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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Produtores de soja sentem-se traídos


Por
João Abel de Freitas,
Economista

O Brasil, país integrante dos BRICS, tem vindo a trocar o mercado dos EUA por fornecimentos de bens agrícolas à China, que se tornou, assim, o principal parceiro comercial do Brasil, em substituição dos EUA. Um processo que está cada vez mais consolidado.



Donald Trump, ainda antes de se tornar Presidente dos EUA pela segunda vez, já eleito mas ainda sem posse (Janeiro 2025), declarou que o termo mais bonito, que encontrara no “seu” dicionário, era a palavra “tarifas”, isto na sua tão propagandeada “política económica das tarifas” como o seu grande instrumento para revitalizar a indústria e na linha de que todos os países devem pagar um “tributo” à economia dos EUA, porque têm passado o tempo a “explorá-la”, sem reconhecer os “bons serviços” que lhes são prestados, a diversos níveis.

Foi na aplicação em concreto de “palavra tão bonita”, as já tão conhecidas “tarifas aduaneiras”, que Trump tramou o negócio da soja aos agricultores dos EUA, que tinham por várias décadas ajustado as suas terras ao cultivo da soja para exportação.

Quem está a perder muito neste processo intempestivo de decisões à Trump?

Sem dúvida, os produtores de soja dos EUA que, até Setembro de 2025, não exportaram um único Kg deste produto para o mercado da China. Mas Donald Trump não se encontra em bons lençóis porque tem as suas hostes de apoio divididas. Por um lado, grande parte dos agricultores de soja, que sempre deram o voto aos republicanos, exige a renegociação das tarifas com a China. Mas um outro grupo de apoiantes defende a aplicação de tarifas por diversas razões, como a do combate ao consumo da droga Fentanil. Trump embaraçado!

Trump embaraçado porque não encontra saídas para esta situação, e aflito, com a sua imagem em recuo acentuado, a última coisa que deseja.

O produto agrícola de maior exportação

1. Acontece que a soja é tão somente a maior exportação agrícola dos EUA. E Trump com a aplicação impulsiva, impensada e prepotente de tarifas à China (e anunciou que ainda as vai agravar a partir de 1 de Novembro) contribuiu para a perda de mais de metade da exportação deste produto agrícola que, de há vários anos, sempre teve mercado assegurado e na agricultura dos Estados Unidos provocou, desde meados dos anos 90 do século XX, investimentos graúdos na reconversão de terras de cereais e tabaco para o cultivo de soja, cuja sustentabilidade de crescimento era garantida, sem esta intervenção desastrada do Presidente.

E agora os agricultores americanos sentem-se angustiados e traídos. Não vêem no horizonte o que fazer com estas terras, onde certamente não vão produzir soja porque o mercado esgotou-se. Para os produtores o que os espera são as hipotecas e as falências das propriedades rurais, pois ninguém as vai comprar sem perspectivas de rentabilidade e muitos ainda não amortizaram os investimentos realizados. E daí as pressões sobre Trump para renegociar com a China.

2. Esta sustentabilidade tinha fundamento. O consumo de carne de porco e de aves no mercado chinês continua a apresentar margem de crescimento significativa, atendendo aos rendimentos em crescendo da classe média da China, com propensão para o consumo daqueles tipos de carne, sendo que a sua produção requerer o uso de soja.

Vejamos um exemplo. No ano agrícola 2023/24, os EUA realizaram com a exportação de soja 31.2 mil milhões de dólares, sendo 52% para o mercado chinês, 20% para os mercados da UE e os restantes 28% para países diversos Japão, Coreia do Sul, México. Uma elevada concentração nas exportações americanas deste produto! Encontrar colocação de perda de quota tão grande não é possível. A saída é mesmo reduzir a produção de soja.

Trump aplicou uma tarifa de 20% à exportação de soja para o mercado chinês. Em contrapartida, a China respondeu também com a aplicação de taxas generalizadas, mas prescindindo da soja dos EUA e, substituindo-a, quase de imediato, pelo abastecimento em outros mercados, principalmente o Brasil, país integrante dos BRICS que, em grande parte, tem vindo a trocar o mercado dos EUA por fornecimentos de bens agrícolas à China, que se tornou, assim, o principal parceiro comercial do Brasil, em substituição dos EUA, um processo que está cada vez mais a consolidar-se.

Esta situação com a soja só vem aprofundar a situação das relações comerciais e de investimento em progresso entre os dois países BRICS. Tanto assim é que outros investimentos chineses já estão a aportar ao Brasil, neste contexto ligados, designadamente a terminais portuários, com a finalidade de proporcionar melhores condições de embarque e desembarque na troca de produtos e do lado da China, significa a concretização de mais um investimento no contexto do grande plano estratégico no âmbito da Nova Rota da Seda (Road&Belt).

É a cooperação no grupo dos BRICS a desenvolver-se e, ainda a funcionar sem recurso ao dólar, pois os contratos são em moeda dos países e assim preenche e se coaduna com um dos grandes objectivos BRICS: a redução sempre que possível da dependência do dólar dos EUA, o que está a acontecer lentamente por diversos meios e o comércio sem recurso ao dólar (sempre que possível) é um deles.

Duas vezes o mesmo erro

3. Já na sua primeira passagem pela Presidência, Trump havia cometido este erro, taxando a soja. O problema acabou por ser resolvido sob pressão dos produtores que, entretanto, durante algum tempo, usufruíram de subsídios à produção, mas se queixam de não ter recuperado a taxa de exportações total, tendo de facto sofrido uma quebra na ordem dos 20%.

Trump, desta vez, encontra-se em pior situação. As suas hostes estão divididas: os agricultores de soja contra outras camadas de apoiantes. Trump certamente terá que enveredar por subsídios, aliás já admitiu isso, e apoiar investimentos para readaptação da produção agrícola, o que se torna bem difícil a curto prazo. Os agricultores também pressionam Trump a negociar com a China, sendo o sucesso duvidoso, uma vez que já se operou o desvio de mercado para o Brasil.

4. Por outro lado, não é só com a China que Trump está a encontrar dificuldades com a exportação da produção agrícola. Embora em menor escala, com a Índia, a exportação agrícola americana está a enfrentar resistência por causa dos produtos transgénicos, onde a lei indiana é muito rigorosa, admito que por questões religiosas.

A soja é um produto transgénico na ordem dos 90%, segundo os especialistas. Nesta situação, o mercado indiano está vedado por lei e Narendra Modi já respondeu segundo a lei.

As decisões irrefletidas do Presidente só lhe criam problemas e a sua notoriedade que muito preza entrou em quebra, o que o perturba. É preciso saber reagir a Trump como tem feito a China: em tempo, de forma pensada e sem hesitação. Exactamente aquilo que a Europa não sabe ou não quer fazer, tanta a subordinação aos EUA.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Padre José Luís Rodrigues, uma voz livre que aponta o caminho

 

Parabéns, querido Amigo Padre. Parabéns não apenas pelo facto de hoje celebrar, no seio da sua comunidade, 25 anos como Pároco de S. José. Sublinho, não apenas por isso, mas muito mais. Sabe, meu distinto Amigo, esta Igreja de Leão não o merece. A de Francisco, sim! Porque este soube contextualizar a Palavra com a vida real; pelo contrário, Leão não faz sequer jus ao nome, tampouco aos princípios de Assis, quando, nestes cinco meses na cadeira de Pedro, tem vindo a transmitir a ideia de um conservadorismo que amarra. É por isso que lhe digo que esta Igreja não o merece.



Como o compreendo quando há dias escreveu, sobre os seus medos: "medo dos que não distinguem a diferença entre a dignidade e a chafurdice humana (...) medo daqueles que acham que podem vencer até os mortos, quando está determinado, os únicos invencíveis, são precisamente os que já morreram (...) medo de quem vai morrer sem perceber que deve lutar a todo o custo para sobreviver e nunca permitir ser tratado como um animal". Como o compreendo!

Desde há muitos anos que aprecio a sua frontalidade, assente na sua vasta cultura, a sua liberdade de pensamento, a sua tenacidade, a sua capacidade de transmitir o Evangelho não como qualquer coisa repetitiva e oca, mas plena de Vida, apontando caminhos e chamando os bois pelos nomes. Pois, percebo, que há quem não goste, todos os que se sentem incomodados com as suas posições, mesmo quando é público e notório que não confunde nem mistura, a Palavra com posicionamentos político-partidários. O Senhor é um Homem livre que apenas acredita na importância de uma Igreja de valores humanistas.

Faz, por estes dias, dez anos que escrevi um texto sobre o seu apostolado, baseado no que então escreveu: "(...) A Igreja da Madeira devia alto e bom som, proclamar por justiça e denunciar claramente todas as artimanhas que se vão implementando contra as pessoas indefesas. A coragem do Papa Francisco devia ser inspiradora e animar-nos no mesmo Espírito. Há tanta propaganda a promover gente medíocre contra o bem comum que deve ser denunciada. Se estudarmos os 500 anos da Diocese do Funchal na sua vertente sócio-caritativa não encontraremos nada além daquela ideia do pobrezinho a quem se devia dar esmola para salvar a alminha. Nunca existiu nem existe uma prática forte de denúncia das injustiças, uma rede organizada que ajudasse à criação de emprego, que não fosse além da caridadezinha esporádica, porque se «vendia» com redobrado sucesso a ideia que as paróquias não eram lugar de caridades nem muito menos misericórdias. Por um lado, era promovida a caridade da esmola, mas, por outro, alimentava-se a ideia de que os pobres não resultam da disparidade da distribuição dos bens, da desigualdade social, mas são uns malandros que não querem trabalhar, uns preguiçosos que não fazem nada e vivem à conta da boa vontade alheia. (...)"

Dez anos depois continua tudo igual, porventura, pior. Porque a hierarquia não quer, ela exige obediência cega e silêncios, está dependente, retida na sua torre ou sacristia e tem medo do saudável confronto entre a Palavra e a práxis política. Falavam de Francisco, e ainda o citam, mas sem qualquer convicção social. Prefere surfar as ondas do imobilismo, fazendo-se de morto, pregando aquilo que já não pega. A Igreja de Jesus assenta noutros pressupostos. É a Igreja da solidariedade, do amor, da justiça, da fraternidade entre os povos e da irmandade entre as nações. Estas razões, obviamente, deviam implicar determinação, custasse o que custasse e doesse a quem doesse. 

Caríssimo Padre, o Senhor foi muito Amigo do Padre José Martins Júnior. Para si, ele foi sempre uma inspiração. Eu sei. Isso ficou muito claro na comemoração dos 86 anos de vida e, passados uns meses, na Homilia da Missa de corpo presente. A consideração dele por si, também sei, porque tantas vezes me testemunhou, funcionava como um farol de esperança numa Igreja insubmissa, lutadora e atenta aos direitos humanos. Cerca de um mês antes da sua morte, ali para os lados do Santo da Serra, num rotineiro almoço, onde o que valia era o vendaval de pensamentos, disse-me que a Madeira precisava de "mais alguns como o José Luís". Foi nesse encontro, como que sentindo próxima a sua partida, a páginas tantas, molhando o pão no vinho, disse-me de forma pausada e sentida: "quando morrer quero ter uma conversa com Jesus e sua Mãe". Nele existia, claramente, um sufoco por tanta injustiça e tanta maldade. Ele que preferiu sempre o chão à ostentação. 

Tal como Martins Júnior, o Padre José Luís é um insubmisso, é um Homem que escolheu o sítio certo... ao lado do povo. Só que o lado do povo embaraça a hierarquia, logo, eu não diria que os irreverentes sejam proscritos, mas são tolerados e colocados no adro do sofrimento. Que pena tenho da verdadeira Igreja de si não se lembrar para Bispo da Diocese! Teríamos, com toda a certeza, uma Igreja "aberta ao mundo, a este mundo concreto da nossa vida" (JLR), portanto, próxima do Povo. Até porque, na esteira de Martins Júnior "(...) Ninguém pode servir a dois Senhores. Ou se serve a Cristo ou se serve o Poder (...)".

Querido Padre, passaram-se 25 anos. No seu blogue, "O Banquete da Palavra", assume que "gosta muito do que faz". E pergunta: "Ora bem, e o que se há-de esperar de quem é feliz! Assim, o que mais desejo neste mundo é que os outros também sejam muito felizes". Continue feliz, de sorriso largo, atento e obstinado pela divulgação dos princípios e valores que o Evangelho anuncia. Todos precisamos de si.

Um abraço.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Sinais para o mundo da Cimeira25 da SCO


Por
João Abel de Freitas
Economista


Entre as várias mensagens que a cimeira deixou ao mundo, destacamos esta. ‘Estamos, aqui, empenhados em lançar as bases de uma organização mundial diferente. Queremos um mundo onde a Multipolaridade seja o guião estruturante dessa nova ordem’.



A 25ª. Cimeira da SCO – Organização de Cooperação de Xangai (sigla em inglês), realizada em Tianjin/China de 31/08 a 1/09 (2025), não foi abordada, na devida altura, infelizmente, porque aconteceu a tragédia do Elevador da Glória, em Lisboa, que mereceu a prioridade, apesar da muita informação preocupante que continua a ser ocultada, por quem não devia, na tentativa deste período eleitoral passar incólume. Depois, deu-se a revolta da Geração Z no Nepal e o seu tratamento, por pouco se ter falado nos media, em Portugal.

1. A Cimeira25 constituiu o maior encontro de líderes organizado pela SCO até à data. Presença de 20 Chefes de Estado (os 10 Estados fundadores[1] e outros tantos parceiros) com a presença de António Guterres, Secretário-Geral da ONU.

A mais importante, dinâmica e resolutiva Cimeira, desde a sua fundação em 2001, marca um ponto de inflexão importante: gerou-se um espaço onde a convergência e a partilha de valores constituíram o foco principal, que ficou materializado num Manifesto de conteúdo Multipolar, na afirmação da necessidade de reforma das Instituições mundiais ligadas à ONU (linhas próximas da posição defendida pelos BRICS), um pacto de segurança e a definição da cooperação na cultura como um ponto chave. Quase podemos falar na “metamorfose” de uma organização de cooperação regional numa outra de natureza internacional, “não ocidental”.

