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terça-feira, 19 de novembro de 2024

A contextualização da Palavra


Domingo 16 de Novembro. Igreja da Paróquia de São José, no Funchal. Ali assisti a um importante momento de contextualização da Palavra. 

Na esteira da Encíclica "Laudato Si" - os cuidados que a todos compete com com a "casa comum" - após as leituras e o Evangelho daquele Domingo, o Padre José Luís Rodrigues deu a palavra ao Engenheiro Doutor João Baptista.

A igreja estava repleta de fiéis e ali falou, num irrepreensível silêncio, sobre as grandes preocupações com o ambiente. Seguiu a linha de pensamento do Papa: "A humanidade é chamada a tomar consciência da necessidade de mudar o seu estilo de vida, de produção e de consumo, para combater este aquecimento ou, pelo menos, as causas humanas que o provocam ou agravam". Daí os desastres que a Madeira tem sofrido, as aluviões, os incêndios, a ausência de planeamento consistente e suas consequências, narrando, por aí, todas as causas que estão a fragilizar estas ilhas atlânticas.

Foi uma lição e um chamamento para a realidade que todos sentimos. O ritual da Missa foi, claramente, enriquecido, pela introdução, repito, da contextualização da Palavra na vida real. 

Parabéns Padre José Luís e ao Engenheiro João Baptista. Que excelente momento de reflexão!

Ilustração: Arquivo próprio.

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

PADRE JOSÉ MARTINS JÚNIOR - Festa de aniversário e lançamento do livro "O Canto do Melro"


Ontem, assisti ao lançamento do livro "O Canto do Melro", escrito pela Historiadora e Professora Universitária Raquel Varela e editado pela Bertrand Editora. A figura central: Padre José Martins Júnior. Foi um fim de tarde absolutamente memorável. Pela música, pela poesia e pelas notáveis intervenções que escutei. Fiquei, acreditem, de coração cheio, pelo meu distinto Amigo e pela festa do povo ao seu corajoso líder.

Hoje, deixo aqui o canto de "parabéns", as tunas de bandolins, a poesia e as intervenções que escutei. Uma só palavra: FANTÁSTICO!

Convido-vos a seguir.

Ilustração: Arquivo próprio

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

"A Igreja perdeu o inferno, o céu vai pelo mesmo caminho" - JLR


Nunca simpatizei com as atitudes de subserviência, porque sempre destrincei o respeito, mesmo o que se prende com a hierarquia, com a atitude de submissão, por bajulação, medo, calculismo e, pior ainda, por demissão relativamente ao mister que desempenhamos. Aquela atitude que configura "o não vale a pena", os braços caídos, a incapacidade de dar voz aos que não a têm, mexe comigo, porque mexe com o meu entendimento do que é a liberdade de pensamento. Não tenho qualquer afinidade pela rotina, pelo marasmo e pelo deixa andar. Serve-se de corpo inteiro, com as convicções que nos alimentam, com os princípios e os valores que nos animam, jamais através dos múltiplos e estratégicos silêncios que conduzem à ausência do poder da reflexão. 



Há momentos que o silêncio se impõe, porque ele próprio pode ser decisivo, em outros, é o Grito de Munch que abana, desconstrói e ajuda a recentrar ou juntar as peças do caos.

Sobre o que aqui me traz, diz-se que "o silêncio ajuda a ouvir a palavra de Deus", mas quando o contexto em que se vive é, deliberadamente ou por omissão, ofensiva da Palavra, daquela Mensagem que emana de Cristo, só há um caminho a seguir, a da reflexão libertadora em alta voz.

É claro que o poder político adora a humilhação da Igreja, trazendo-a pela trela. E a Igreja, ao invés de o colocar em sentido, amocha, faz-lhe vénia, autocensura-se ou assobia para o lado. É, por isso, que do púlpito, muitas vezes vejo braços a se abrirem ao jeito de quem assume: "em verdade vos digo que não acredito no que digo". O que significa negar-se, passando ao lado da desumanidade e dos direitos do Homem. Porque não existe nem interessa debater ou alertar para uma outra dimensão no quadro de um projecto colectivo que aglutine o conjunto do corpo social.

Perguntar-me-ão, mas onde quero chegar com estas palavras? A resposta é simples: aos padres e aos leigos que, batendo no peito, gerem o silêncio cúmplice que ajuda a afundar os princípios e os valores pelos quais Cristo se bateu. Felizmente, não é o caso do Padre José Luís Rodrigues. Eu li a sua "Carta Aberta aos padres e leigos da Diocese do Funchal" . Não é a primeira nem será, certamente, neste contexto e em outros que o meu Amigo Padre levantará a sua voz, contundente, assertiva, provocadora ou melhor, despertadora de almas adormecidas no seio "da casta dos privilegiados".

