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quinta-feira, 9 de março de 2023

Pobreza, Inteligência Artificial, Comissões de Inquérito e Estudos de Opinião

 

Faz parte de uma certa paródia regional, eu sei, e daí, não é meu espanto, mas talvez uma certa perplexidade de como alguns conseguem levar de mansinho a água ao seu moinho. Durante anos a fio. O problema está em saber até quando e quais as sequelas sociais. Pelo que assisto, o coma é tão profundo que tudo passa como a água nas penas dos patos. Nem o "jardinismo", como todas as suas diatribes, com a paulatina "compra" e imposição de silêncios, as dívidas escondidas, as subtis ou descaradas perseguições, os alegados enriquecimentos rápidos e talvez mal explicados, porque dá jeito, a quase "institucionalização" de uma perversa economia paralela, a paciente montagem de redes e de compromissos, a muitos dizendo não dizendo, "toma lá, dá cá", o controlo da comunicação social, a multiplicação de instituições e subsídios a granel para contentar clientelas, nem nesse período da longa história, dizia, foi tão longe. Ou talvez hoje os novos dignitários estejam a receber de bandeja os "investimentos" feitos. É uma possibilidade.

Um dia, o Dr. Jardim falou de uma fase mais "raffiné". Pois, a democracia, por isso, é, hoje, um simulacro do que devia ser. O engano dos sentidos fez o seu caminho e agora, a percepção que se tem é a de uma sociedade doente, divorciada dos seus próprios interesses, uma sociedade de múltiplos receios ou medos, acorrentada nas aparências e que, mesmo sofrendo, prefere o conhecido ao desconhecido. Já não se rala. Entretanto, as grandes referências da oposição regional foram desaparecendo: ou porque morreram ou porque assumiram que outros ficassem com o brinquedo! Complementarmente, parece-me evidente que o sistema educativo foi intencionalmente condicionador, ao preferir a liturgia dos manuais programáticos à liberdade de pensamento, da criatividade e da inovação. Em poucos anos a sociedade caiu numa espécie de pântano que impossibilita a consciência de fuga ao lamaçal. Sobrevive. E a Igreja? O que dizer dela? Todos o sabem. Cala-te boca.


Desta minha convicção, sublinho, que muito para mangas daria, nos últimos dias confrontei-me com quatro temas que, não espantando, confirmam, porém, a pasmaceira e a lógica do sistema político. 

Primeiro: POBREZA. Quarenta e sete anos depois de Abril de 1974, pergunto se será necessário um estudo sobre os cerca de 80.000 pobres ou em risco de pobreza? O que fizeram dos sucessivos dados publicados pelos Institutos de Estatística e da análise às políticas de governação regional para o sector? Há uma longa história de debates, com apresentação de dados, na Assembleia Legislativa da Madeira. Basta consultar o Diário das Sessões. Lembro-me, por exemplo, em Julho de 2011 (este é um entre muitos outros momentos), por iniciativa do Dr. Bernardo Martins, ter sido apresentado um projecto que, infelizmente, foi liminarmente chumbado pela maioria PSD. A páginas tantas o projecto referia:

"(...) Considerando que a pobreza não é uma fatalidade, e que compete aos políticos terem a nobre missão da criação de uma sociedade mais coesa e solidária, numa acção que envolve, articuladamente, as dimensões económica, social e cultural;
Considerando que os objectivos do “Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social” continuam válidos e merecem um permanente aprofundamento, tendo em vista, nomeadamente, aumentar a consciencialização cívica e a visibilidade das situações de pobreza, contribuir para a diminuição da exclusão social e mobilizar para este combate a sociedade e todos os níveis de poder, como assembleias, governos e autarquias;
Considerando que “2010 - Ano Europeu de Combate à Pobreza e à Exclusão Social” é “uma missão ainda por concluir, que não se esgotou na mobilização garantida por este Ano Europeu”, como refere o seu Coordenador Nacional, Edmundo Martinho, porquanto “todos podemos fazer a diferença na construção de uma sociedade mais justa e inclusiva”;
Considerando que, pela universalidade do seu sentido, pela justeza da sua razão e pelo seu interesse público, esta evocação deverá realizar-se, independentemente das maiorias parlamentares ou governativas que se constituam em 2012;
A Assembleia Legislativa da Madeira, ao abrigo do disposto no Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira e do Regimento deste Parlamento, resolve:
1 – Designar 2012 como o “Ano Regional de Combate à Pobreza e à Exclusão Social”;
2 – Definir, entre outras, como principais finalidades desta iniciativa as seguintes: proceder a um estudo exaustivo e caracterizador da pobreza e da exclusão social na Região Autónoma da Madeira; reconhecer o direito dos cidadãos em situação de pobreza e exclusão social a viver com dignidade e a intervir na sociedade; sensibilizar as pessoas para o reforço da coesão social; ampliar a acção política da Região na erradicação da pobreza e da exclusão social. (...)"

Passaram-se doze anos após o chumbo deste proposta e eis que, paradoxalmente, os que a chumbaram resolveram realizar um estudo. É espantoso.


Segundo: INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL. Um dos princípios do desenvolvimento é o da transformação graduada. Há uma sequência no tempo que não pode ser ignorada. Da mesma forma que coexistem três perguntas simples que qualquer gestor/administrador da coisa pública (e não só) deve dominar: onde estou, onde quero chegar e que passos tenho de dar para lá chegar. O onde estou equivale ao levantamento exaustivo da situação real, para que daí se possa arquitectar uma situação ideal. Ora, o sistema educativo está de rastos, sendo evidente que esta escola não consegue dar resposta aos desafios de um mundo em constante aceleração. Segundo os estudos é desmotivadora para alunos e professores, apresenta currículos e programas desadequados, submete-se aos ditames de uma administração centralizadora e padronizadora, é rotineira e previsível, porém, quando é este o quadro, alguém vem falar de "inteligência artificial", ignorando o extenso rol de características onde o sistema se encontra. Como é possível ser prospectivo e presumir que se irá atingir a complexidade, quando são queimadas as etapas de um longo processo científico. Houvesse engenho e arte, depois de 47 anos de políticas, podia o sistema experimentar e almejar tal desiderato. Pela via que seguem, não. Tratam-se de umas palavras soltas atiradas ao ar e sem significado. Tal como a história do Brava Valley!


Terceiro: COMISSÕES DE INQUÉRITO. Um festival de palavras e de depoimentos inconsequentes. Apenas fumo. Um ex-Deputado Europeu e, depois, governante regional, falou de "obras inventadas". Foi logo encostado à parede. E o inquérito parlamentar surgiu. Conclusão: "obras inventadas", protecção a um grupo restrito de empresários, pressão destes sobre a governação, enfim, são tudo histórias, essas sim inventadas. Nada ficou nem ficará provado. Mas quando e onde rolaram cabeças na sequência de um qualquer inquérito parlamentar? É tudo mentira, pois o desabafo, certamente, tem a chancela do ressabiamento de quem o proferiu. Até o relator da comissão foi indicado pelo partido maioritário. Curioso, até, que o parceiro de coligação que antes abria a boca e não era nada piedoso, remeteu-se agora a um silêncio sobre a tal "mentira" criada pelo ex-governante. Tudo solenemente abafado. Pois tudo foi realizado com total transparência, rigor técnico, fiscalização sem mácula e absolutíssima lisura de comportamentos éticos e morais. O ex-Deputado irá, certamente, "de castigo" para o quarto escuro da política!


Quarto: ESTUDO DE OPINIÃO/SONDAGEM. Corolário de tudo isto, o povo (?), em sondagem recentemente publicada, atribuiu 50% dos votos ao partido governante, onde se inclui um ínfimo contributo do parceiro de coligação. Significa que está tudo ou quase tudo certo. Portanto, siga a festa...   



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