da economia dos EUA e o domínio dos mercados financeiros". Mas isto é um disparate.

A verdade é que o estatuto de moeda de reserva não tem nada a ver com o "tamanho e força" da economia americana pós-industrial, orientada para os serviços, impulsionada por bolhas, com traços merdosos de economia do terceiro mundo. Também não tem nada a ver com a suposta segurança dos títulos do Tesouro dos EUA que – ao lado do dólar – são o maior esquema de Ponzi de todos os tempos.

A verdadeira razão pela qual o dólar continuou a ser a principal moeda mundial é a cartelização dos bancos centrais. Os bancos centrais ocidentais são um monopólio, de facto, dirigido por uma pequena cabala de corredores de fundo que coordenam e conluiam a política monetária a fim de preservar o seu domínio maníaco sobre os mercados financeiros e a economia mundial. É uma Máfia Monetária e, como George Carlin disse: "Tu e eu não fazemos parte dela. Tu e eu não estamos no clube grande. Em resumo: É a manipulação implacável das taxas de juro, previsões e flexibilização quantitativa (QE) que tem mantido o dólar no seu alto mas imerecido pedestal.


Mas tudo isso está prestes a mudar, inteiramente devido à política externa imprudente de Biden, que está a forçar os principais atores da economia global a criarem o seu próprio sistema rival. Esta é uma verdadeira tragédia para o Ocidente, que beneficiou de um século de extração ininterrupta de riqueza do mundo em desenvolvimento. Agora, devido às sanções económicas impostas à Rússia, está a surgir uma ordem inteiramente nova em que o dólar será substituído por moedas nacionais (tratadas por um sistema de liquidação financeira independente) em acordos comerciais bilaterais, até ao final deste ano, quando a Rússia lançar uma moeda apoiada por mercadorias para utilização pelos seus parceiros comerciais na Ásia e África. O roubo em Abril das reservas da Rússia no estrangeiro deu início ao atual processo, que foi ainda mais acelerado pelo banimento da Rússia nos mercados internacionais. Em suma, as sanções e boicotes económicos dos EUA expandiram a zona não-dólar em várias ordens de magnitude e forçaram a criação de uma nova ordem monetária.

Quão estúpido não é tudo isto? Durante décadas, os Estados Unidos têm gerido um esquema em que trocam a sua moeda de embrulhar peixe por coisas de valor real (petróleo, bens manufaturados e mão-de-obra). Mas agora a trupe de Biden abandonou completamente este sistema e dividiu o mundo em diferentes campos.

Mas porquê? Para castigar a Rússia, certo? Sim, é isso mesmo.

Mas se for esse o caso, não deveríamos tentar descobrir se as sanções realmente funcionam, antes de mudarmos imprudentemente o sistema?

É demasiado tarde para isso. A guerra contra a Rússia já começou e os primeiros resultados já estão a ser sentidos. Basta olhar para a forma como destruímos a moeda russa, o rublo. É chocante! De acordo com um artigo da CBS:

"O rublo russo é a moeda com melhor desempenho do mundo este ano"...

Dois meses após o valor do rublo ter caído para menos de um cêntimo de dólar, devido às sanções económicas mais rápidas e mais severas da história moderna, a moeda russa registou uma recuperação espantosa. O rublo saltou 40% em relação ao dólar desde Janeiro.

Normalmente, um país que enfrenta sanções internacionais e um grande conflito militar vê os investidores a fugir e o capital sair constantemente, provocando a queda da sua moeda...

A resiliência do rublo significa que a Rússia está parcialmente protegida das sanções económicas punitivas impostas pelas nações ocidentais após a sua invasão da Ucrânia... " (Ver o artigo da CBS NEWS aqui).

O quê? Quer dizer que o ataque ao rublo afinal não resultou de todo?

Parece que não. Mas isso não significa que as sanções sejam um fracasso. Oh, não. Basta olhar para o efeito que tiveram sobre os produtos russos. As receitas de exportação estão a cair, certo? Aqui está mais informação da CBS:

"Os preços das mercadorias estão muito elevados neste momento, e embora os volumes de exportação russos tenham caído devido a embargos e sanções, o aumento dos preços das mercadorias está mais do que a compensar estes declínios", disse Tatiana Orlova, economista sénior de mercados emergentes da Oxford Economics.

A Rússia ganha quase 20 mil milhões de dólares por mês com as suas exportações de energia. Desde o final de Março, muitos compradores estrangeiros têm cumprido a exigência de pagar a energia em rublos, aumentando o valor dessa moeda" (Ver o artigo da CBS NEWS aqui).

Está a brincar comigo? Quer dizer que o rublo está a subir e Putin está a ganhar mais dinheiro do que nunca em matérias-primas?

Sim, e o mesmo se aplica ao excedente comercial da Rússia. Veja este extrato de um artigo no The Economist:

"As exportações da Rússia... aguentaram-se surpreendentemente bem, incluindo as exportações para o Ocidente. As sanções não estão a impedir que as vendas de petróleo e gás para a maior parte do mundo continuem ininterruptamente. E a subida dos preços da energia aumentou ainda mais as receitas.

Como resultado, os analistas esperam que o excedente comercial da Rússia atinja níveis recorde nos próximos meses. O Instituto de Finanças Internacionais estima que até 2022 o excedente da balança corrente, que inclui comércio e alguns fluxos financeiros, poderá atingir 250 mil milhões de dólares (15% do PIB do ano passado), mais do dobro dos 120 mil milhões de dólares registados em 2021. Vistesen diz ser dececionante que as sanções tenham aumentado o excedente comercial da Rússia, e assim ajudado a financiar a guerra. A Ribakova acredita que a eficácia das sanções financeiras pode ter atingido os seus limites. A decisão de reforçar ainda mais as sanções comerciais deve surgir em breve.

Mas estas medidas podem levar tempo a entrar em vigor. Mesmo que a UE implemente a sua proposta de proibição do petróleo russo, o embargo será implementado tão lentamente que as importações de petróleo da UE da Rússia cairão apenas 19% este ano, de acordo com Liam Peach da consultoria Capital Economics. O impacto total das sanções só será sentido no início de 2023, altura em que o Sr. Putin terá acumulado milhares de milhões de dólares em receitas para financiar a sua guerra." (Ver artigo do The Economist aqui).

Deixe-me ver se percebi bem: as sanções prejudicam realmente os EUA e ajudam a Rússia, por isso os peritos pensam que devemos impor mais sanções? É isso?

Exatamente. Agora que alvejámos um dos pés, os peritos pensam que seria sensato alvejar também o outro.

Serei eu o único a ser atingido pela loucura desta política? Veja este excerto de um artigo de RT:

"A Rússia pode ganhar um rendimento recorde de 100 mil milhões de dólares em vendas de gás a países europeus em 2022 devido ao aumento dos preços da energia, informou esta semana o jornal francês Les Echos, citando analistas do Citibank.

De acordo com o jornal, as receitas projetadas das vendas de gás serão quase duas vezes mais elevadas do que no ano passado. A análise não tem em conta os lucros da venda de outras mercadorias, tais como petróleo, carvão e outros minerais.

Les Echos relata que, apesar das sanções e advertências de um embargo abrangente à energia russa, os 27 países da UE continuam a enviar cerca de US$ 200 milhões por dia para a Gazprom". (Artigo da RT aqui. Mas não deve ver devido à censura à RT).

Assim, as receitas das vendas de gás e petróleo estão literalmente inundando os cofres de Moscovo como nunca antes houvera sucedido. Enquanto isso, os preços da energia na UE e nos Estados Unidos dispararam para os máximos de 40 anos.

Você pode ver como esta política é contraproducente?

A UE está a afundar-se numa recessão, as linhas de abastecimento foram gravemente perturbadas, a escassez de alimentos está a aparecer regularmente, e os preços do gás e do petróleo dispararam. Qualquer que seja o prisma de análise as sanções não só falharam, como também tiveram um efeito contrário espetacular. Será que a gente de Biden não vê os danos que está a causar? Estarão completamente fora do contacto com a realidade?

Imagine os ucranianos usando a nova bateria de artilharia de Biden (HIMARS) para bombardear cidades na Rússia? E depois o quê?

Depois Putin tira as luvas e corta imediatamente o fluxo de hidrocarbonetos para a Europa. Isto é o que acontecerá se Washington continuar a escalar. Podemos ter a certeza disso. Se a "operação militar especial" da Rússia se transformar subitamente numa guerra, as luzes por toda a Europa apagar-se-ão, as casas começarão a congelar, as fábricas ficarão em silêncio, e o continente deslizará de cabeça para uma depressão prolongada e dolorosa.

Alguém em Washington está a pensar nestas coisas, ou estão todos tão bêbados com os seus próprios recortes de notícias que perderam completamente o contacto com a realidade?

Aqui está mais de um artigo de RT:

"Enquanto o Ocidente coletivo continua a insistir - contra toda a realidade observável - que o conflito na Ucrânia está a correr bem para Kiev, os principais meios de comunicação social sentem-se cada vez mais desconfortáveis com a situação na frente económica. Cada vez mais observadores estão a admitir que os embargos impostos pelos EUA e seus aliados não estão a esmagar a economia russa, como inicialmente previsto, mas sim a sua própria economia.

"A Rússia está a ganhar a guerra económica", disse Larry Elliott, editor de economia do Guardian, na quinta-feira. "Já passaram três meses desde que o Ocidente lançou a sua guerra económica contra a Rússia, e não está a decorrer como planeado. Pelo contrário, as coisas estão mesmo a correr muito mal", escreveu ele...

Num ensaio publicado a 30 de Maio, o colunista do Guardian Simon Jenkins também disse que o embargo tinha falhado...

Como Jenkins salienta, as sanções aumentaram efetivamente o preço das exportações russas como o petróleo e os cereais - tornando Moscovo mais rico e não mais pobre, deixando os europeus com falta de gás e os africanos com falta de alimentos." (Artigo da RT aqui que não se deve ver devido à censura)

Compreendeu a parte em que se diz que "a Rússia está a ganhar a guerra económica"? O que pensa que isto significa em termos práticos?

Significa que a tentativa mal sucedida de Washington de manter a sua hegemonia global, "enfraquecendo" a Rússia, está de facto a exercer uma enorme pressão sobre a Aliança Transatlântica e a NATO, o que desencadeará uma recalibração das relações que levará a uma rejeição desafiante do "sistema baseado em regras".

É isto que significa? Irá a Europa separar-se de Washington e deixar a América afundar-se sob o seu oceano de 30 triliões de dólares de tinta vermelha?

Sim, é exatamente o que isso significa.

Os proponentes da guerra por procuração de Washington não têm ideia da magnitude do seu erro ou dos danos que estão a infligir ao seu próprio país. O desastre ucraniano é o culminar de 30 anos de intervenções sangrentas que nos trouxeram a um ponto de viragem em que o destino da nação está prestes a piorar. À medida que a zona do dólar encolher, o nível de vida diminuirá, o desemprego aumentará e a economia cairá em espiral.

Washington subestimou grosseiramente a sua vulnerabilidade a um retrocesso geopolítico catastrófico que está prestes a levar o novo século americano para um fim rápido e agonizante.

Um líder sábio faria tudo o que estivesse ao seu alcance para nos livrar desta confusão.

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