Eis as suas palavras, qual grito que vem das entranhas ao serviço da sua missão: que saltem os "(...) metidos por aí na betonagem do social da religião e da região (porque) tornamo-nos massa da mesma massa e encaixamo-nos na engrenagem das dependências do poder político e religioso dominantes. Não esclarecemos ninguém, não dizemos não quando a dignidade humana também se faz com a proclamação do dizer não diante do que não serve a justiça e o bem comum. E diante das coisas deitamo-nos à preguiça do pensamento para deixar a obediência cega comandar os nossos passos. (...) Este cancro é um veneno que alimenta o clericalismo. A assunção das diferenças são combatidas e levam ao isolamento, ao descarte e à falta de fraternidade. E são poucos os que resistem a este estatuto. Não devemos aceitar esta lógica. Porque se pregamos que as qualidades do ver, do ouvir e do falar, são dons maravilhosos concedidos por Deus, na realidade, a larga maior se demite de os usar com alegria e entusiasmo corajoso. (...) Que cristãos e que sacerdotes tem Jesus diante de Si neste tempo histórico que vivemos? – Se lhes falta coragem e a ousia, que Reino pode ser vivido e anunciado... A meu ver andamos fora do essencial. E se almejando ser um corpo como se prega, deve implicar sermos todos iguais nas circunstâncias, sem deixar de valorizar a personalidade própria, assumindo sem medo a liberdade de pensar pela sua própria cabeça. (...)"

Pois é, Padre. Vivemos um tempo difícil, de grandes assimetrias, de corrupção, de múltiplas pobrezas, de suicídio, de jovens à nora e de continuadas iliteracias. Um tempo onde olhamos em redor e vemos tanta canga e baile pesado com os narizes quase colados ao joelho. Não basta a tese do "Cristo comunicador perfeito", mas a consequência de uma ruptura com esta vidinha acomodada, porque silenciada, onde as homilias não agregam, antes são geradoras de pena e desalento.

Parabéns meu querido Amigo Padre José Luís Rodrigues. São pessoas como o Senhor que ainda nos fazem acreditar que é possível um mundo melhor nesta nossa curta passagem pela vida. Lembro-me ter escrito que "A Igreja perdeu o inferno e que o céu vai pelo mesmo caminho". A hierarquia certamente que percebeu a sua mensagem, porém, preferiu refugiar-se nos penosos labirintos de um Paço sem pensamento!

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Porque hoje é Sábado... tudo está a funcionar!


Triste sina a dos insulanos da Madeira. Quando escutei as declarações do Senhor Representante da República sobre uma eventual crise política, em função de uma "moção de censura" apresentada por um partido, passou por mim aquele notável poema de Vinicius de Moraes, "O Dia da Criação".


Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
(...)
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
(...) porque hoje é Sábado, amanhã é Domingo!


A variante política do Senhor Representante da República traz um pouco os sons e o canto de Vinicius:

"(...) Continuamos a ter barcos no porto, aviões a aterrar, os hotéis a funcionar, os percursos pedestres a funcionar, a economia e os nossos restaurantes a funcionar, está tudo a funcionar (...)".

Talvez seja a minha consciência social que não esteja a funcionar e, talvez, "não há como o tempo para passar". O problema é que não passa, ilustre Representante da República (que mal que isto me soa no quadro da Autonomia). A pobreza está a tornar-se paisagem, os processos, alegadamente criminais, estão aí aos olhos de todos, muitos empresários andam aflitos, milhares de jovens não estudam nem trabalham, a escola virou armazém, 84% dos professores desejam aposentar-se e poucos desejam lá entrar, o sistema de saúde soçobra, a economia paralela cresce, o biscate substituiu a vontade de trabalhar com deveres e com direitos, as dependências, químicas e outras, estão de vento em popa, matando lenta mas seguramente jovens e menos jovens, os suicídios tomaram proporções alarmantes, a violência, não apenas no seio das famílias, galopa sem freio, as assimetrias culturais são arrepiantes, o turismo, pelo que se lê, tem muito que se lhe diga, porém, tudo está "funcionando regularmente", embora sejam evidentes as tonalidades sombrias e trágicas da vida política insulana.

Com todo o respeito que nutro pela figura do Senhor Juiz Conselheiro, politicamente, é-me difícil aceitar a sua tarefa Constitucional. A quem me pergunta se estou bem, normalmente, com o pouco humor que tenho, respondo: funciono! Mas isso sou eu. Só que, o drama é este, para o colectivo "o tempo está a passar" o que obriga a que ninguém assobie para o lado, não confunda o bem-estar de uns com o da generalidade da população, tampouco com declarações que "fogem a essa dura realidade". O tempo exige distanciamento, coragem, inteligência, frontalidade, capacidade de decisão e nunca a aplicação de uma espécie de penso rápido nas feridas que são, notoriamente, profundas e dolorosas. O apelo à "serenidade" apenas traz no seu bojo a continuidade da dor. Mas, enfim, mesmo que a "moção de censura" me passe ao lado, como enaltece Vinicius...

Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado
E há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado (...)

Hoje, Segunda, serenamente, vou escutar o "Dia da Criação". Como sublimação ou mecanismo de defesa, bálsamo e sensação de alívio. 

