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terça-feira, 7 de março de 2023

Ocidente contra o resto do Mundo


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06 Março 2023


Macron, à saída do G-20, anunciou uma visita a Pequim dizendo que é “muito bom” a China querer a Paz, marcando assim algum distanciamento face à posição apressada da UE.



Fez há dias um ano que a Federação Russa invadiu a Ucrânia.
Miguel Sousa Tavares no seu artigo do semanário “Expresso”, intitulado “Um ano de estupidez humana” que, com alguma sorte, coincidiu sair no dia 24 de Fevereiro, escreveu: “a continuação da guerra devora economicamente a Europa e num só dia gasta-se 10 vezes mais em armas na Ucrânia do que aquilo que seria necessário para acorrer a oito milhões de sírios que dormem ao relento e morrem de fome e frio, sem auxílios internacionais, depois do terramoto de há três semanas”.

E o grande problema é que não se vislumbram indícios de quando, nem como, esta guerra vai terminar, apesar da China ter apresentado, precisamente a 24 de Fevereiro, um plano para a solução da crise ucraniana, que mereceu logo a desconfiança dos EUA, NATO e União Europeia, enquanto Zelensky mostrou interesse em encontrar-se com Xi Jinping, presidente da China, para aprofundar a proposta, e Macron, à saída do G-20 (25/02/2023), anunciou uma visita a Pequim dizendo que é “muito bom” a China querer a Paz, marcando assim algum distanciamento face à posição apressada da União.

Muitos analistas apontam para uma guerra de longa duração e vários cenários (três pelo menos conhecidos), alguns bem complexos em termos de consequências.

A grande clivagem

Mas será que esta guerra é vista por todos os povos e instituições mundiais da mesma forma, quando se observa todos os dias os políticos do Ocidente (Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia) a falarem de um único cenário: “a paz só é possível com a vitória da Ucrânia e a derrota da Rússia”?!

Desde o início da guerra e, designadamente, desde as sanções económicas do Ocidente contra a Rússia (já vai no 10º pacote), e de uma elevada pressão para que fossem cumpridas, assistiu-se no mundo empresarial a uma grande brecha Ocidente-resto do Mundo, na medida em que os grupos económicos não ocidentais não pactuaram com as sanções e até um ou outro grupo económico do Ocidente, aqui e ali, apesar dos apelos dos seus governos e sobretudo dos órgãos directivos da União Europeia (UE), resistiu aos boicotes preconizados.

Esta forma de agir contém uma noção implícita de que o meio empresarial não ocidental encara a guerra da Ucrânia como genuinamente europeia e, como tal, não emparceira nela. Também muitos políticos, ex-políticos e órgãos de informação diversos, alguns de países do Ocidente, como o “Washington Post”, veiculam esta postura dos empresários e de correntes de opinião.

Aliás, vários políticos, designadamente da Ásia e de África e mesmo da América Latina, pelo menos a nível pessoal, vão um pouco mais longe, afirmando que não é esta guerra a origem de consequências internacionais como o aumento generalizado de preços, mas as sanções económicas que, de uma forma geral, rejeitam e consideram nocivas ao funcionamento das economias.

Ainda há poucos dias, em Bangalore, o G-20 presidido pela Índia terminou sem comunicado conjunto, por não se ter entendido sobre a guerra na Ucrânia.

O pulsar da sociedade civil

A nível da sociedade civil, um estudo recente, “United West, divided from the rest: Global opinion one year into Russian’s War on Ukraine, 27 February 2023”, promovido pelo European Council on Foreign Relations (ECFR) em conjunto com a Universidade de Oxford, marca bem a clivagem profunda, ou, se quisermos, o fosso na visão da guerra entre o Ocidente e o resto do Mundo, de que se sintetizam três pontos no tocante ao acabar com a guerra (a paz), as razões que movem a Europa e os EUA na presente guerra e as ambições futuras na cena mundial. Embora se deva relativizar sempre as análises, as opiniões entre estes dois mundos são como o azeite e a água.

O estudo baseia-se em 19.765 respostas de 15 países em que nove são da União Europeia (UE9), entre eles Portugal, e ainda Reino Unido, Estados Unidos (9,3% da população mundial) e China, Índia, Turquia e Rússia (41%).

Como antes se referiu, os povos destes 11 países do Ocidente estão maioritariamente na linha de que esta guerra deve ter como desfecho a vitória da Ucrânia, enquanto os povos dos outros quatro países pretendem que a guerra termine “o mais rápido possível”, mesmo que a Ucrânia tenha de ceder territórios à Rússia.

A questão da cedência de territórios pela Ucrânia no contexto descrito colhe, no entanto, 30% das opiniões das pessoas inquiridas na UE9 contra 38%, menos na Grã-Bretanha (22%) e ligeiramente menos nos EUA (21%). Uma distância grande de oito pontos percentuais, sem dúvida, mas uma corrente de opinião de 30% não deixa de ser significativa.

Sobre as razões da UE e EUA apoiarem a Ucrânia, as pessoas inquiridas na Índia, China, Turquia e Rússia respondem que é exclusivamente para o Ocidente defender a sua posição de domínio no Mundo. Esta forma quase absoluta de ver esta questão prende-se com razões históricas.

Existe um sentimento de injustiça nestes países de que estão afastados da participação ou sub-representados em instituições internacionais da ONU como o Banco Mundial, o FMI, etc., apesar da sua grande importância no Mundo, por determinação do Ocidente, pelo que sempre houve movimentos no sentido da luta por uma posição digna na cena internacional, embora com pouco sucesso.

Estes quatro países, e muitos outros, têm uma imagem negativa sobre a democracia no Ocidente. Na China, por exemplo, 77% dos inquiridos entendem que o seu modelo de política é muito superior ao dos EUA e União Europeia. E, na Índia, o pulsar da população é muito semelhante.

Na cena mundial futura, as opiniões dominantes nos quatro países vão no sentido de a ordem liberal dirigida pelos EUA vir a perder muito terreno nos próximos dez anos, na expectativa de o Ocidente não ser mais do que uma potência mundial no meio de várias outras (a multipolaridade), de forma a estabelecer-se um maior equilíbrio de poder entre os vários países.

Ao contrário, no Ocidente, numerosas pessoas pensam e desejam que se caminhe para um mundo bipolar com dois blocos (EUA e China – uma cópia da guerra fria, substituindo a Rússia pela China).

Uma nota ainda sobre a votação na ONU. Dos 193 Estados-membros, votaram 141 a favor da resolução de condenação da Rússia, 32 abstiveram-se, 7 votaram contra e os restantes 13 não votaram.

A imprensa ocidental clamou pela grande condenação da Rússia. Vendo bem, estas conclusões induzem em erro grosseiro, pois os representantes de mais de metade da população mundial (4,112 mil milhões; 51,6%) não manifestaram, com o seu voto, uma posição hostil à Rússia, pois ou se abstiveram ou votaram contra a resolução. A população mundial era, em finais de 2022, segundo dados da ONU, 7,975 mil milhões.

Em síntese, das referências ao estudo e deste relativizar da votação na ONU, o abismo cavado entre o sentimento do Ocidente e do resto do Mundo sobre a guerra da Ucrânia é mesmo profundo e não tende a melhorar, pelo que o caminho para a Paz se torna difícil. Insistência, imaginação e persistência precisam-se para que se abram negociações para o fim da guerra.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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