Esta Cimeira25 emitiu um sinal estratégico ao Mundo que, talvez, se possa sintetizar da seguinte maneira: estamos, aqui, na disposição de questionar e combater as taxas alfandegárias impostas que, em nada, contribuem para o progresso e bem-estar regionais e mundial e nada têm de racionalidade económica. Estamos, aqui, no combate às medidas dos EUA que ferem os interesses das populações de todos os continentes, e vão contra a inteligência. Estamos, aqui, empenhados em lançar as bases de uma organização mundial diferente. Queremos um mundo onde a Multipolaridade seja o guião estruturante dessa nova ordem.

Na verdade, Trump não dita as suas decisões por razões económicas, mas por razões claramente políticas. A título de exemplo, as taxas impostas ao Brasil decorrem de os tribunais brasileiros terem decretado uma pena de prisão a Bolsonaro, amigo de Trump, contra a tentativa fracassada de golpe constitucional ou à India porque não seguiu a vontade de Trump de não comprar petróleo à Rússia mais barato ou ameaças à União Europeia neste mesmo sentido. Este último exemplo merece um comentário. A UE ficou toda a tremer e logo correu a agradar ao chefe. A submissão europeia, apesar de maltratada, é um dado.

Ainda há dias, lia num estudo de um think-tank europeu sobre as relações EUA/UE que o afastamento dos EUA que, aliás, já vem de trás, só agora explicitada sem requintes por Trump, será para continuar com presidentes republicanos ou democratas. Desde há muito se conhece que a União Europeia é tida como parceiro, de segundo nível, para os EUA. A Europa “sabendo” isso, devia ter assumido uma estratégia de autonomia para quebrar “o enredo” em que se deixou cair e agora não consegue dele sair, com inteligência. Anda perdida e quem assim anda, de uma maneira geral, só comete erros graves e não aproveita as janelas que se abrem, por hipótese, fazendo alianças, para responder às taxas de Trump.

Para os EUA o que conta é a Ásia e, mesmo aí, a agir de forma bruta está em perda de terreno no Mundo e, cada vez mais, porque trocar a diplomacia pela força não é um bom caminho.

Pelos meandros da Cimeira Índia - China

2. É de relevar que a reunião entre Narendra Modi e Xi Jinping, durante a Cimeira – depois de 7 anos – tem de ser analisada com bastante mestria. Os dois países pouco se falavam desde as tensões fronteiriças de 2020.

Mas as mudanças a nível planetário e as consequentes incertezas estão a levar as relações entre estes dois países num caminho de aproximação, a indicar para outra realidade mais ajustada às circunstâncias actuais e futuras. Aliás, esta reunião foi preparada previamente por uma visita do ministro dos negócios estrangeiros da China à India, o que revela uma maior atenção das duas partes aos tempos em mudança.

Na reunião que decorreu entre os dois políticos contam os Media que Xi disse a Modi: “A China e a Índia devem ser parceiros e não rivais”. E Modi destacou que, entre os dois países, existe, agora, “um ambiente de paz e estabilidade” e, logo, medidas concretas foram anunciadas como a retoma normal de voos entre Índia e China, suspensos desde 2020. Xi, por seu lado, avançou com a necessidade de as duas nações desenharem uma estratégia de cooperação a longo prazo, reforçando que serem amigos é “a decisão correcta para ambos os lados”. Há informação de que as terras raras também foram assunto alvo da reunião, dados os recursos potenciais da Índia e o domínio da tecnologia chinesa da fileira.

China, Índia e Rússia

3. Vários analistas conhecedores da matéria entendem que estes três países estão a aprofundar as relações de forma eficaz. Até há quem os denomine de “triângulo de potências unidas em desafio”.

Contudo, esses mesmos analistas avançam que, apesar das múltiplas críticas comuns à política externa de Trump, não se poderá dizer que o triângulo constitua uma aliança anti Washington, pois a diplomacia de cada país cultiva um amplo espaço de manobra próprio.

Também neste domínio à margem da Cimeira, foram estabelecidos acordos bilaterais designadamente nas áreas da energia, designadamente o estabelecimento de contratos de longo prazo na compra e analisada a problemática do seu transporte por terra e mar.

Breve resumo

4. Esta Cimeira25 da SCO proclama um modelo futuro para o Mundo, assente na Multipolaridade/Multilateralidade, o que exige alterações substanciais ao nível da ONU e suas Instituições como o FMI, Banco Mundial, apresentando-se estas reformas como uma forma alternativa de governação.

Aliás, vários documentos foram aprovados neste contexto, que vão nesse sentido. Desde logo, a Declaração de Tianjin, a Estratégia de Desenvolvimento da SCO para 2035 e 24 documentos sobre temas diversos como a segurança, cooperação económica, intercâmbios culturais e institucionais.

A orientação e efeitos desta Cimeira certamente não ficaram indiferentes ao Ocidente, aos seus políticos, mas ainda a várias instituições como a Banca, onde se destacam os bancos suíços que dedicaram algumas análises divulgadas em publicações a que estão ligados, como a “Allnews”, realçando o seu impacte em termos de mudanças a nível global.

Cada vez há mais organizações a funcionar que “incomodam” o Ocidente, designadamente porque lhe são autónomas e lhe reduzem o espaço de manobra, não podendo deixar de referir, entre elas, os BRICS, agora denominados de BRICS+, devido à integração recente de novos membros e à sua cada vez maior influência no Mundo.

[1] Os 10 países membros da SCO são: Bielorrússia, Cazaquistão, China, Índia, Irão, Paquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão e Irã.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Do PREC nos Açores e na Madeira

 

Memórias de Abril (3)

Por 
Henrique Sampaio*

Quer no Arquipélago dos Açores quer na Madeira, o período posterior ao 25 de Abril de 1974, é profundamente marcado, por um lado, por movimentações populares visando assegurar direitos e conquistas a que a ditadura do Estado Novo tinha vedado o acesso a diferentes sectores profissionais, e por outro, quase em simultâneo, a tentativas várias por parte dos sectores mais reaccionários de manutenção dos seus privilégios, através designadamente do recurso à ameaça separatista.



Com efeito, ao mesmo tempo que os trabalhadores dos meios urbanos e os camponeses se organizam, transformando os sindicatos corporativos em organismos reivindicativos ou criando associações de classe representativas, instrumentos fundamentais para o desencadear de lutas de âmbito laboral e não só; primeiro nos Açores e posteriormente na Madeira vão surgir movimentos de cariz independentista que nos anos subsequentes se caracterizarão pelo recurso à violência bombista e não só.

Nos Açores, como recorda Carlos Enes, no livro “A violência da FLA quase tomou conta da Ilha”, o designado MAPA (Movimento para a Autodeterminação do Povo Açoriano) “manifestou-se a partir da ilha de São Miguel através de um texto de quatro páginas policopiadas, com a assinatura de uma comissão micaelense em organização e com data de 7 de Maio de 1974”. Um texto onde já transparecia qua a opção independentista poderia vir a estar em cima da mesa, uma vez que o MAPA advertia: “Não tenhamos ilusões: para se pensar como ilhéu é preciso nascer ilhéu e viver-se como ilhéu (…) Não sejamos ingénuos: Possuir ilhas é hoje um luxo a que ninguém se pode dar”.

Enes, natural da ilha Terceira e licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, acrescenta que “tanto neste documento como noutros que se seguiram, vai ficando clara a intenção de afastar as ilhas do processo democrático instaurado no país, abrindo a porta para a dependência dos Estados Unidos da América” – a este propósito, refira-se que Victor Cruz, um dos fundadores do MAPA, era funcionário do consulado americano. De resto, como sublinha Enes “depois da saída do primeiro documento do MAPA, a revista Newsweek publicou um artigo, que foi transcrito pel’A Capital, onde se afirmava que os separatistas haviam pedido auxílio político e financeiro aos EUA”.

Inexistente na Terceira e nas outras ilhas, em Ponta Delgada, no primeiro dia do ano de 1975, o MAPA seria alvo de uma manifestação de protesto que congregou forças de esquerda, a que se seguiram outras acções que conduziram ao encerramento da sua sede, no mês de Março.

Na Madeira, porventura surpreendentemente, quem primeiramente alude a uma hipotética «autodeterminação do Arquipélago» é o MDM (Movimento Democrático da Madeira). Na edição de 15 de Junho de 1974, o “DN” local refere que a Assembleia do referido movimento - cujos principais fundadores foram os drs. Fernando Rebelo e António Loja , futuros, respectivamente, governador civil e presidente da Junta Geral -, “considerando a necessidade de um processo com vista à consecução da autodeterminação (autonomização autêntica ou independência em confederação) do Arquipélago, delibera que seja criada uma comissão para o estudo sobre as reais possibilidades sociais, económicas e políticas do Arquipélago, no sentido da determinação dos limites duma autonomia autêntica do Arquipélago” – entretanto, e ainda antes, a 31/5/74, em reunião, o MDM deliberara que o novo jornal do movimento teria o nome de «Madeira Livre». Uma publicação que não surgiu, mas, como é sabido, anos volvidos, o PPD/Madeira editaria um jornal, precisamente com aquele nome, «Madeira Livre», dirigido pelo seu líder par(a)lamentar, Jaime Ramos (parafraseando o jornalista, Fernando Pessa, «e esta, hein?». MDM que, também, reclamou junto da Comissão Nacional encarregue da elaboração do projecto de Lei Eleitoral que a mesma “preveja a constituição de partidos de defesa regional numa base de autodeterminação”.

MDM que, em 19 de Outubro de 1974, voltaria ao assunto, emitindo um comunicado em que admitia a “independência, pela via da autodeterminação”. Desta feita, instalar-se-ia a polémica entre as diferentes forças políticas, tendo o PS local reagido violentamente, inclusive denunciando que o aludido comunicado fora assinado por “dois estrangeiros” (os signatários não eram naturais da Madeira), enquanto o PPD declarava que poderia também vir a agitar a bandeira da independência: “a mais ampla autonomia ou até a independência são, também, desideratos que o PPD se proporá alcançar se for a solução que melhor satisfaça os verdadeiros interesses de todos os madeirenses” – um outro movimento sem expressão popular, denominado MAIA, que tinha sido entretanto criado, advogava também a independência. Integravam-no, entre outros, os drs. José Maria da Silva, José António Camacho e Crisóstomo de Aguiar que posteriormente adeririam ao PPD, chegando a ocupar funções de relevância, quer parlamentares, quer governativas. Aguiar ficaria particularmente conhecido por ter proposto a criação de uma moeda regional, designada a «pataca».

O mesmo jornal, o “DN” da Madeira, igualmente em Outubro (dia 27), citando a então existente agência de notícias Lusitânia, revelaria que, há cerca de um mês, elementos do movimento «autonomista» açoriano ter-se-ão deslocado, secretamente, à Madeira, mantendo reuniões com os «autonomistas» madeirenses.

Ao contrário do que eventualmente seria expectável, tendo em conta a circunstância de ter sido candidato pela oposição nas eleições de 1969 para a Assembleia Nacional, o mandato de Fernando Rebelo como governador civil seria particularmente contestado por diferentes sectores populares, quer citadinos quer rurais. Uma contestação que decorreu em grande parte, não só da inércia na tomada de decisões que respondessem favoravelmente às reivindicações populares, mas também das escolhas a que procedeu para lugares nas autarquias locais. Neste aspecto, sobressaíram Machico e Ponta do Sol: em Machico cederia às pressões do Bispo da diocese, Francisco Santana, não nomeando o Padre José Martins Júnior, presidente da respectiva Comissão Administrativa, conforme era a vontade popular, e na Ponta do Sol nomeou um cacique local, José Egídio Pita que, ainda por cima, tinha sido na década de 60 vice-presidente da comissão de freguesia da União Nacional nos Canhas. Outras escolhas completamente descabidas foram as de Gregório Figueira de Faria, em Câmara de Lobos e de David Canha Jardim, no Porto Moniz, tendo quer um quer outro se envolvido em acções separatistas.

Contestação que envolveu não só os trabalhadores, em particular os operários da construção civil e dos bordados – chegou a proibir a realização de uma manifestação em 21 de Outubro de 1974 por decorrer em horário laboral, tendo sido desautorizado -, mas também os caseiros que em Novembro desse mesmo ano (dia 17) exigiram o seu afastamento e que, de resto, se estendeu à generalidade dos partidos e movimentos políticos, com a excepção do PPD local – não por acaso, nas primeiras eleições locais ocorridas em 12 de Dezembro de 1976, o PPD candidataria Egídio Pita e David Canha e aproveitaria outras duas escolhas de F. Rebelo, Luís Mendes, na Ribeira Brava e Virgílio Pereira, no Funchal.

O isolamento do governador F. Rebelo acentuar-se-ia com a autorização que concedeu para a efectivação no dia 15 de Fevereiro de 1975 de uma manifestação-comício, anunciada como sendo a favor da «autonomia da Madeira», convocada pelo auto-proclamado MLAM (Movimento de Libertação do Arquipélago da Madeira ), tendo em resposta o UPM (União do Povo da Madeira) apelado a uma contra-manifestação-comício – a autoridade militar, novamente sob o comando de Carlos Azeredo que havia regressado à Madeira em Dezembro do ano transacto, acabaria por proibir as duas iniciativas, mas o UPM manteve-a , tendo as forças militares e militarizadas recorrido ao uso da força e à utilização de gases lacrimogéneos, o que não obstou à sua realização.

Azeredo, assumido monárquico e oficial pertencente à corrente spinolista das forças armadas, responsável pelas intentonas de 28 de Setembro de 74 e 11 de Março de 75, seria, aliás, pródigo no recurso ao uso da força para reprimir movimentações populares. Voltaria a fazê-lo por diversas vezes em Machico ao longo desse ano de 1975 e faria o mesmo em 9 de Abril de 75, quando os produtores de cana sacarina reivindicavam junto ao quartel-general, no Palácio de São Lourenço, o aumento do preço do quilo do produto e acesso ao controlo da pesagem.

Tal como sucedera no passado anterior ao 25 de Abril, o poder político em Lisboa continuava a não prestar a atenção devida ao que se passava nos Arquipélagos. Uma indiferença e um protelar de decisões que obviamente favoreciam quem conspirava contra o «processo revolucionário». Isso mesmo já havia ocorrido aquando da questão da aplicação do salário mínimo nacional e manter-se-ia durante o mandato dos sucessivos governos provisórios.

Porém, curiosamente, quando, finalmente, começam a haver sinais (notícias) de que se preparam mudanças na governação da Madeira, eis que a 14 de Fevereiro de 1975, em comunicado a Comissão Política Distrital do PPD declara “não aceitar qualquer mudança nos quadros da administração local, sem se conhecerem os resultados das eleições” (as eleições para a Assembleia Constituinte, inicialmente marcadas para 12 de Abril, acabariam por ser adiadas para 25 de Abril, na sequência do golpe militar de 11 de Março) – de acordo com o que veio a público, F. Rebelo permaneceria em funções, passando a presidir a uma «Junta de Planeamento» composta por três vogais. Contudo, a 19 de Março de 75, pediria a exoneração do cargo, exactamente no dia em que uma manifestação contra “o desemprego e os despedimentos” culmina com uma concentração junto ao Palácio de S. Lourenço, em que é reclamado o saneamento do governador civil.

A queda do regime motiva igualmente mudanças na imprensa diária local. No diário então propriedade da família Blandy, o seu director Alberto de Araújo solicitara a exoneração e no início de Junho ocupa o lugar o então padre e sociólogo Paquete de Oliveira que exprime abertamente adesão à mudança política em curso; enquanto que no órgão da diocese, o novo bispo, Francisco Santana – fora ordenado a 21 de Abril de 74, na Sé Patriarcal de Lisboa, sendo que na assistência pontificava o seu amigo desde os tempos da «Stella Maris», Almirante Henrique Tenreiro, um dos ultras do regime – decide, no final de Outubro, entregar o “Jornal da Madeira” nas mãos de Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim, sobrinho do director e proprietário do semanário “Voz da Madeira”, o dr. Agostinho Cardoso, por sinal, colaborador destacado do mesmo. Registe-se que na sequência da tentativa de golpe de 28 de Setembro de 74, na documentação encontrada na sede de um dos partidos organizadores, o Partido do Progresso, na «imprensa contactável», figuravam quer o “Voz da Madeira” quer o jornal da diocese. E quando, designadamente a partir de 1975, o separatismo passa a ser usado como arma política, enquanto o “Jornal da Madeira” reproduzia (7/2/75) o documento constitutivo do MAPA e foi dando assinalável destaque à causa independentista açoriana, através nomeadamente da publicação de declarações e entrevistas com alguns dos seus dirigentes, como José de Almeida e outros; no “DN” a postura adoptada foi abertamente a oposta, transcrevendo, por exemplo, o artigo «Açores: uma armadilha para Portugal?», da autoria do jornalista António Figueiredo, originalmente publicado no britânico “ The Guardian” e inserto na edição de 21 de Janeiro de 1975 do vespertino lisboeta “Diário de Lisboa”.

No rescaldo das eleições para a Assembleia Constituinte, na Madeira, o «Diário da Madeira» (10/5/75), através de três textos, associa a vitória do PPD (elegeria 5 dos 6 deputados em disputa em ambos os arquipélagos) à defesa da independência. Num deles, pôde ler-se: «Em fase dos resultados obtidos nas eleições à A. C., na Madeira e Açores, é caso para perguntar: se não será isso uma razão fundamental, além de outras existentes, para ser concedida a independência total às ilhas do Atlântico?». E numa carta ao director (o médico António Castro Jorge) era reclamado o corte com o «Terreiro do Paço». Simultaneamente, um denominado «Movimento Emancipalista da Madeira” procederia a leitura idêntica dos referidos resultados eleitorais. E no início de Maio, coincidindo com a visita do ministro do Trabalho, major Costa Martins, em várias ruas da cidade do Funchal surgiram inscrições murais em defesa da «independência da Madeira». Ainda em Maio, é divulgada a detenção de indivíduos que estavam a fazer inscrições nas paredes «caluniando o derrubamento do fascismo e apoiando a independência da Madeira» (um dos presos, César Barros fora candidato a deputado na lista apresentada pelo CDS – a comissão executiva provisória local do referido partido apressar-se-ia a esclarecer que o aludido candidato, «a seu pedido, foi desligado do CDS, em data anterior à sua detenção»). Já agora, anote-se que, então, na denominada «Tribuna Livre», AJJ também rejeitou a opção independentista. Posteriormente, como é do domínio público, recorreria, bastas vezes, como forma de chantagem junto do poder central, à ameaça separatista e chegou inclusive a catalogar como «patriotas» aqueles que covardemente recorrendo à violência bombista, destruíram bens públicos e privados e puseram em causa vidas humanas.

Tal como sucedera com o MAPA, a FLA fará o aparecimento público em São Miguel no mês de Maio, com inscrições e distribuição de comunicados por ocasião das festas do Senhor Santo Cristo. Carlos Enes, no já citado livro, acrescenta: “A projecção regional e nacional ocorreu com a manifestação dos lavradores micaelenses, a 6 de Junho de 1975, reclamando contra a situação de abandono a que haviam sido votados pelo governo. Por detrás da manifestação estavam elementos da FLA que canalizaram esse descontentamento para acções de violência inusitadas, com apelos à independência”. Uma manifestação que fora proibida pelo governador militar, general Altino Pinto de Magalhães por a data coincidir com a estada no porto de Ponta Delgada de uma esquadra da NATO.

Obtida a demissão do governador civil, o advogado António Borges Coutinho, militante do MDP/CDE – que aliás já havia colocado o lugar à disposição face aos resultados eleitorais -, os manifestantes dirigiram-se aos estúdios do Emissor Regional dos Açores da Emissora Nacional, que invadiram, exigindo a demissão do locutor João Coelho, militante do MES (Movimento de Esquerda Socialista) e o aeroporto foi também ocupado por camiões na pista, a fim de impedir o movimento de aviões.

Um modus operandi a que, a 7 de Setembro de 1974, poucas horas depois da assinatura em Lusaca do acordo de cessar fogo e de independência de Moçambique, colonos brancos já haviam recorrido ao assaltar as instalações do Rádio Clube de Moçambique, ocupando-as com a conivência da força de comandos que tinha a missão de as proteger. Os técnicos em serviço nos estúdios foram obrigados, sob a ameaça de armas, a colaborar na emissão de comunicados considerando nulos tais acordos. Ao mesmo tempo, são abertas as portas da prisão da Machava e libertados duzentos pides. Uma tentativa de golpe que não atingiu os objectivos pretendidos, mas que se saldou por um elevado número de vítimas, negros e brancos.
Gustavo Moura, director do jornal «Açores», em editorial (7/6/75) exultaria: «Os gravíssimos problemas da lavoura, a exigência de demissão do chefe do distrito, tudo depressa passou a segundo plano, para a uma só voz, se gritar independência» – Moura seria detido dois dias depois, juntamente com 30 militantes da FLA. Contudo, nas semanas seguintes, várias sedes de paridos de esquerda foram atacadas e muitos militantes tiveram de abandonar S. Miguel.

Pouco mais de um mês depois, a 18 de Julho, em Angra do Heroísmo ocorreria uma outra manifestação de características idênticas, que culminaria com a invasão do Rádio Clube de Angra. Na sequência, verificam-se diversas demissões, nomeadamente do governador civil, do presidente da Câmara de Angra e de elementos da direcção do Rádio Clube, todos identificados como «progressistas». E em Agosto, verificar-se-á uma nova escalada na acção separatista: a 12, a FLA anuncia que vai recorrer à violência para conseguir os seus objectivos,; a 18 são aprovadas moções exigindo a transferência para fora dos Açores dos militantes do PCP e «seus satélites», incluindo um padre e a 19, a sede do PCP em Ponta Delgada é destruída por uma bomba, tal como as sedes do mesmo partido, do MDP-CDE e do MES, em Angra do Heroísmo. Ainda em Agosto, é criado o Exército de Libertação dos Açores, braço armado da FLA e, numa reunião do movimento efectuada nas Ilhas Canárias, é decidido que o caminho para a independência pode ser abandonado, se em Portugal se consolidar a linha do conjunto de militares designado por «Grupo dos Nove».

O próprio Mota Amaral – que a 20 de Maio de 1974 fundara o PPD nos Açores e que foi presidente do governo regional entre 1976 e 1996 – confessaria em declarações insertas na edição da revista «Notícias Magazine» de 16 de Outubro de 2016, a simpatia pela causa independentista: «Nessa altura foi-me simpática a ideia de independência, e os meus caminhos cruzaram-se com os da FLA naquele período em que o governo de Portugal andava à deriva. Com o fim do Verão Quente, foi-se perdendo o momento. O país organizava-se e importante era a ideia de uma autonomia eficaz, de uma administração livre dos Açores pelos açorianos». Ou seja, não foi por acaso que José de Almeida acusara Mota Amaral de «traição», referindo designadamente que a declaração de princípios da organização separatista açoriana fora redigida pelo antigo deputado da nação pelo distrito de Ponta Delgada, no período compreendido entre 1969 e o 25 de Abril de 74 – Almeida, também ele deputado, pelo distrito de Viana do Castelo.

Na Madeira, Agosto de 1975 é também o mês em que a violência bombista perpetrada pela FLAMA faz a sua aparição. Um dos primeiros alvos (27/8) é a sede do UPM, situada na Rua do Castanheiro, num prédio, pertencente à família Aragão de Freitas, que, estando devoluto, havia sido ocupado pouco tempo antes. Um local que haveria de ser objecto de outras tentativas de assalto e de destruição. Meses antes dois dos seus principais dirigentes, Milton Morais Sarmento e Paulo Martinho Martins tinham sido intimados pelo braço armado da FLAMA, o ELAM (Exército de Libertação do Arquipélago da Madeira) a abandonar o País, sob ameaças à integridade física. Uma hostilidade que decorria do facto do UPM por via da sua implantação popular ser a única força política de esquerda com capacidade de mobilização, em resultado da ligação estreita que mantinha com várias estruturas sindicais, nomeadamente as da construção civil e dos bordados.

Anteriormente, a 22 de Agosto, haviam destruído o Centro Emissor da Emissora Nacional, localizado na freguesia do Monte, no Funchal e, ainda antes (madrugada de 9 de Agosto) rebentaria um petardo nas instalações da mesma, na Rua dos Netos. Mais tarde (2 de Setembro), o próprio Palácio de S. Lourenço, sede dos governos, civil e milita, seria também atacado. Pelo meio, Carlos Azeredo, o titular desses cargos, já tinha declarado publicamente que não obedeceria a ordens do V Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves.

Todos estes actos bombistas surgiam pela calada da noite, de modo cobarde, na medida em que, ao contrário do que sucedeu nos Açores, designadamente na ilha de S. Miguel, o separatismo na Madeira nunca conseguiu tomar conta da rua, nunca foi rei e senhor nesse particular. É certo que obtiveram sucesso numa ou noutra acção, designadamente nos incidentes que envolveram o sequestro do professor Francisco Simões (posterior ao 25 de Novembro de 1975) e na deslocação de uma comissão de saneamento de trabalhadores bancários (29/9/75). Num e noutro caso, tratavam-se de pessoas afectas ao PCP, partido que não dispunha na Madeira de capacidade de intervenção capaz de as neutralizar.

Respaldadas com os resultados registados na eleição para a Constituinte e contando com o suporte do anticomunismo primário que caracterizava a tríade Carlos Azeredo – Francisco Santana – Alberto João Jardim, essas forças julgaram que poderiam replicar na Madeira os acontecimentos de 6 de Junho em Ponta Delgada. Vai daí, quatro meses depois, a 7 de Outubro de 1975 ocupam os estúdios do referido Emissor Regional da Emissora Nacional. Para disfarçar fazem-se acompanhar de um grupo de alegados retornados. Desatam a colocar no ar, repetidamente, a música do bailinho da Madeira e procedem à difusão das suas principais exigências: saneamento imediato de cinco dos trabalhadores daquele posto emissor e expulsão, também imediata, do Arquipélago de três pessoas: o padre José Martins Júnior, o advogado Milton Morais Sarmento e o presidente do Sindicato da Construção Civil, Diamantino Alturas. Os primeiros – os jornalistas Gualdino Rodrigues, Alberto Andrade e Henrique Sampaio (o signatário do presente artigo), a locutora Graça Vasconcelos Coito e o intendente da estação, dr. Oliveira Pires – eram acusados de produzir uma “informação desonesta, demagógica e habilmente manipulada”, enganando a população local e orientando-a a favor de “minorias extremistas sem qualquer expressão” no arquipélago (Gualdino e Andrade tinham sido colaboradores do suplemento desportivo do jornal da diocese e Sampaio era redactor do “Comércio do Funchal”).

Por sua vez, Martins júnior, Milton Sarmento e Diamantino Alturas eram considerados “fomentadores ou patrocinadores das desuniões já verificadas no seio da comunidade madeirense”.

A ocupação prolongou-se durante a tarde por mais de quatro horas, ao longo das quais foram feitos apelos para o encerramento do comércio e para a adesão à ocupação. Entretanto, Azeredo que se encontrava na cidade do Porto foi negociando à distância com uma delegação dos ocupantes que se deslocara até ao Comando Militar. Viria a saber-se que já tinha dado o seu aval à 1ª das exigências: o saneamento dos trabalhadores e manifestara disponibilidade para, no regresso ao Funchal, tratar da segunda. Ou seja, o mesmo militar – que sempre que se tratou de lidar com lutas populares por direitos políticos ou sociais – não tinha hesitado em recorrer à força bruta, predispunha-se a comportar-se exactamente com a mesma benevolência e conivência demonstradas pelo seu congénere governador militar dos Açores, general Altino de Magalhães.

Uma vez que a autoridade política e militar não só não repunha a ordem no emissor regional da E. N., procedendo à desocupação do edifício, como estava disposta a satisfazer os objectivos pretendidos, a quem discordava destes acontecimentos só restava uma alternativa: recorrer aos meios ao seu alcance para evitar que o separatismo tomasse conta da Madeira. Foi isso que fizeram os operários da construção civil, tanto mais que em causa estavam também as pessoas do presidente do seu Sindicato e do consultor jurídico.

Nas reacções verificadas, vale a pena recordar que no dia seguinte (8 de Outubro), no órgão da diocese, em destaque na 1ª página, em jeito de lamentação, lia-se: “Elementos ligados à construção civil contra atacaram quando o grave incidente estava resolvido”, enquanto que o seu director consideraria a ocupação um acto de “flagrante inoportunidade” (sic), isto é, não estava em causa o saneamento que defendia, mas tão somente o processo a utilizar. De resto, na «Tribuna Livre», não se cansara de atacar a informação veiculada pela emissora pública ao mesmo tempo que se confessava adepto do pluralismo que não só não praticou como abominou.

* por opção, o presente artigo foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

Post-Scriptum: Oportunamente, tenciono revisitar com detalhe a actividade separatista/bombista. Há muita história que vale a pena relacionar…

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Geração Z faz cair o regime das forças de esquerda no Nepal

 

Por

A interdição das plataformas digitais caiu mal e desencadeia a revolta da juventude, mas as grandes causas estavam acumuladas: as frustrações e as perspectivas de um não futuro.



1. O Nepal, com uma história bem diferente de um processo tradicional de independência, criou, em 1768, o Reino do Nepal, juntando e unificando territórios, formatando o Estado-Nação que ainda hoje vigora. Porém, só 155 anos depois, o governo britânico reconheceu formalmente (1923) a sua independência. Foi necessário, contudo, esperar pela Segunda Guerra Mundial para se iniciarem algumas pequenas alterações na orgânica obsoleta deste Estado-Nação.

A vida desta monarquia, que durou 240 anos, foi agitada, sobretudo, a partir da segunda metade do século XX, com períodos de guerra civil longos (onde a tendência rebelde maoista, como é conhecida, teve um papel de destaque), aliados a eleições multipartidárias, aqui e ali.

Maio 2008. Proclamação da República

2. O Nepal, com cerca de 30 milhões de habitantes é um país jovem, onde 2/3 da população tem menos de 34 anos. Um país ensanduichado entre os dois maiores colossos da demografia mundial, a China e a Índia, conhecido pela sua capital Katmandu – cidade cruzamento de vários povos e comércio – e uma das rotas de acesso ao Monte Evereste.

Certamente, menos conhecido por, desde a implantação da República, em 2008, ter vindo a ser governado por partidos da esquerda, regime que acaba de cair por uma revolta designada nos Media internacionais de revolta da juventude (geração Z) contra a interdição pelo Governo, em Junho de 2025, de 26 redes sociais, designadamente Facebook, Instagram, WhatsApp e Youtube, porque recusaram se submeter às leis nacionais, que exigiam o seu registo como empresas do país. Apenas 5 das 31 empresas existentes tinham aceite fazê-lo até 1 de Setembro, data para o cumprimento.

A revolta da Geração Z

3. Os jovens revoltam-se contra a interdição das plataformas digitais, alegando que 1/3 da população vive no exterior e as redes são o veículo de comunicação entre si e encaram a decisão do governo um atentado à liberdade de expressão.

Durante dias, a revolta traduziu-se em incêndios e ocupação de edifícios públicos, casas de políticos e manifestações de rua com elevado número de baixas mortais. O primeiro-ministro Sharma Oli (dirigente máximo do PC) é obrigado a demitir-se, o Parlamento dissolvido pelo Presidente Poudel do centro-esquerda e as forças armadas intervêm para manter a Ordem.

Depois de 3 dias de negociações de algum melindre entre Presidente do País, forças armadas e representantes da juventude revoltosa foi designada como primeira-ministra interina, a Presidente do supremo tribunal (Sushila Karki) com currículo político desalinhado dos partidos tradicionais. A juventude vê nela a pessoa certa para levar a cabo as eleições de 5 de Março 2026, marcadas pelo Presidente.

Causas da revolta

4. Na sociedade nepalesa, as distorções de desenvolvimento económico e social continuam muito chocantes, onde sobressai uma elite pouco numerosa, o que não abona a favor da governação do país pelas forças de esquerda, apesar do Nepal ter registado, no após República, avanços notáveis na área da escolaridade:

Taxa de alfabetização a ultrapassar 71%, quando era de 54% em 2001.
Ensino superior a acolher, em cada ano, mais de 400.000 estudantes.

Porém, estes avanços geraram um paradoxo. O mercado de trabalho formal só tem dimensão para absorver cerca de 40 000 trabalhadores/ano. Assim, uma elevada percentagem qualificada de jovens fica sem hipóteses de aceder a trabalho produtivo, ou seja, impedida de ascender socialmente. A sua janela de oportunidades foca-se no digital e na emigração.

No Nepal há mais de 17 milhões de nepaleses utentes do Facebook e cerca de 90% dos jovens conectados diariamente. As plataformas sociais são, assim, uma fuga para a falta de emprego e também para a concretização informal de pequenos negócios que sempre vão gerando algum rendimento que atenua o fraco nível de vida do país onde, segundo alguns dados, cada pessoa sobrevive, em média, com um dólar/dia.

A estrutura económica do país, segundo estimativas do Banco Mundial, com a agricultura a empregar 63% da totalidade das pessoas em idade activa, quando não gera mais de 24% do PIB; a indústria, por seu lado, a gerar cerca de 12% do PIB e os serviços (sectores formal e informal) 63%, é bem a imagem do que se referiu, pondo ao vivo as estruturas semifeudais de produção dominantes, impeditivas de qualquer progresso.

Se a isto se acrescentar o fluxo das receitas da diáspora que entraram no Nepal, em 2023, equivalendo a 27,6% do PIB, temos o quadro perfeito de um país muito atrasado em termos de desenvolvimento. Acentue-se que não é por falta de condições objectivas que o arranque económico ainda não se deu – pois, pelo menos no que toca a qualificação da população – um vector chave em qualquer processo de desenvolvimento, ela existe.

Algumas causas do insucesso

5. Desde a implantação da República, as forças comunistas (tendência maoista e PC do Nepal) batem-se entre si pelo controlo do aparelho do Estado e aí esgotam as suas energias.

A coligação entre o partido do Congresso/partido comunista do Nepal no poder nos anos mais recentes “cercou” os maoistas que até saíram vencedores nas eleições pós implantação da República e desenvolveu na sociedade nepalesa uma campanha anti-maoismo, levando-o a se aproximar sem sucesso da juventude urbana.

Por seu lado, o maoismo ia insinuando que o governo de coligação pouco fazia para combater a corrupção sobretudo de elementos com influência no poder e que se opõem a reformas que permitam abrir a economia à criação de riqueza em benefício da população.

A juventude, contudo, não aderiu a este trabalho de sapa dos dois lados, acusando os dois partidos de serem iguais, muito ineficazes em todas as frentes, incluindo o combate à corrupção e apontando o subdesenvolvimento, decorrente do desentendimento entre os partidos que perdiam o seu tempo a negociar arranjos interpartidários para continuarem no poder.

Em síntese, a juventude entende que o governo e os partidos falharam na resolução dos três grandes problemas do país:
Criação de emprego e estagnação económica
Combate firme à corrupção
Liberdade aos diferentes níveis.

A revolta como explosão

6. A violência que explode em princípios de Setembro é contra os políticos dos três partidos: Partido do Congresso e os dois partidos Comunistas (Maoismo e Partido comunista do Nepal). A rivalidade entre as forças comunistas foi sendo potenciada pelas sucessivas levas de regulamentação, saídas ao longo de 2024, sobre as redes. A interdição das plataformas digitais caiu mal e desencadeia a revolta da juventude, mas as grandes causas estavam acumuladas: as frustrações e as perspectivas de um não futuro.

Expectativas

7. Há expectativas por parte da juventude de que as eleições possam levar a um novo modelo de governo “livre de vínculos dos partidos tradicionais”. Defendem que essa liderança deve ser independente e escolhida na base da competência, integridade e qualificação”.

Apesar do consenso encontrado, teme-se que o país, em situação de graves conflitos que não estão afastados, possa cair para uma direita radical ou mergulhar numa instabilidade incontrolável. Contudo, há confiança na Primeira-ministra interina para levar o país a bom porto.

Notas finais:

i) Não existem números oficiais, mas uma associação de Nepaleses estima que residam 50 000 nepaleses em Portugal.

ii) Geração Z = nativos da era digital.

terça-feira, 23 de setembro de 2025

Esclareçam...

 

Na gíria do futebol e não só, vezes várias ouve-se: "equipa que ganha não se mexe". É evidente que isto tem que se lhe diga, no entanto, arrasta consigo a ideia que a mudança radical de uma equipa pode não corresponder a um bom resultado. Se bem que, no exercício da política, os contornos sejam distintos porque ali, no tabuleiro do jogo partidário os interesses sejam múltiplos, sem grande esforço podemos, por aproximação àquela frase, especular sobre alguns aspectos que qualquer cidadão, atento às autárquicas, gostaria de tomar consciência.



E isto coloca-se sob a forma de perguntas. Aqui as deixo:

1. Que razões subjazem ao facto da equipa do PSD, no seu tronco central, ter sido completamente afastada? Todos têm o direito de assumir que não estão interessados em continuar, mas a verdade é que, pelo menos um se disponibilizou a assumir uma candidatura e, mais tarde, uma respeitada figura do partido veio falar que estaria em preparação uma "golpada", que terá levado a primeira figura, publicamente convidada para liderar a equipa concorrente, acabasse por abdicar da sua candidatura. O que estará por detrás de tudo isto, pergunto? "Golpada", qual? E a "limpeza" deveu-se a quê?

2. Acompanhei, pela comunicação social, ao longo dos últimos quatro anos, o trabalho de oposição feito pelos vereadores da "Confiança". Do Engº Miguel Silva Gouveia, que já foi presidente da Câmara, com quem falei, presencialmente, uma única vez, a ideia que retive, é que desempenhou uma tarefa de oposição consistente, permanente, educada no relacionamento político e com propostas de significativo alcance. Ele e a sua equipa não se perderam na baixa política. Pelo contrário. Mas, quando tudo levava a crer que estariam na primeira linha de recondução, eis que foram postos a andar, exactamente numa altura de clara fragilidade dos seus mais directos opositores. Também aqui seria interessante conhecer os meandros da história.

O pior de tudo isto é que, nem uma nem outra candidaturas têm uma proposta profundamente pensada para o Funchal. Enquanto cidadão sinto que andam atrás dos "casos do dia".

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

BRICS+ em movimento


Por
João Abel de Freitas,
Economista

A Declaração da última cimeira dos BRICS, este ano, destaca a reconfiguração da Ordem Internacional, consubstanciada na exigência de uma Governação Global mais justa e plural.



Antes da interrupção de Verão, razões várias nos impelem a falar dos BRIC/BRICs, BRICS e BRICS+. Uma simples referência a ligar aos dias de hoje, onde as incertezas económicas, ao lado de grande instabilidade política, se acumulam cada vez mais no Horizonte, para o que muito contribui a “imprevisibilidade” chantagista de Trump.

Os BRIC, a caminhar para a sua maioridade de existência informal, pois os contactos de arranque entre os países fundadores, Brasil, Rússia, India e China (BRIC) deram-se por volta de 2005/2006, conquanto a formalização do grupo só tenha tido lugar, em 2009, com a Primeira Cimeira de Ekaterimburgo, na Rússia.

Em 2011, de BRIC passou-se a BRICS, com a inclusão da Africa do Sul (South Africa), por sugestão da China de integrar o continente africano, para ampliar a representatividade geográfica e a diversidade cultural. E, 12 anos mais tarde, surgem os BRICS+, como resultado da 15ª Cimeira de Joanesburgo (22 a 24 de Agosto2023), que decide o alargamento, a partir de 1 de Janeiro 2024.

Muito tempo foi passando, com a economia mundial, aqui e ali, muito titubeante, a rodar sobre as Instituições (FMI e Banco Mundial), saídas da Conferência de Bretton Woods (Julho 1944), impostas pelos EUA, com a oposição do Reino Unido e seu representante, o economista John Maynard Keynes.

Assim, desde a Segunda Guerra Mundial, têm estas duas Instituições vindo a cunhar o andamento da economia mundial, com o dólar americano como moeda-rei.

No período anterior aos contactos entre os futuros BRIC, por vezes, também se escreve BRICs (este s é plural), ou seja, desde os finais dos anos 90 (século XX), o desempenho destas Instituições, com relevância para o FMI, não apresentava boas performances e, menos ainda, simpatia, apesar de, desde 1944, não haver equívocos dos interesses que serviam: o Ocidente, sob a tutela dos EUA. Daí, a sua imagem face ao restante Mundo, [hoje, denominado “Sul global”] ser deveras pouco apreciada. Mas quem tem poder militar vai impondo, a bem ou a mal, o mando do Mundo.

Quem não se recorda dos programas de Ajustamento Estrutural (chapa 4 do FMI), no “chamado apoio” aos países do então terceiro mundo e mesmo de países europeus em crise?! Portugal tem memória disso, até em períodos diferentes. Quem não se recorda da politização dos empréstimos de que beneficiavam, em condições e rapidez de concessão, os países mais afectos aos EUA!!

Mas pensamos que o demérito a sério, símbolo do maior descrédito, consubstanciou-se em duas situações em que a incapacidade institucional dos EUA, através dos seus instrumentos financeiros (FMI e BM), ficou bem demonstrada: a crise asiática (1997/8) e a crise dos “subprime” 2008.

Na crise asiática, com base na da Coreia não debelada, o Japão tentou avançar com sugestões de fortalecimento da missão do FMI na Ásia. Foi completamente trucidado pelos EUA que não aceitaram nenhuma das propostas, mostrando assim a sua incapacidade ou interesse em agir fora da esfera americana.

Na crise dos “subprime”, os EUA, através do FMI, mostram uma vez mais que não reúnem capacidade institucional para agir, dentro do seu próprio espaço, pois não atalhou, a tempo, uma crise gerada em torno do dólar, deixando-a alastrar à economia no seu todo, com maior ou menor impacto, consoante as condições das regiões e países.

