Adsense

sexta-feira, 24 de março de 2023

A transição energética, um grande imbróglio no seio da UE


Por
20 Março 2023


Foram as hesitações sobre o papel da energia nuclear, nos últimos dois decénios, que levaram a Europa a perder a dianteira em termos tecnológicos e de competências nesta indústria, para EUA, China e Coreia do Sul.




O Acordo de Paris sobre as Alterações Climáticas (2015) constitui a base enquadradora do trabalho a desenvolver, no âmbito da comunidade internacional, tendo em vista a descarbonização das economias, para travar, a longo prazo, o aumento da temperatura média global abaixo dos 2º C, em relação aos níveis pré-industriais.

A transição energética é um dos processos fundamentais de garantir esses objectivos. Transitoriamente, em tempo de grande premência, como parece ser o tempo presente, poder-se-á recorrer às tecnologias de captura de CO2 da atmosfera, para anular em parte a emissão de gases com efeito de estufa (GEE), embora não constitua uma solução de fundo.

O caminho seguro de, a prazo, responder à contenção do aquecimento global, num contexto em que o planeta necessita de continuar a produzir e consumir mais energia por duas ordens de razão – o aumento populacional diferenciado por zonas geográficas, pelo menos até um determinado momento, variável segundo as fontes das previsões demográficas e o desenvolvimento socioeconómico, em todas as zonas, mas em especial nas economias emergentes ou em desenvolvimento, pois como sabemos as desigualdades sociais no Mundo são gritantes – consistirá numa aposta firme e decidida de mudança de matriz energética, porque a existente é demasiado poluente.

Esta transição energética, a operacionalizar num prazo longo, durante o qual a matriz existente continuará a ter presença, embora com abrandamento acentuado de peso no conjunto, significa a evolução da sociedade actual baseada em energias fósseis (carvão, petróleo, gás natural) para uma outra de matriz de baixo teor de carbono. Não nos podemos esquecer que hoje mais de 80% da energia, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), é ainda de origem fóssil.

Atingir a neutralidade carbónica até 2050 (uma meta acordada) exige, segundo a AIE, um aumento de 60% na produção de electricidade, sem recurso a gás e carvão. Uma meta de extrema dificuldade ou impossível mesmo de atingir, em tão curto prazo de tempo, quando países como a China e a Índia se descartaram desse compromisso. A China comprometeu-se até 2060 e a Índia 2070. E, quando países da União Europeia (UE), devido ao tipo de sanções económicas aplicadas à Rússia, regrediram para a energia do carvão, a de maior teor poluente!

E atenção, para muitos outros países menos desenvolvidos, o problema nem desta forma se coloca. Esses países precisam de energia e sobretudo de electricidade para múltiplos fins (viver e progredir) e as energias fósseis são as mais acessíveis.

Parece que com estas metas e comportamentos contraditórios se aterrou num mundo da utopia, neste caso negativa até porque há utopias com efeitos dinamizadores. A UE, que de algum modo se considera o motor desta transição energética, entrou em pane há um certo tempo e com sintomas de agravamento.

A aliança nuclear europeia

Os países da UE enfrentam profundos desentendimentos entre si, no tocante às fontes energéticas, para operar a mudança de matriz. A França lançou recentemente, no seio da UE, a formação de uma “aliança nuclear”. Alguns analistas chamam-lhe “clube nuclear europeu”.

Este clube ou aliança, que reúne para já onze países (França, Bulgária, Croácia, R. Checa, Hungria, Finlândia, Países Baixos, Roménia, Eslováquia, Eslovénia e Polónia), subscreveu um documento que posiciona o papel da energia nuclear como determinante pelas suas valências da transição energética, documento entregue e discutido com a Comissão Europeia (CE), o que deve ter criado alguns “engulhos”, dado o seu alinhamento com a Alemanha.

Algumas nuances mais sobre este clube. A Bélgica está numa situação de pré-entrada. O primeiro-ministro belga tomou conta do assunto e avançou com contactos para que consiga, no mínimo, o estatuto de observador no grupo. Por outro lado, a Itália e a Suécia estão em vias de adesão.

Esta aliança tem definidos vários tipos de cooperação. Desde logo, fortalecer e aprofundar o trabalho conjunto entre os países que decidiram apostar na nuclear, com a segurança em pano de fundo. Mas outros domínios como o dos novos projectos nucleares com base em tenologias inovadoras, a troca de informação científica, a formação, etc. integram as actividades a desenvolver em conjunto.

Aliás, foram as hesitações sobre o papel da energia nuclear, nos últimos dois decénios que levaram a Europa e, em especial a França, a perder a dianteira em termos tecnológicos e de competências, altamente exigentes nesta indústria, para EUA, China e Coreia do Sul.

Até o Japão que, após Fukushima (2011), tinha decidido abandonar a nuclear, reentra de novo e em força porque concluiu não conseguir cumprir as metas de combate às alterações climáticas, sem o recurso à nuclear e já iniciou a execução de um plano de retoma desta indústria, começando pela dos reactores em paragem.

A Alemanha, com o seu grupo de parceiros anti-nucleares, onde inclui o Luxemburgo e a Áustria e outros, como Portugal, admito que não “com toda a fé”, foi contra a energia nuclear assumir o rótulo “verde” e agora bate-se contra o hidrogénio produzido por esta via poder vir a ser considerado “verde”.

A CE tem andado a ziguezaguear com receios de se opor à Alemanha, que tem determinado a política energética da UE. No entanto, nestes últimos dois anos, fez algumas concessões ambíguas à nuclear, ao integrá-la juntamente com o gás natural (cedência à Alemanha) na “taxonomia verde” europeia e, agora subordina-se de novo às exigências da Alemanha ao apresentar, na terça-feira passada, uma proposta de reforma do mercado da electricidade, que nada resolve, pois nem no elemento fundamental que é a fixação dos preços mexe, porque a Alemanha é contra, antes das eleições europeias de 2024.

A criação da aliança nuclear no seio da UE é um acontecimento marcante. Vai mexer com a política energética na União. Vai minar a prazo o domínio da Alemanha que põe e dispõe as regras neste sector. Vai dar um impulso para colocar a energia nuclear no papel que lhe compete na transição de sistema.

Um avanço sem dúvida. Mas nada ainda garantido. No entanto, o reconhecimento do papel da energia nuclear na transição torna-se fundamental para a soberania da Europa neste domínio.

Outros problemas na política energética europeia de elevada importância esperam debate e propostas de solução. Como resolver as limitações das energias renováveis no que se refere à intermitência na produção e o abastecimento dos metais críticos tão necessários nesta área e noutras, para não se entrar numa outra dependência tipo gás russo?!

É necessário acabar com a guerra entre os países-membros, em todos estes domínios, para se criarem as raízes para a União Europeia entrar e ter voz na nova ordem de política energética que se está a desenhar a nível mundial. É sem dúvida urgente este entendimento, sob pena de perder velocidade de difícil recuperação futura.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.


Sem comentários: