Por
João Abel de Freitas,
Economista
Um entendimento para a tomada de poder com repartição de benesses por todos move a união das direitas portuguesas. É a sua mira.
As grandes corporações partidárias em Bruxelas já estão em aquecimento, visando a preparação das Europeias 2024, cujos resultados serão um instrumento privilegiado no “assalto” às instituições da União Europeia.
As estratégias ao longo do tempo que nos separa das eleições, cerca de um ano, vão sendo ajustadas e dinamizadas segundo os dados do momento. Quem arrancou pela calada com alguma sobriedade foi o PPE, a maior coligação no Parlamento Europeu (PE), onde se encaixam os deputados portugueses eleitos no PE, do PSD e do defunto CDS. Mas, no xadrez político global, subsistem incertezas porque, em Espanha e Polónia, dois países importantes, há eleições em finais de 2023.
Incertezas também decorrem das candidaturas aos cargos de topo da União Europeia – Conselho Europeu, Comissão, Presidência do PE e Alto Representante das Relações Externas – e, ainda, se Ursula von der Leyen reúne apoios para se candidatar ou não a um segundo mandato. O Banco Central Europeu não está em causa, agora, porque o mandato é de oito anos.
Muitas incertezas!
A máquina do PPE arrancou sem grande ruído e já fez obra em articulação com a extrema-direita. O grande objectivo parece ser cortar as amarras mais ou menos informais de algum equilíbrio na distribuição de poder com socialistas e democratas nas estruturas da União.
Manfred Weber, Presidente do PPE, reuniu a 5 de Janeiro último, em Itália, com Georgia Meloni, presidente dos Fratelli d’Italia, partido da extrema-direita no poder e, segundo a comunicação social europeia, estão a procurar estabelecer pontes de cooperação no futuro pós-eleições. Aliás, o pedido de namoro do PPE a Meloni é apelativo, porque Itália é não só o terceiro país mais importante e fundador da UE, como uma colaboração concertada faz pender o poder em favor das direitas.
A extrema-direita também não vai perder a oportunidade na conquista de terreno por uma posição mais folgada, por país e no seio da UE. A primeira aproximação concretadeu-se com o aproveitamento do escândalo do “Qatargate”, que levou à prisão de uma vice-presidente grega do PE, socialista, destituída do cargo.
Nas eleições para a sua substituição, muitos deputados europeus do PPE votaram numa candidatura da extrema-direita em sinal de simpatia pela estratégia em negociação. Nos países europeus, está em marcha uma aproximação entre as duas forças e vários acordos (direita/extrema-direita) têm sido celebrados no sentido de segurar ou levar ao poder governos de direita ou de extrema-direita, como na Itália, uma forma de ir asfixiando a democracia.
A extrema-direita nos países da UE
A situação actual apresenta o seguinte figurino. Países governados pela extrema-direita: Itália (Fratelli d’Italia), Polónia (PiS), Hungria (Orban), sendo a Itália um dos fundadores da União; Países com participação da extrema-direita nos governos (Eslováquia, Letónia e Finlândia ainda em acerto de pormenores); Países com governos de direita apoiados no Parlamento nacional pela extrema-direita: Suécia.
A extrema-direita tem vindo a subir nos países da Europa, pelo menos desde 2015, com a crise dos refugiados, aproveitando o ambiente de grande instabilidade económica e social, um terreno ideal para o seu florescimento e, infelizmente, sem resposta consequente das forças democráticas no bloqueio a esta situação.
A pandemia, a inflação, a guerra da Ucrânia, trouxeram dificuldades acrescidas, mas foi essencialmente a falha de soluções para os problemas concretos dos povos que influenciou a implantação das forças de extrema-direita no terreno.
Em alguns países, como em França, a situação é crítica, com Marine Le Pen (terceira força política actual) à frente nas sondagens, com margens esmagadoras, e a esquerda em desagregação.
As pontes em negociação
A nível do PPE, a grande questão é o estabelecimento das pontes com a extrema-direita. A economia é um tema adquirido. A imigração tende a ser outro. A limitação de liberdades em certos domínios também, embora mais complexa.
Tendo em conta a campanha da extrema-direita italiana nas eleições, com o lema “Deus, Pátria e Família” e temas dominantes como as políticas anti-imigração, a diluição da separação de poderes entre os órgãos de soberania, a restrição de direitos de certas comunidades e minorias como a comunidade LGBTQ+ e as medidas recentes que, no governo italiano, estão a ser tomadas no domínio do Estado Social, a flexibilização dos contratos (aumento da precariedade do emprego), o corte de prestações sociais, facilmente se identificam os contornos dos temas que a extrema-direita oferece para as negociações com a direita tradicional.
A situação portuguesa neste contexto
Muitas têm sido as “declarações de afastamento” entre o PSD e a extrema-direita, recentemente proferidas por Luís Montenegro, que até já inventou umas linhas vermelhas para corresponder a Marcelo Rebelo de Sousa. Torna-se pouco crível que, vindo a tornar-se dominante esta linha de tendência na União Europeia, de tudo fazer para um entendimento com a extrema-direita, direita radical,
direita nacionalista, os partidos portugueses do PPE se afastem dela, tanto mais que, sem entendimentos entre si, a direita portuguesa tradicional dificilmente chegará ao poder, apesar da crise política latente em que o País se encontra mergulhado.
Aliás, o governo PSD nos Açores é bem a marca de que, quando cheira a poder, abatem- se as linhas vermelhas. O governo açoriano é um excelente ícone do entendimento entre as direitas portuguesas e até onde desejam ir.
Poderá dizer-se que o namoro agora é só com a Iniciativa Liberal IL). Até houve um almoço muito apresentado às televisões para mostrar, pelos sorrisos, que estão em franca harmonia para formar governo. Foi um almoço para mostrar a Marcelo que estão a trabalhar. Mas a IL, um tanto quanto abalada pelos abandonos, diferencia-se do Chega sobretudo na área dos costumes, mas bem mais radical quanto ao papel do Estado. Saúde e educação privatizadas, impostos iguais para todos. Estado Mínimo
numa palavra.
E se o lençol for curto? O Chega, que está na reserva (encoberto), será chamado à equipa principal? Sem dúvida. Um entendimento para a tomada de poder com repartição de benesses por todos move a união das direitas portuguesas. É a sua mira. Na crise política existente, Montenegro só não solicitou a dissolução da Assembleia da República porque sente que o PSD perderia de novo as eleições. O PR não dissolveu pelas mesmas razões. E entra numa estratégia de desgaste, o que não é difícil face à péssima gestão que este governo vem a fazer do seu mandato. Os dois protagonistas saíram-se mal, apesar da atitude positiva de rebeldia inesperada de Costa, que pôs a claro a tibieza e as frustrações de Marcelo, que andava abusivamente a pisar o campo dos poderes do Governo. O problema de António Costa é que a sua rebeldia não se apresenta escudada num programa convincente e com equipa capaz para a mudança de gestão que o País precisa. E ninguém me diz que esta falha de perspectivas não vá resultar, a prazo, numa dinâmica de esgotamento dos partidos tradicionais de todas as matrizes, como aliás vem
se estendendo na Europa. Uma nova composição partidária a termo com algum pântano de permeio.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
Sem comentários:
Enviar um comentário