Neste contexto, se constituem os BRICS em linha discordante com a Governação do Mundo, assente nas Instituições saídas de Bretton Woods e de algumas outras constituídas, posteriormente, como a Organização Mundial do Comércio, mas funcionando na mesma onda de defesa da economia do Ocidente, quando cada vez esta estava em perda contínua de representatividade na economia global.

Aparecimento dos BRICS

Há várias leituras sobre se os BRICS nasceram para reivindicar a partilha de poder na Governação mundial com uma representatividade correspondente à sua importância ou se como alternativa de, a prazo, construir um outro tipo de Governação, assente em novos princípios e Instituições.

Talvez uma leitura não exclua a outra. O certo é que o Ocidente não admitiu partilhas, mesmo as mais normais, por exemplo, uma maior influência das economias emergentes no Banco Mundial ou a reforma do FMI, tornada necessária, com a crise dos “subprime”.

Não havendo abertura, naturalmente outros caminhos se impuseram. Os BRICS vão-se fortificando com suas análises e debates, na criação de comissões com vida própria produzindo propostas/recomendações e pela realização de uma Cimeira anual em que se procura integrar o trabalho desenvolvido nas diversas frentes.

No seio dos BRICS, a dinâmica de cooperação e debate tem criado um património comum de ideias, base e fundamentação de mudanças que vai materializando ou operacionalizando com mais ou menos dificuldades, até porque os BRICS desde início tinham definidos três grandes áreas de acção: “reforma das instituições financeiras internacionais; fortalecimento do comércio entre os países membros; promoção do crescimento económico sustentado e inclusivo”. A questão estava/está em “saber” consensualizar, entre países nada homogéneos, o modelo de os concretizar.

Não podemos deixar de referir o muito trabalho que levou à criação do Banco dos BRICS (Novo Banco de Desenvolvimento), em 2014 na Cimeira de Fortaleza, tornado operacional, em 2016, com sede em Xangai. Uma etapa certamente marcante da sua vida futura.

Importante ver se esta Instituição nasce diferenciada das congéneres ocidentais apenas por não ser de sua iniciativa, ou se foi além, desenhada com princípios diferentes mais favoráveis aos países emergentes?

Do que tem funcionado, são notórias as diferenças. Desde logo a composição do capital (igualdade nas quotas) e a concessão dos empréstimos com liberdade na definição de prioridades (contrariando os métodos FMI), o que tem suscitado uma enorme empatia pelos BRICS e, neste contexto, surgiu a figura nova de “país parceiro”, na Cimeira 2024, em Kazan, na Rússia. Mas atenção, falta muito a percorrer!

Este ano, sob a Presidência do Brasil, realizou-se a 17ª. Cimeira, em 6 e 7 de Julho2025, em situação algo complexa, no xadrez mundial. A Declaração, que marca sempre as Cimeiras não falhou tendo como destaque principal, o que não é estranho, a reconfiguração da Ordem Internacional, consubstanciada na exigência de uma Governação Global mais justa e plural, com ênfase na Modernização do Conselho de Segurança da ONU (exigência de novos países) e expresso repúdio dos ataques contra o Irão – país que integra os BIRCS+.

Hoje, vigora a tese de que os BRICS, como actor coletivo, têm vindo a ganhar poder no tabuleiro mundial o que, a prazo, os levará a influenciar mudanças determinantes na organização mundial da economia. Pena é que a União Europeia, mais uma vez, tenha claudicado perante Trump, de forma até pouco digna, sujeitando-se Von der Leyen a ir a um campo de golfe do próprio, quando as negociações exigiam formalidade. Desta forma perde lugar nesta disputa mundial.

Trump, por seu lado, está “a facilitar” este crescendo dos BRICS que cada vez mais se identificam com os interesses do “Sul Global” e estão a reunir em vários domínios condições de consolidação, como as terras raras, onde o Brasil vai entrar a marcar pontos, contribuindo para o reforço dos BRICS, e nas tecnologias de ponta. Tudo isto terá o seu tempo. Mas o Ocidente está, de facto, em causa, com um mundo multipolar a caminho.

sábado, 16 de agosto de 2025

Uma sociedade aprisionada é uma sociedade morta

 

Vivemos tempos conturbados de difícil e racional explicação, quando a vida, para todos, independentemente do local onde ela acontece, devia acrescer o sinal mais da felicidade. Do Norte ao Sul, do interior ao litoral. O poder a qualquer preço, em todos os patamares da vivência colectiva, a ganância, os lucros sem freio que sufocam os demais, os subterfúgios e os indetectáveis jogos de bastidores que passam longe dos olhares comuns, a extensa rede de influências arquitectadas pelos novos colonos, a perda da independência da comunicação social, muito quieta e dócil, por isso mesmo, suavemente promotora de uma notável inteligência na condução do interesse dos grupos dominantes, a gritaria em cima dos múltiplos palcos onde vendem ilusões, eu sei lá o que por aí anda, de alto a baixo, de leste a oeste... tal como uma droga que só atenua os efeitos à custa de doses mais elevadas.


Circunscrevendo-me ao espaço onde nasci e vivo, este quadro que me entristece e desencanta, que flui e é audível à boca pequena, não tem pintores e pinceladas novas onde sobressaia uma matriz porventura inspiradora e de esperança. Foi desenhado há muito por um mestre e ajudantes que reproduziram experiências passadas. Um projecto de sociedade egoísta, desenvolvido com tintas e pincéis baratos. Criaram apenas um exemplar, bastou-lhes isso, e multiplicaram-no e distribuíram-no pelo casario ao jeito do "Menino da Lágrima". O "dramatismo" dessa pintura, situado entre o melancólico e o conformado, qual metáfora, assemelha-se a esta realidade social. O "quadro" está em todo o lado, dito por outras palavras, toda a sofisticada engrenagem política conhece o sistema, autocensura-se e sabe quanto os pintores, eu diria mentores, desejam e apreciam os comportamentos adequados, sempre em tons saudosistas, antes "A bem da Nação", hoje, "A bem da Região".

Ora, quando uma sociedade chega a tal estado de dependência e medo, de despersonalização, de incultura no sentido mais vasto do termo, incapaz de cruzar a informação e ter opinião sustentada, quando perde o sentido crítico, baixa os ombros e curva a cerviz demonstrando, através do voto, incapacidade para colocar em sentido os vários poderes, sejam eles quais forem, parece-me óbvio que tudo se transforma num pântano onde, paulatinamente, vão despontando e se reproduzindo pintores secundários, os seguidores sem história e memória. Como se isso não bastasse, a enxurrada do tempo acabou também por levar muitos homens e mulheres, outrora figuras genuínas na luta de importantíssimas causas, à conversão ao eucaliptal, ao mundo dos silêncios que secam o pensamento e trazem no seu bojo o tal conformismo. Capitularam e tornaram-se funcionários rendidos à liturgia do "Menino da Lágrima". 

Um distinto Amigo, já falecido, um dia, numa daquelas noites onde as palavras escorriam ao sabor dos pensamentos, disse-me com um tom de humor corrosivo que o caracterizava: "se o Al Capone regressasse, a primeira pergunta que faria talvez fosse esta: como conseguem fazer tanto sangue sem um único tiro?" E, mais adiante, complementou: o problema não está nos túneis das importantes obras concretizadas, mas nos túneis que fizeram na cabeça das pessoas". Adormeceram-nas, injectando elevadas doses de verdade única que pulverizaram o pensamento livre e assertivo.

Ora, distante dos horrores da guerra, entre outras, desse vergonhoso genocídio que um dia será severamente punido, presumo, apenas por mera imagem, eu diria que, por aqui, construíram, intencionalmente, muitas "faixas de Gaza". Não há tiros, mas silêncios comprados; não há destruição do património, mas há um claro aniquilamento da liberdade de cada um. Estão na "faixa" porque nunca o poder foi tão verticalizado e "docemente" autoritário. Diariamente, oleiam a máquina e apertam os parafusos que o tempo desgastou! E a máquina, embora velha, continua a triturar. Tempos houve que, apesar de condicionamentos vários, os partidos políticos de projecto conseguiam apresentar figuras de reconhecida idoneidade política e respeitabilidade social, pessoas livres sem réstia dessa tenebrosa palavra: medo. Hoje, escasseiam. Há partidos políticos que definham, vários foram arredados na Assembleia enquanto espaço de debate e proposta; a quase totalidade das freguesias é dominada por uma única fonte de pensamento; os municípios, idem; as casas do povo e o associativismo em geral capturado; a escola, enquanto espaço de aprendizagem para a vida democrática, científica e profissional, a escola que devia respeitar sonhos e talentos, está enredada na burocracia que prende e esmaga, numa asfixiante e cinzenta hierarquia sem rasgo que sobrevive de expedientes e da subtil perseguição; a galinha dos ovos de ouro está em dramática convulsão apesar dos títulos de destino de excelência... dizem que conquistados. Tudo isto, enfim, entrou naquilo que designo por uma normal anormalidade. Tudo se aceita, tudo é tolerado e tudo se verga à "torre de marfim". 

De facto, não é aceitável que o regime democrático assim funcione. Há razões substantivas, de raiz histórica, que explicam  o percurso de cinquenta anos de paciente apresamento da consciência colectiva. E o perverso objectivo, pacientemente, foi conseguido. Resta saber, como sair desta sofisticadíssima e condicionadora engrenagem que não se compagina nem com a liberdade, nem com o crescimento, nem com o desenvolvimento sustentável, tampouco com a Democracia. Uma sociedade aprisionada é uma sociedade morta.

Ilustração: Google Imagens

quarta-feira, 30 de julho de 2025

Trump pune Francesca Albanese. Quem é esta jurista italiana?


Por

Em Gaza, a morte é o mais certo. Matar tornou-se banal e até incentivado. Quais os argumentos de Israel que “levam” os países do Ocidente, no mínimo, a pactuar com estes crimes de guerra?



Francesca Albanese é relatora especial da ONU para os direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados desde 1967, com um trabalho meritório e corajoso na denúncia do genocídio que está a ser praticado, a todo o tempo, no Médio Oriente, pelo governo de Benjamin Netanyahu.

Porém, os seus relatórios e intervenções públicas não se ficam pelo enunciado das barbaridades cometidas. Essas passam todos os dias nas imagens das televisões e na comunicação social, escrita e falada, do Planeta. Só basta os adultos ou crianças se abeirarem de locais de distribuição de água ou de comida para serem “fuzilados” em grande número ou ainda a igrejas, hospitais, escolas, jardins… Em Gaza, a morte é o mais certo. Matar tornou-se banal e até incentivado.

Quais os argumentos de Israel que “levam” os países do Ocidente, no mínimo, a pactuar com estes crimes de guerra? Os “tiros” de morte são justificados pelo governo de Israel na caça aos elementos do Hamas. Será que os bebés de horas, dias ou meses são apoiantes do Hamas?!

Esta justificação não entra na cabeça de ninguém, a não ser dos Governos dos EUA e de muitos da União Europeia que continuam a financiar Netanyahu, a fornecer-lhe armas para irem matando as crianças palestinianas. Certamente, devem estar convencidos de que, com a extinção do povo palestiniano, promovem uma limpeza étnica a bem de um Mundo mais puro! Chama-se a isto colaborar no extermínio de um povo.

A questão é que Francesca Albanese foi mais longe. Nos seus relatórios e intervenções identifica e desenvolve, de forma fundamentada, o que as empresas, os políticos, os países amigos de Israel e outras instituições lucram com o genocídio praticado. Esta a denúncia que causa mossa aos países amigos de Netanyahu, às empresas e demais instituições colaborantes, pois os seus nomes ficam impressos nos relatórios e a história um dia não perdoa, regista a mancha.

O relatório de Francesca Albanese, divulgado em princípios de Julho2025, “Da economia de ocupação para a economia do genocídio” gerou bastante controvérsia pelo conteúdo e organização por temas/sectores, onde, em cada tema/sector, se referem vários agentes que retiram elevada lucratividade na colaboração do genocídio praticado.

Os principais temas referidos abrangem fabricantes de armamento, grupos tecnológicos, construtoras, bancos e instituições como universidades e até organizações de turismo como a Booking Holdings e Airbnb.

Mas outras grandes empresas são mencionadas, a IBM, Microsoft, Alphabet, Amazon, Caterpillar, grupo Volvo, Hyundai, muitas empresas fabricantes de armamento com destaque para as dos EUA, Israel e Europa, bem assim as de fornecimento de energia. A leitura do relatório fornece informação específica e detalha as fontes. É esta denúncia que Trump não perdoa.

Incluíram-se, neste artigo de opinião. duas partes completas do relatório de 39 páginas, o resumo e as recomendações (tradução brasileira), para ficarmos com uma ideia mais fiel do mesmo.

Resumo


“Este relatório investiga a maquinaria corporativa que sustenta o projecto colonial de Israel de deslocamento e substituição de palestinos no território ocupado. Enquanto os líderes políticos e os governos se esquivam de suas obrigações, muitas entidades corporativas lucraram com a economia da ocupação ilegal, apartheid e, agora genocídio de Israel.

A cumplicidade exposta por este relatório é apenas a ponta do iceberg; acabar com isso não acontecerá sem responsabilizar o sector privado, incluindo os seus executivos. O direito internacional reconhece vários graus de responsabilidade – cada um exigindo escrutínio e prestação de contas, particularmente, neste caso, onde a autodeterminação e a própria existência do povo estão em jogo. Este é um passo necessário para acabar com o genocídio e desmantelar o sistema global que o permitiu”.

Recomendações dirigidas a Entidades


“Estados-Membros:

(a) Impor sanções e um embargo total de armas a Israel, incluindo todos os acordos existentes e itens de uso duplo, como tecnologia e maquinaria pesada civil;

(b) Suspender/impedir todos os acordos comerciais e relações de investimento, – e impor sanções, incluindo congelamento de bens, a entidades e indivíduos envolvidos em atividades que possam colocar em risco os palestinos;

(c) Impor a responsabilização, garantindo que as entidades corporativas enfrentem consequências legais por seu envolvimento em graves violações do direito internacional.

Entidades corporativas:

(a) Cessar imediatamente todas as atividades comerciais e encerrar relações diretamente relacionadas, contribuindo e causando violações de direitos humanos e crimes internacionais contra o povo palestino, de acordo com as responsabilidades corporativas internacionais e a lei de autodeterminação;

(b) Pagar reparações ao povo palestino, inclusive na forma de um imposto sobre a riqueza do apartheid nos moldes da África do Sul pós-apartheid.

