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domingo, 16 de junho de 2024

O conflito que vem a caminho

 

Tenho andado afastado da escrita. Por opção. As pausas são importantes em qualquer actividade. Ler e reflectir, também, andar por aí sem o rigor do memorando diário, torna-se mais relevante do que a tentação de comunicar a todo o momento, no pressuposto que tudo é oportuno e merecedor de opinião. Há verbos indispensáveis: olhar, observar, perceber, cruzar, compreender e interiorizar, entre outros, claro. Há uma idade e um tempo que a isso nos conduz. Enriquece e, provavelmente, corrige-nos e torna-nos melhores, alego eu! Até a bomba relógio que somos, pronta a explodir a qualquer momento, consequência de uma falência, mínima que seja, na saúde, tem o condão de nos transportar, não para o complexo labirinto da vida, mas para o estabelecimento de prioridades e, sobretudo, para a relativização do que se passa na frente dos nossos olhos de actores - espectadores.



E não tem sido pouco o que os meus olhos têm varrido nos últimos tempos. Uma decepção. Tudo parece assentar na mentira embrulhada em papel de celofane, em acontecimentos fabricados e servidos em bandeja engalanada, em jeito de alta cozinha, com produtos de má qualidade, mas artisticamente apresentados pelos chefes da aldeia. É a ausência do sentimento de vergonha e até de culpa. É a "verdade", dita com tez séria, que logo se transforma em rotunda mentira passadas umas horas, em jogos de tabuleiro onde entram peças viciadas na sedução hipócrita. É o desrespeito pela decência, sem pejo algum, percebendo-se o que escondem no armazém dos interesses. São as propostas, ditas abrangentes, colocadas a martelo, divulgadas com uma absurda convicção, que nos conduzem a uma dupla interrogação: afinal, que razões subjazem ao facto de, permanentemente, durante quase cinquenta anos, não terem aceitado como boas as sugestões dos outros parceiros? Ou, então, onde assenta a lógica de todos, agora, em vivência democrática, deverem estar comprometidos com uma única solução? Até o Bispo que devia pautar a sua acção pelo distanciamento, cumprindo a Palavra e "chamando os bois pelo nome", sem pejo algum, diz-se "cansado de eleições". Que experimente a ditadura, digo eu.

Quem está atento, tão distante quanto próximo das realidades, capaz de descobrir artimanhas nas entrelinhas dos processos, capaz, ainda, de produzir sínteses que espelhem e façam perceber o que a generalidade da comunidade, por iliteracias múltiplas ou notórias cumplicidades não o consegue fazer, confronta-se com um quadro deprimente, afrontoso e ultrajante, quando olha para a paisagem. A sensação que neste momento me invade é que tudo isto, em linguagem tecnológica, mais cedo que tarde, dará "erro". Porque não somos liderados por estadistas, os que pensam nas pessoas e no futuro. São, somente, políticos de "feira da bagageira".

Os milhares que hoje aplaudem, diz-nos a História, amanhã poderão estar na frente do combate, agitando as bandeiras do engano e do desespero. De nada valerão as pianolas, as visitas e os discursos inflamados que despejam para os ombros de outros os próprios erros estratégicos. Hoje, fermenta uma sociedade desequilibrada em todos os sectores, espremida entre a profusão do luxo e a pobreza, as instituições e os funcionários de turno que disfarçam múltiplas fomes. A angústia por uma habitação digna face aos valores pornográficos impostos, a secundarização dos direitos constitucionais, a educação de qualidade que rompa com o círculo vicioso da pobreza, o quadro nebuloso do sistema de saúde, tudo isto e muito, muito mais, irá gerar, certamente, a revolta, o colapso da mentira e daquela peregrina ideia de insubstituibilidade. O fosso está, paulatinamente, a ser criado e o conflito a caminho. É natural que isso aconteça. O que lamentarei, obviamente. Tudo podia e devia ser sereno se outra fosse a cultura democrática e o escrupuloso respeito pelos princípios do desenvolvimento.

Não bastassem os sérios dramas das guerras, a inconsistente e tardia resposta aos problemas ambientais, a subserviência a uma União Europeia desnorteada, um Papa que fala e ninguém escuta ou um Secretário-Geral da ONU que poucos respeitam, ainda temos de levar, aos níveis nacional e regional, com chefes que nunca chegarão a líderes. 

Ilustração: Google Imagens.

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