Insta o Tribunal Penal Internacional e os judiciários nacionais a investigar e processar executivos corporativos e/ou entidades corporativas por sua participação na prática de crimes internacionais e lavagem do produto desses crimes.

Nações Unidas:

(a) Cumprir o Parecer Consultivo da Corte Internacional de Justiça de 2024;

(b) Incluir todas as entidades envolvidas na ocupação ilegal israelense no banco de dados das Nações Unidas (acessível no site do ACNUDH).

c) Exorta os sindicatos, advogados, sociedade civil e cidadãos comuns a pressionarem por boicotes, desinvestimentos, sanções, justiça para a Palestina e responsabilização nos níveis internacional e doméstico; juntos podemos acabar com esses crimes indescritíveis.

Este relatório foi escrito à beira de uma transformação profunda e tumultuada. As atrocidades testemunhadas globalmente exigem responsabilidade e justiça urgentes, o que exige ações diplomáticas, económicas e legais contra aqueles que mantiveram e lucraram com uma economia de ocupação que se tornou genocida. O que vem a seguir, depende de todos nós”.

As sanções


Os Estados Unidos, através de Marco Rubio, anunciaram no dia 9 de Julho2025 sanções contra Francesca Albanese, no sentido de a fazer calar e a pressionar a sua destituição do cargo de Relatora Especial do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, para além da campanha de difamação permanente da sua pessoa.

A ONU insta os EUA a reverter as sanções impostas e o porta-voz do Secretariado Geral, Stephane Dujarric, considera que a atitude dos EUA abriu um precedente perigoso ao trabalho independente e importante, desempenhado pelos relatores especiais.

Movimento a nível mundial


Está em curso uma petição a nível mundial [Assine agora: Nobel da Paz para Francesca Albanese] que, neste domingo (27/07), já se aproxima do milhão de assinaturas que propõe Francesca Albanese e os médicos a trabalhar em Gaza ao prémio nobel da paz.

Sem dúvida, todos são merecedores desse galardão pelo enorme trabalho que vêm fazendo, com riscos da própria vida, como é o caso de Francesca Albanese, casada e mãe de filhos, ameaçada de várias formas até na sua honra e a trabalhar pro bono.

A petição em curso, independente do resultado que obtiver, tem um significado marcante. Quem a assinar mostra a sua repulsa pelos morticínios que todos os dias ocorrem nos territórios da Nação Palestina e que é urgente estancar.

segunda-feira, 21 de julho de 2025

Padre António Ramos (1941-2022), uma evocação


Por
19/07/2025
Publicado no Jornal "7Margens"
Aqui divulgado sob autorização

“Irmão” Ramos: madeirense, padre próximo, professor e pedagogo, crítico do Estado Novo e dos poderes



Ordenado padre a 14 de Agosto de 1966, na Sé do Funchal, o “irmão” Ramos, como gostava que o tratassem e o modo como se dirigia a todas as pessoas, foi professor do Seminário e do ensino público. Nas diversas paróquias onde exerceu o múnus pastoral e nas escolas onde deu aulas não deixou ninguém indiferente. Foi ainda um dos subscritores da “Carta a um Governador”; capelão militar na Guiné; e impedido pelo Governo Regional, no ano lectivo de 1979/80, de exercer funções no conselho directivo da Escola Preparatória da Ribeira Brava.

António Ramos Teixeira da Silva nasceu em Santana – um dos concelhos do norte da Madeira – a 7 de Abril de 1941 e faleceu no hospital do Funchal, no dia de Natal de 2022, com 81 anos. Era, então, pároco do Piquinho e Preces, paróquias do arciprestado de Santa Cruz, Machico.

Quando, em Agosto de 2016, completou 50 anos de sacerdócio, a Paróquia do Piquinho – Caramanchão, em Machico, editou um pequeno livro de “Homenagem ao Nosso Irmão”.

O texto, uma iniciativa do então seminarista Patrício de Sousa – actual pároco na Ponta do Sol e na Tábua –, «em gratidão pela amizade e ajuda no seu percurso vocacional e por tudo aquilo que tem realizado pela Paróquia do Piquinho ao longo destes anos», foi, em grande parte, baseado num trabalho inserto na revista Olhar, publicação do Jornal da Madeira, em 12 de Agosto de 2006, da autoria da jornalista Élia Freitas, no qual o padre Ramos recorda a sua vida dedicada à Igreja e aos outros.

Ao longo de quatro páginas, a jornalista enaltece a «vida de um homem que soube evangelizar dentro e fora da Igreja, com o seu testemunho e maneira de estar na vida, quer na escola como professor, quer como pároco, amigo e camarada»: «Por onde passou, deu-se sempre bem com todos e foi bem acolhido; o segredo para quem não conhece o Padre Ramos é o seu humanismo, a maneira cordial e simples como trata as pessoas e uma forma particular de se aproximar dos outros chamando-os de “irmãos”».

Concluída a instrução primária (4ª classe, actual 4º ano de escolaridade), na sua terra natal, na Escola de São Francisco de Sales (na altura, sob a direcção das Irmãs Vitorianas) António Ramos, aos 12 anos, ingressou no Seminário de Nossa Senhora da Encarnação, no Funchal: «A ideia de ser padre foi uma descoberta e uma vocação que se foi fazendo ao longo da minha caminhada de jovem, na participação com os grupos de jovens (…) Decidi ser padre não por influência da família, mas com muita influência do Padre Doutor Abel Augusto da Silva que, na altura, era o reitor do seminário» (Abel Augusto da Silva foi director do Jornal da Madeira durante um curto período de tempo, entre meados de Fevereiro e fins de Outubro de 1974; sucedeu-lhe Alberto João Jardim, nomeado pelo então novo bispo da diocese, Francisco Santana).

“Uma grande aventura”


Foto: Direitos Reservados

Local do antigo seminário no Funchal, onde o padre Ramos foi prefeito; a equipa formadora introduziu mudanças mal recebidas pelo bispo e o director, Paquete de Oliveira, teve de sair da diocese para evitar ser preso. 

Após a ordenação sacerdotal, e durante quatro anos, António Ramos foi professor (lecionou matemática e ciências) e prefeito no referido seminário. Trabalhou em estreita colaboração com o então padre José Manuel Paquete de Oliveira que, no ano lectivo 1966/67, fora nomeado director pelo à época bispo do Funchal, D. João António da Silva Saraiva, com a incumbência de o transformar em colégio diocesano, aberto a alunos externos.

De entre as mudanças introduzidas por Paquete de Oliveira sobressaiu o recurso a professores leigos (homens e mulheres), uma forma de proporcionar aos alunos/seminaristas uma maior abertura ao mundo. Uma decisão que, aliás, se inseria no espírito do Concílio Vaticano II, mas que, como revelou a jornalista Isabel Nery, em Setembro de 2014, numa conferência integrada nas comemorações dos 500 anos da Diocese do Funchal, foi recebida como «um escândalo»: «O argumento de que escolhia os de melhor currículo de nada valeu e, em 1969, o bispo chama-o para lhe dizer como se comprometera com as autoridades locais a retirá-lo da diocese para evitar ser preso.»

Do grupo de professores contratados faziam parte, entre outros, Francisco Simões (escultor), Jorge Marques da Silva (pintor e artes plásticas), Luís de Sousa Melo (foi director do Arquivo do Funchal), Jorge Atouguia (foi presidente do Conselho de Gestão do Liceu do Funchal), Adília Andrade e Natália Pais (ambas fundadoras e dirigentes do Sindicato dos Professores da Madeira). Imbuído desse mesmo espírito conciliar, de atenção ao mundo e aos sinais dos tempos, o padre Ramos não teve quaisquer dúvidas em considerar que se tratou de “uma grande aventura”.

É também nesses quatro anos que António Ramos se envolve no trabalho da Acção Católica na Madeira, de modo particular com a JOC (Juventude Operária Católica), colaborando com o assistente diocesano dos movimentos operários (adultos e juvenis), o padre doutor João da Cruz Nunes.

Em simultâneo, participa nas actividades do CCO (Centro de Cultura Operária), contribuindo designadamente para dotar muitos jovens, e até adultos (operários, caixeiros, empregados de escritório e de outras profissões) do mínimo de escolaridade, a chamada 4ª classe. Por essa via se reduzia a enorme percentagem de analfabetismo que a Madeira registava (nessa altura, como observou o padre Ramos, “dar (tirar) a 4ª classe é como hoje dar o 12ºano”).

Funcionando em regime pós-laboral, essas actividades escolares permitiram igualmente que muitos desses jovens, prematuramente lançados no mundo do trabalho, tivessem condições para obter a melhoria das suas habilitações escolares, uma vez que os preparavam para exames no ensino oficial. Paralelamente, o CCO contribuirá para a formação cívica dos seus membros e participantes, para o exercício de uma cidadania activa e consciente, no reconhecimento do valor social do trabalho e da justiça social.

“Carta a um Governador”, um gesto de coragem



Carta a um Governador, documento subscrito por republicanos, intelectuais, jovens católicos, membros da Juventude Operária Católica e padres. Foto: Direitos reservados.

O ano de 1969 ficará ainda assinalado na vida do padre António Ramos por um acto de intervenção cívica de profundo significado e de coragem. Foi um dos 39 subscritores da denominada “Carta a um Governador”. No prefácio à publicação da sua 3ª edição, o jornalista José Manuel Barroso – um dos principais responsáveis pela sua elaboração –, definiu-o como um documento «desafiante, um requisitório pelas liberdades e pela autonomia» que «conduziria, depois, a uma candidatura da Oposição, pelo círculo do Funchal, nas legislativas do Outono do mesmo ano».

O «factor determinante» desse conjunto de iniciativas foi, como também destaca, a retoma da «edição de um antigo jornal madeirense – o Comércio do Funchal, à volta do qual «se juntam pessoas de pensamento democrático, de várias gerações e de ideário diverso, que comungavam nas palavras-chave de unidade política: democracia e autonomia».

A Carta – «um retrato do Portugal e da Madeira de então» –, datada de 22 de Abril, juntou «velhos democratas republicanos, dos tempos das eleições presidenciais da candidatura do general Delgado; intelectuais e representantes da classe média liberalizante; jovens católicos progressistas, membros da Juventude Operária Católica e até sacerdotes». Estes últimos (no total de cinco) faziam parte do denominado grupo dos “Padres do Pombal” (designação atribuída por se tratar do nome da rua onde quatro deles moravam e local frequentado por outros mais) – o documento foi subscrito por três desses padres: o já mencionado, João da Cruz Nunes (doutorado em Letras pela Faculdade da Universidade de Lisboa), João Arnaldo Rufino da Silva e Gabriel Lino Cabral.

Rufino da Silva tinha obtido formação superior na área da música em Roma e era assistente do Corpo Nacional de Escutas, enquanto Lino Cabral era assistente diocesano de todos os organismos rurais da Acção Católica (jovens e adultos, masculinos e femininos). A Carta foi ainda subscrita por José Maria Araújo que, tal como o padre Ramos, era professor do Seminário da Encarnação. A 11 de Novembro de 1975, a casa onde viviam os referidos “Padres do Pombal” foi alvo de um atentado bombista, com a colocação de uma bomba-relógio, que a danificou profundamente, tornando-a inabitável. Na sequência desse acto terrorista e de um outro que destruiu, a 14 de Janeiro de 1976, um automóvel pertencente a João da Cruz Nunes, os mesmos passaram a viver no território continental e abandonaram o múnus sacerdotal. O mesmo faria, um pouco mais tarde, José Maria Araújo, na altura pároco da Paróquia do Carmo, em Câmara de Lobos, igualmente vítima da hostilidade do partido governamental na Região com a conivência do próprio prelado diocesano.

“Obediência e fidelidade ao Evangelho”



Concílio Vaticano II: os oito padres autores da carta aos deputados reivindicavam o espírito conciliar de justiça, liberdade e paz. Foto © Vatican Media

Seis meses volvidos, a 22 de Outubro de 1969, nas vésperas das aludidas eleições para a Assembleia Nacional, um grupo de oito padres católicos da Madeira endereçou uma carta aos “Senhores Candidatos a Deputados” (listas do regime e da oposição), na qual, recorrendo a inúmeras citações dos Evangelhos, de encíclicas papais e de documentos do Concílio Vaticano II, assumem: «O Evangelho que anunciamos não é neutralidade mas exigência de partilha, de justiça, de liberdade, de verdade e de paz». A posição adoptada, acrescentavam, «é motivada pela obediência e fidelidade ao Evangelho e à Igreja que nos confiou a sua proclamação».

Nessa missiva, os signatários insurgem-se, por um lado, contra a censura vigente, escrevendo que «sem uma informação séria e honesta, livre e sem intimidações não há elementos suficientes para um juízo e, portanto, não poderá cumprir-se o direito elementar de “saber a quem se dá o voto”» (referência a uma nota do Episcopado sobre o processo eleitoral), e, por outro, contra «uma sociedade em que o lucro pessoal e individual seja a regra máxima da organização social, económica e política», proclamando: «A unidade religiosa e a caridade exigem um nivelamento económico-social no ambiente profano em que vivem os cristãos», sendo, por conseguinte, «inaceitável dizer que o Evangelho pode ser igualmente vivido por ricos e pobres, opressores e oprimidos», uma vez que «foi anunciado aos pobres como uma Boa Nova de libertação».

Quatro dos oito padres subscritores, haviam também assinado a “Carta a um Governador” – João da Cruz e Rufino Silva, e José Maria Araújo e António dos Ramos Silva; os restantes eram párocos: António Pedro Alves (Ribeira Brava), José Martins Júnior (Ribeira Seca), José Vieira Pereira (Caniçal) e Mário Tavares Figueira (São Tiago – Corticeiras, Estreito de Câmara de Lobos).

Essas eleições ficariam marcadas por um notório envolvimento de muitos militantes dos organismos operários da Acção Católica, nas iniciativas organizadas pela candidatura da oposição democrática, um facto que levou os próprios deputados eleitos pelo partido único, a União Nacional, a se queixarem junto do então bispo da diocese, D. João Saraiva, tendo os secretariados diocesanos desses quatro organismos sido chamados ao Paço Episcopal. Na ocasião, o prelado haveria de declarar que «o povo não aceitava que os dirigentes da Acção Católica andassem metidos em política» e em defesa da sua tese chegou a afirmar que «ele próprio não tinha ido votar». Em resposta, o assistente diocesano desses movimentos, dr. João da Cruz Nunes, disse que «a atitude de não votar também era fazer política» acrescentando: «Tudo é política».

“Inferno é a ausência de Deus”



António Ramos (ao centro) como capelão militar durante a Guerra Colonial: um “castigo” pelas suas posições. Foto: Direitos reservados.

Como resultado deste compromisso social e do seu envolvimento na pólis, o padre Ramos seria “convidado” – a expressão e a leitura dos acontecimentos é sua – a entrar na Academia Militar para obter a formação como capelão militar e posteriormente ser enviado para um dos três territórios africanos onde as tropas portuguesas combatiam os movimentos de libertação que lutavam pela independência (em Angola, a guerra iniciou-se em Março de 1961, na Guiné em Janeiro de 1963 e em Moçambique em Setembro do ano seguinte).

Sucedeu-lhe exactamente o mesmo a que foram sujeitos os conterrâneos José Martins Júnior e Mário Tavares Figueira: Martins Júnior esteve em Moçambique, na região de Cabo Delgado, e Mário Tavares, no sul da Guiné, junto à fronteira com a Guiné-Conacry. António Ramos seria enviado também para a Guiné, mas para o norte (Guidage), junto à fronteira com o Senegal. Precisamente a região onde o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), graças ao recurso aos mísseis Strela, acabará por virar definitivamente a seu favor a luta armada, iniciada em 1963.

No relato desse período de dois anos em que esteve na Guiné, o padre Ramos não escondeu à revista Olhar as dificuldades no terreno que presenciou: «Em Guidage chegou a ficar oito dias à espera da avioneta, debaixo da terra, devido aos conflitos. “Todos os dias surgiam ataques, é como agora em Israel”, disse. Depois do ataque, os militares tinham de averiguar a origem do mesmo, o que era extremamente perigoso». No livro As Ausências de Deus – No Labirinto da Guerra Colonial, António Loja (também subscritor da “Carta a um Governador”, agnóstico confesso, que entre 1966- 68, como oficial miliciano, comandou uma companhia no teatro da guerra na Guiné, recorre à catequista da sua infância para estabelecer uma analogia entre o dantesco da guerra que viveu por dentro e o inferno: «Inferno, ensinava a catequista da minha infância, é a ausência de Deus».

Nessas declarações à citada revista, o padre Ramos é peremptório: «A guerra, em si, é injusta. A guerra havia porque os povos queriam a sua libertação, autonomia e independência. Nessa altura, Portugal quis adiar contrariando as grandes decisões europeias (…) Portugal quis sufocar o desejo de liberdade dos locais que queriam tornar-se independentes e autónomos. “É um direito dos povos. Mais cedo ou mais tarde tinha de rebentar. Foi isso que sucedeu.» Enquanto a Inglaterra enceta o seu processo de descolonização até 1960 e a França em 1962, em Portugal só em 1974 é que os capitães de Abril criam essas condições.

“A pior guerra”



Igreja da Ribeira Brava: na paróquia, o padre Ramos organizou debates entre os políticos concorrentes às eleições regionais. Foto © Câmara Municipal da Ribeira Brava.

Concluída a comissão de dois anos na Guiné, regressaria à Madeira, onde permaneceu cerca de cinco meses, tendo em 1973 sido novamente mobilizado, desta feita para o norte de Angola, onde a situação era calma. Com o 25 de Abril, assistiu à aproximação entre o Exército português e a FNLA (Frente Nacional de Libertação de Angola) e em 1975 foi para Luanda, «onde apanhou a guerra civil»: «Os últimos meses em Luanda foram terríveis, até Agosto de 1975 [mês em que regressou à Madeira]. Para mim foi a pior guerra (…) Ninguém estava à espera. Andamos de rastos», salientou. A guerra civil em Angola começou nem dois meses depois do Acordo de Alvor, assinado a 15 de Janeiro de 1975 entre o governo português e os principais movimentos de libertação.

Por isso, não surpreende: «Da guerra, apenas retém os aspectos positivos de formação humana, amizade, camaradagem, o lidar com assuntos quentes da vida familiar e da política bem como acompanhar pessoas que não acreditavam em Deus, mas que acreditavam no padre, para além da descoberta da bondade humana».

O sacerdote, é, por outro lado, muito crítico da descolonização: «Foi um erro. Era preciso dar tempo, faltou maturidade, foi muito precipitada. Faltou responsabilidade política de Portugal, de respeito pelas estruturas que estavam montadas nessas províncias.»

No regresso à Madeira, o padre Ramos foi colocado, como pároco, na Ribeira Brava, onde esteve entre 1975 e 1983. Seguiu-se o Faial até 2002 e posteriormente a paróquia do Carmo, em Câmara de Lobos, até 2004. A partir de então e até à data do seu falecimento assumiu a responsabilidade das paróquias do Piquinho e Preces, situadas em Machico.

Na Ribeira Brava foi, simultaneamente, professor de português na Escola Preparatória e Secundária Padre Manuel Álvares, funções que exerceria igualmente na Escola Básica e Secundária Bispo D. Manuel Ferreira Cabral, em Santana, a partir do ano lectivo em que foi colocado como pároco no Faial, uma das paróquias desse concelho do norte da Madeira.

Como pároco da Ribeira Brava, organizaria, por ocasião das eleições para a Assembleia Regional, debates com a presença das forças políticas concorrentes e na qualidade de professor foi indigitado pela comunidade escolar para integrar, no ano lectivo1979/80, o respectivo conselho directivo. O seu nome seria, porém, vetado pelo Governo regional, chefiado desde Março de 1978 por Alberto João Jardim.

Situação idêntica verificar-se-ia na Escola da Ponta do Sol com Gabriela Relva Gonçalves, activista das lutas dos caseiros e dos produtores de cana sacarina. Já no ano lectivo 1984/85, uma lista que integrava Bernardo Martins, irmão de José Martins Júnior, seria também impedida de exercer funções, para as quais havia sido eleita, no conselho directivo da Escola Preparatória e Secundária de Machico – de acordo com a orientação transmitida às escolas pela secretaria regional da Educação, só eram elegíveis os professores que politicamente «se situassem à esquerda do CDS e à direita do PS». Gabriela Gonçalves e Bernardo Martins tinham ligações à UDP. António Ramos Teixeira da Silva foi “punido”, certamente, por ter estado ligado ao aludido grupo dos “Padres do Pombal”, entretanto desfeito com a partida para Lisboa dos seus principais mentores.

“Os caboucos da utopia”



Escola Básica e Secundária Bispo D. Manuel Ferreira Cabral, projecto ao qual o padre Ramos esteve profundamente ligado. Foto: Direitos reservados.

A edificação da Escola Básica e Secundária de Santana é outro dos projectos a que António Ramos está indissociavelmente ligado. Sob o título “Os caboucos da utopia”, em Junho de 2003, a Escola publicará, numa revista que editou por ocasião do seu 20º aniversário, o testemunho em que o seu professor do 1º grupo narra não só a envolvência enquanto jovem, mas também a saga da luta pela criação do referido estabelecimento de ensino que descreve como a concretização de uma “UTOPIA”: «Trinta e tal anos são volvidos (…) Nos anos 70 do século XX, balbuciavam-se utopias, verdadeiros sonhos do futuro eminente. Éramos poucos “os filhos da terra”, desde o Seixal até Machico que romperam a nuvem negra do analfabetismo para contemplarem o Sol do Ensino Superior, Universitário e Profissional.

«As férias, com o seu perfume de convívios, arrebatavam-nos para a expansão desportiva, cultural, “mundiais” de comes e bebes, muitos nos ambientes das famílias. Havia um relacionamento “fraterno” com as “pessoas vivas” das várias actividades sociais com uma influência peculiar, nos nossos debates e intervenções no meio, sem esquecer a participação nos órgãos da comunicação a bem das localidades (…)

«Lembro-me, a partir de 1968, que os estudantes universitários, professores, médicos, funcionários públicos e privados, autoridades administrativas e outros começaram a despontar o “gorgulhinho” utópico e distante de termos nas “terras” do Concelho de Santana um LICEU.

«Iniciativa nascente, imberbe, sonhadora, mas calorosa e, por vezes, compulsivamente, acolhida quando se colocava a tónica da sua localização.

«As pretendentes: São Jorge e Santana.


«Felizes e alegres encontros de pessoas que acreditam que é assim que as coisas acontecem frequentemente. Espontaneamente, é lançado um abaixo-assinado, em Santana, para aí ser a sua localização futura nas “terras rurais” da sede do concelho. A adesão foi plena. E entregue, após a sua recolha, às autoridades do Ensino/Educação, sediadas na sede do Distrito do Funchal.

«Este documento mexeu com os “pergaminhos” bairristas desses centros populacionais. O seu intuito e relance de perspectiva reforçou, ainda mais, os laços de união do bom convívio entre todos (…) Os alicerces foram cavados e as raízes mais profundas alimentaram-se deste fervilhar de conversas, por vezes, muito animadas.»

O padre Ramos, ou melhor o “irmão Ramos”, como carinhosamente lhe chamam ainda todos aqueles que com ele privaram e se disponibilizaram a facultarem-nos depoimentos sobre a sua personalidade e percurso de vida, seja como sacerdote ou como professor, não deixou ninguém indiferente. Todos lhe reconhecem um traço marcante: um carácter profundamente humanista, afável, cordial, sempre disponível para ouvir e para transmitir uma palavra de conforto, de alento.

“Um cidadão do mundo”




António Ramos: “Onde passava só deixava admiradores e amigos”. Foto © Manuel Nicolau/ Diário de Notícias da Madeira, cedida pelo autor.

António Baptista Rosa, seu conterrâneo, uns doze, treze anos mais novo, empregado bancário de profissão, recorda-o, enquanto seminarista, como «um jovem muito próximo dos outros e muito dado aos convívios no centro de Santana, mais concretamente no local mais apetecível, que era o Vera Cruz, tipo café restaurante para a época». A este propósito, Baptista Rosa acrescenta mesmo: «Sei por boca de alguém mais perto da idade dele, que ele era muito dado aos convívios nocturnos, as chamadas patuscadas, se fazia presente, mas tinha muito receio de ser visto pelo padre da freguesia, Agostinho João Cardoso, por sinal familiar de Alberto João Jardim, ex-presidente do Governo regional e, por isso, aparecia disfarçado» – o citado padre era «extremamente conservador» e adoptava uma postura muito «controladora e retrógrada, apegada aos valores salazarentos».

Rosa – que foi o primeiro vereador que o PS elegeu no município de Santana – adianta que, «mais tarde já quando como padre, vim a tomar contacto com ele e, sabendo da sua personalidade humana muito dada a ser um cidadão do mundo como um outro qualquer, sempre me despertou interesse em conversar quando o via ou o encontrava por Santana ou pelo Funchal» e confessa: «Claramente que me apercebi do seu carácter desapegado dos velhos hábitos dos padres mais tradicionais e, óbvio, via nele um espírito crítico ao rumo e posturas dos políticos regionais da dita Madeira Nova. Era um homem livre, um padre com carácter progressista, liberto de amarras.»

No testemunho que nos transmitiu, Baptista Rosa realça ainda: «Pelo que sei, onde passava só deixava admiradores e amigos, muito se falava de que, quando era proposto para sair de pároco da freguesia onde estava, a população desfazia-se em manifestações de agrado e até iam junto ao bispo rogar para que a mudança não se efectuasse”. E conclui: «Sem dúvida que ele foi um ser humano excepcional, duma vontade férrea de ser um entre todos, um amigo, irmão como bem nos tratava e, acima de tudo, foi bom pároco, óptimo professor e humanamente irrepreensível. Um dos melhores entre nós.»

Uma opinião, uma visão do homem, do amigo, do colega de profissão partilhada pelos professores da Escolha Básica e Secundária Bispo D. Manuel Ferreira Cabral que, a nosso pedido, formulado junto do respectivo Conselho Executivo, se disponibilizaram a testemunhar.

João Gabriel Caldeira, professor de Educação Física e actual presidente do conselho da comunidade educativa do referido estabelecimento de ensino, relembra «a imagem sorridente e afável, do colega e amigo, (…) a sua ética de ser e estar» e assume: «Para muitos de nós, ele não era apenas um colega, mas também uma fonte de inspiração, cordialidade, solidariedade e amizade. Durante os anos que trabalhámos juntos, o irmão Ramos sempre se destacou pela sua dedicação, ética, alegria e, acima de tudo, pela sua generosidade humanista e espiritual. Ele estava sempre pronto para ajudar, fosse com uma solução prática de empoderamento e/ou apenas uma(s) palavra (s) de encorajamento, nos momentos desafiantes da vida.»

“Uma energia contagiante, grandes lições de pedagogia”




O padre Ramos, segundo João Gabriel Caldeira, professor de Educação Física: «Possuía uma energia e positividade contagiantes, que iluminavam o ambiente de trabalho.» Foto: Direitos reservados.

João Gabriel Caldeira prossegue: «Possuía uma energia e positividade contagiantes, que iluminavam o ambiente de trabalho. Seu sorriso e espontaneidade eram capazes de aliviar as tensões do dia a dia e re-calibrar o ambiente tornando-o mais leve e aprazível. Ele tinha uma maneira única de transformar ambientes sombrios em ambientes luminosos, em transmutar desafios em oportunidades, em tornar leves acontecimentos pesados. A sua atitude, a sua acção positiva era um marcador singular da sua identidade e um exemplo para todos nós. Sentimos falta da sua presença, da sua sabedoria e deontologia profissionais, mas, ao mesmo tempo, somos gratos por tudo o que ele nos ensinou, da sua herança e abertura perante o conhecimento, a educação, cultura e religiosidade. O seu legado, enquanto professor e no exercício do ministério sacerdotal, ressoará para sempre em nossos corações, perpetuando-se e reflectindo-se na nossa visão humanista e consciência dos valores espirituais educativos.»

No texto emocionado e emotivo que nos facultou, este doutorado em Ciências do Desporto pela Universidade da Madeira e antigo deputado à Assembleia Legislativa Regional pelo PSD, confessar-nos-ia ainda: «Só agora percebo a sua vontade de ser chamado de IRMÃO, só agora entendo o alcance e significado desta palavra. Esta assunção de que todos tivemos origem do mesmo pai, esta aproximação entre todos e a comunhão de tudo, este sentido de comunidade universal, este pulsar de justiça social traduz bem a simplicidade complexa do agir do Irmão». A terminar, escreve: «Ficarás e serás sempre um capítulo crítico no livro, da minha/nossa história educativa e de todo o “aprender” do Homem ético».

Maria Rita Abreu, professora de Francês, foi outra colega que testemunhou: «Ensinou com partilha e humildade, com valentia! Como era sábio este nosso professor, que marcou tantos e tantos alunos. Ainda hoje é citado, pelo valor e impacto que teve nos conselhos que dava… (…) formou, de forma espontânea, uns quantos jovens professores que chegavam à escola de Santana para trabalhar. Tantos de nós ouvimos as intervenções que fazia nos conselhos de turma e nos conselhos pedagógicos. Foram grandes lições de pedagogia, de correcção profissional e de sentido de dever. Eu fui uma delas. Ouvia, como se as suas palavras fossem lei e muito do que sou, enquanto professora, foi “ali” que fui buscar… aos momentos em que o colega “irmão” nos brindava com a sua sabedoria. Foi um privilégio ter-me cruzado com alguém com o mais alto grau de humanidade.»

Palavra e Vida entrelaçadas



António Ramos a celebrar: “No altar, como na vida, a todos, sem excepção, tratava por irmão/irmã”, diz Maria de Freitas Vieira, professora de Português. Foto: Direitos reservados.

Quem também testemunhou foi a professora de Português Maria de Freitas Vieira que, tendo sido colega de grupo do “irmão” Ramos, foi também sua aluna e suceder-lhe-ia como Delegada de grupo quando em Dezembro de 2002 o professor António Ramos Teixeira da Silva se aposentou. Num texto com o título “Paz e Bem!”, Maria Vieira começa por evocar «com saudade e reverência profundas, a época da meninice em que por viver no limiar de duas paróquias, [lhe] foi dado a conhecer o padre Ramos. Foi na capela de Santo António, no Sítio da Fajã Grande (Faial), localidade isolada, que ao domingo envergava a roupa de ir à missa e caminhava, respondendo ao apelo do sino», recordando: «No altar, como na vida, a todos, sem excepção, tratava por irmão/irmã e a cada um reservava uma palavra de alento, de encorajamento, de paz! Homílias simples francas. A Palavra e a Vida de mãos estreitamente entrelaçadas com as mais belas metáforas tecidas de que são feitas as vidas duras do campo: o trabalho da sementeira, a paciência do germinar, a esperança de uma colheita avultada, para não haver falta, fome, fraqueza!».

Escreve ainda Maria de Freitas Vieira: «Quando em Outubro do meu 7º ano, descobri que teria o padre Ramos como Professor de Português foi a alegria! Eu, que já acalentava um fervoroso gosto por ler, pela magia da palavra, encontrei nas suas aulas, novos autores, é certo! Mas a mesma simplicidade na condução da descoberta de pensamentos, ideias e sonhos, vivências de seres tão bons e humanos como cada humano que povoava as suas salas de aula. Porque para este mestre não havia maus alunos. Somente bons ou alguns apenas um pouco distraídos e irrequietos! A esses convidava, de vez em quando a ir até aos pátios observar a beleza dos canteiros ou a magnitude do céu e das montanhas envolventes. Nas suas aulas, também, foi enrubescendo a minha vontade de colaborar na nascença de outras vocações, de outras pessoas de bem!»

Maria Vieira, de seguida, recorda o momento em que se tornou colega do padre Ramos: «Recebeu-me de braços abertos quando integrei o Quadro Docente da Escola e soube, com a infinita paciência de quem não pretende ensinar, mostrar como o muito conhecimento que uma licenciatura confere pode ser ínfimo, se não formos capazes de ver em cada aluno um ser humano, portador de sonhos, apetências, laços, fragilidades, algumas pequenas misérias, também! Que não há casos perdidos! Foi meu delegado de grupo e as reuniões a que presidia com bonomia e franqueza, cordialidade e espírito de lealdade, acima de tudo, eram um prolongamento, em forma de eco, das celebrações dominicais e das aulas em que a análise de qualquer texto era inequívoca: todos podemos ser melhores, de preferência rodeados de boas amizades».

Por fim, a sua saída da Escola de Santana: «Com a aposentação, passou-me directamente o testemunho. Passei a desempenhar o cargo de delegada. Mal sonhava eu, então, com o quão bem me preparou! Por isso, quando desafiada a prestar depoimento do que foi a presença do padre professor Ramos na minha vida, pensei que tinha de ser fiel à simplicidade do seu registo e ocorreram-me as palavras Paz e Bem, como as que melhor se lhe adequam!»

“Irmão” não era retórica




Um opúsculo sobre o padre Ramos: «O “irmão” não era retórica, mas algo que transparecia em todas as suas palavras, no modo como se aproximava de nós», diz António Bernardino Ornelas, professor de Ciências e Matemática. Foto: Direitos reservados.

Por sua vez, António Bernardino Ornelas, professor de Ciências e Matemática, que, em meados da década de 1980, começou a ter «um contacto mais próximo com o “professor” Ramos porque, entretanto, colocado como pároco na freguesia vizinha do Faial, começa a exercer funções docentes na então Escola Preparatória de Santana, onde exercia», sublinha a importância do tipo de trato que o padre Ramos estabelecia no relacionamento com todos: «O “irmão”, como gostava de ser tratado e como tratava todos os demais, não era uma questão de retórica, mas algo que fazia transparecer em todas as suas palavras, no modo como se aproximava de nós, nos tratava, se despedia… sempre da forma mais genuína, atitude que também manifestava com os seus alunos (…). “Irmão”, palavra que representava a simbiose perfeita entre o “padre” e o “professor”, nas suas aceções mais humanistas, sem qualquer tipo de hierarquias subjacentes. Aliás, essa era a postura e a atitude que também manifestava no exercício dos cargos docentes (delegado) e da organização (comunidade educativa).»

No final do seu depoimento, recordando o já citado texto “Caboucos da Utopia” em que o padre Ramos historia o processo de implantação da escola na então freguesia de Santana, manifesta orgulho com o percurso da mesma, enquanto instituição, realçando o contributo de um dos seus percursores: «O “irmão” é um dos elementos que será sempre tido em consideração, também pela imagem que conseguiu criar e associar ao nome da Escola.»

Reconhecimento que, de resto, aquando da aposentação, a Escola fez questão de prestar-lhe, através de “público louvor”, sublinhando «com admiração e apreço, a capacidade de trabalho, a sua competência, o seu espírito construtivo, a sua sensatez, a sua solidariedade, o seu entusiasmo e o seu humanismo que pautaram a sua actividade na sua dedicação à causa da educação e a esta escola em particular.»

Unanimidade proveniente de diferentes quadrantes que repetir-se-ia quando faleceu. Na ocasião, a Junta de Freguesia do Faial (localidade onde foi pároco entre 1983 e 2002) relevou que «foram duas décadas de efervescência pastoral, social e cultural», destacando a criação de um grupo coral infantil e de o salão paroquial se ter tornado «centro de actividades de catequese, representações teatrais e convívios, com a juventude, dos anos oitenta e noventa, a encontrar espaço de crescimento, convívio e formação».

No comunicado tornado público, aquele órgão do poder local enalteceu ainda que «centenas de pessoas foram marcadas pelo seu bom feitio, abertura, aceitação de todos, sem excepção e por uma visão humanamente aberta. Valores e atitudes que cultivou e cuja prática incentivou».

Um exemplo de alegria e de fidelidade



“Em Agosto de 2016, no livro que a Paróquia do Piquinho – Caramanchão editou em sua homenagem, sobressaía a referência a uma marca do exercício do seu múnus sacerdotal: «É bonito vermos que a casa paroquial tem sempre a porta aberta, sinal de que está sempre pronto para atender e conversar com quem quer que seja.»”. Foto: Direitos reservados.

Seis anos antes, em Agosto de 2016, no livro que a Paróquia do Piquinho – Caramanchão editou em sua homenagem, sobressaía a referência a uma marca do exercício do seu múnus sacerdotal: «É bonito vermos que a casa paroquial tem sempre a porta aberta, sinal de que está sempre pronto para atender e conversar com quem quer que seja. Desde sempre marcou as pessoas pelo facto de estar junto delas e tratá-las por irmãos», ao mesmo tempo que eram enaltecidas as suas características e qualidades pessoais: «É verdadeiramente um irmão que temos tido durante estes quase doze anos. Tem sido um pastor muito presente e preocupado sempre com as famílias, os problemas da sociedade e da comunidade também (…) O padre Ramos ou o irmão Ramos tem sido uma figura muito importante para toda a comunidade. É um exemplo de alegria e de fidelidade ao seu ministério de entrega total a Deus e ao Povo que lhe foi confiado. Todas as pessoas são unânimes em afirmar que o padre Ramos é atento, com bom coração e amigo de todos. É o nosso irmão Ramos!».

José Martins Júnior, no blogue “Senso@Consenso”, num curto texto de 27 de Dezembro de 2022, sob o título «O “25” no “27”, referir-se-ia ao passamento do padre Ramos, escrevendo: «Por coincidência, o silêncio cobriu o céu chuvoso de Machico quando, na manhã do 25, se espalhou a notícia da morte do “Grande Irmão”, o Padre António Ramos, pároco de Piquinho e Preces. Meu Colega no Seminário, meu Camarada – Capelão Militar, meu Confrade e Vizinho, ‘porta com porta’ entre Ribeira Seca, Caramanchão e Ribeira Grande. Do muito que conversávamos sobre o futuro incerto da Igreja na Madeira, tudo quanto do meu apreço e amizade já lho disse em vida.»

Confrontado com esse curto texto e desafiado a reflectir sobre o percurso de António Ramos Teixeira da Silva, o padre Martins consideraria, pouco tempo antes de morrer ele próprio, no dia 12 de Junho último: «No seu múnus sacerdotal, embora não primasse pela combatividade aparente, no entanto guardava no seu íntimo um acurado sentido crítico perante a condução diocesana da pedagogia catequética e da prática religiosa na Madeira. Foi o que lhe reconheci, quando paroquiou as duas igrejas de Piquinho e Preces, circunvizinhas da minha paróquia da Ribeira Seca, nos últimos anos de convívio mais assíduo.»

“Só mercearia, peditórios, festas e confissões”



Padre José Martins Júnior sobre o colega António Ramos: «Era um homem sensível e atento aos Sinais dos Tempos, na linha do Vaticano II, preocupado com o modus vivendi do cristianismo regional, tão superficial e tão diverso do Evangelho proclamado por Jesus.» Foto © António Marujo/7MARGENS.


Como exemplo desse «acurado sentido crítico», Martins Júnior contar-nos-ia: «Notei que o amigo Padre Ramos raramente participava nas reuniões mensais do arciprestado de Santa Cruz e Machico, a que pertencíamos, as quais eram presididas e orientadas pelo bispo da diocese. Perguntei-lhe o porquê de só comparecer no Piquinho e na Ribeira Seca. E a resposta foi pronta, serena, mas firme: “Oh Martins, o que é que eu vou lá fazer? Não se aprende nada. Só mercearia, tabelas e peditórios de dinheiro, horário de festas, data das confissões auriculares pelo Natal e pela Páscoa. Não perco tempo com isso”». O ex-pároco da Ribeira Seca, acrescentaria: «E foi com muito apreço e redobrada atenção que lhe ouvi falar abertamente, numa dessas reuniões, diante de todos os colegas: “Onde é que estão os grandes problemas das nossas paróquias? Quando é que se vai falar da juventude, das situações de droga, desvios comportamentais, da pobreza, do crescente abandono das nossas igrejas, etc., etc.?!”».

Daí que Martins Júnior não hesitasse: «Era um homem sensível e atento aos Sinais dos Tempos, na linha do Vaticano II, preocupado com o modus vivendi do cristianismo regional, tão superficial e tão diverso do Evangelho proclamado por Jesus.» Por fim, o antigo pároco do Porto Santo e professor do Liceu do Funchal, recordou: «Jamais esquecerei o discurso, eloquente e sentido, que fez na igreja da Ribeira Seca, por ocasião da solene homenagem ao grande e coerente Padre Mário Tavares Figueira , de saudosa memória» (o «preito de gratidão e saudade» ao antigo pároco de São Tiago, na freguesia do Jardim da Serra, foi-lhe prestado a 5 de Julho de 2020, 30 dias após a sua morte, pela comunidade da Ribeira Seca, em sinal de reconhecimento pela colaboração dada nas ausências do pároco, Martins Júnior).

O próprio ex-presidente do Governo regional – que em Outubro de 1979 não permitira que o padre Ramos desempenhasse funções no conselho directivo da Escola da Ribeira Brava –, aquando do seu falecimento, escreveria no antigo Twitter: «Partiu na manhã de Natal, tão Lhe adequada [sic]. Progressista, culto, foi o IRMÃO como todos O tratávamos e considerávamos. Como na Igreja de Cristo, acolhia todos, resolvia problemas, a ninguém hostilizava, não se exibia, não tinha complexos. Abraço forte, Irmão.»

Em jeito de síntese, o conterrâneo e amigo António Baptista Rosa disse-nos que o Padre, o Irmão Ramos herdou o carácter e a personalidade do pai – um pequeno agricultor e comerciante de gado – e que personificava na plenitude a essência de um Homem Bom. Praticava, ao fim e ao cabo, «a proximidade, a vizinhança» de que falava o Papa Francisco, em 2013, em entrevista a La Civiltà Cattolica.

*António Henrique Sampaio foi militante da Juventude Operária Católica e redactor d’O Comércio do Funchal. Subtítulos da responsabilidade do 7MARGENS.