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Brasil e BRICS+


Por

O Brasil e a Índia são muito reticentes sobre a composição futura dos BRICS e não alinham numa “aliança anti-Ocidente”, privilegiando a qualidade à quantidade.



A Presidência do Brasil

1. O Brasil assume a Presidência dos BRICS+, por um ano, a partir de 1 de Janeiro de 2025. O desempenho da Presidência é um direito atribuído a cada um dos países-membros, segundo normas estabelecidas no seio do grupo para o exercício dessa função, pelo período de um ano e de forma rotativa. O Brasil, para cumprir as regras, deveria ter assumido a Presidência dos BRICS em 2024, mas como, em simultâneo, detinha a Presidência do G20, solicitou adiamento de um ano e, em seu lugar, avançou a Rússia. Aliás, o Brasil já exercera essa função, em 2019, com Bolsonaro no poder.

Lula da Silva, que não esteve presente, fisicamente, na 16ª Cimeira dos BRICS, realizada em Kazan/Rússia entre 22 e 24 de Outubro 2024 (alegadamente por motivos de saúde), na sua intervenção por videoconferência, dirigida à sessão plenária de líderes, aproveitou para lançar o lema da Presidência do Brasil para 2025: “Fortalecimento da cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável”. Um lema que é um “mundo”…

Aproveita ainda a ocasião para avançar temas muito “caros” ao Brasil, a abordar durante a Presidência, entre eles, a reforma da governança global e o desenvolvimento sustentável, fazendo aqui uma ligação com o G20 onde colocou grande enfoque nestas temáticas, bem como a desdolarização das economias, nomeadamente entre os países BRICS, (na opinião do Brasil, a avançar com demasiada lentidão) e a luta por um mundo multipolar.

O grande trabalho do Brasil na Presidência dos BRICS vai concentrar-se, em termos de tempo, sobretudo no primeiro semestre, uma vez que recebe no segundo a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30). Lula da Silva está muito empenhado nesta realização das Nações Unidas, uma vez que o meio ambiente constitui uma grande aposta sua, neste 3º mandato de Presidente do Brasil.

No entanto, no segundo semestre, haverá espaço e tempo, penso eu, para a organização da Cimeira dos BRICS (a 17ª) que costuma simbolizar o fecho nobre de cada Presidência. Aliás, o último ponto da declaração conjunta da Cimeira de Kazan é bem claro a este respeito: Estendemos total apoio ao Brasil em sua presidência do BRICS em 2025 e na realização da XVII Cúpula do BRICS no Brasil (tradução brasileira).

A 16ª Cimeira Kazan/Rússia – curto Balanço

2. Esta 16ª Cimeira foi a primeira, pós o alargamento, que conta agora 9/10 países membros (os cinco BRICS, mais Egipto, Irão, Etiópia, Emiratos Árabes Unidos (9) e Arábia Saudita, que ainda não completou a adesão). Em 2024, a Rússia presidiu aos BRICS e, entre outras iniciativas, organizou a 16ª Cimeira, cuja preparação é muito trabalhosa, nomeadamente a declaração final, pelos afinamentos específicos que exige.

A declaração de Kazan contém 134 pontos, organizados segundo três itens, onde a palavra COOPERAÇÃO é bem marcante: aprofundamento da cooperação para a estabilidade e segurança global e regional; promoção da cooperação económica e financeira para um desenvolvimento global justo; fortalecimento do intercâmbio entre pessoas para o desenvolvimento social e económico. Esta declaração, por sua vez, é encimada pelo Fortalecimento do MULTILATERALISMO para o desenvolvimento e a segurança globais justos.

A Cimeira contou com a presença de líderes ou representantes de 36 países, entre eles, a Turquia, país da Nato, que solicitou adesão aos BRICS. O foco daquela incidiu sobre o prosseguimento na procura de um sistema alternativo de Pagamento Internacional que a vingar levará a prazo ao enfraquecimento do poder dos países do Ocidente na economia mundial e, designadamente do dólar, como arma política, frequentemente usada.

Aliás, o grupo dos BRICS tem uma história interessante neste século XXI. Nasceu e continua a desenvolver-se em contraponto ao Ocidente por este não reconhecer, nem respeitar o peso do grupo na economia Mundo, impossibilitando-lhe a participação, em termos adequados, em Instituições como o Banco Mundial, FMI, Conselho de Segurança da ONU.

O que une países tão díspares entre si sob múltiplos campos é, na realidade, “a desconsideração” com que o Ocidente os trata. Os BRICS entendem que incorporam o (res)sentimento do Sul Global e, nesse sentido, batem-se contra esta discriminação, procurando construir alternativas em bases de funcionamento diferentes.

Guterres participou e bem na Cimeira dos BRICS+

A viagem de Guterres a Kazan mereceu a reprovação da Ucrânia por nessa Cimeira participar Putin e a Rússia deter a Presidência. Mas, os BRICS são muito mais que Putin, embora esta Cimeira, não se nega, tenha tido um significado especial para Putin. Recebeu em território russo vários chefes de estado e primeiros-ministros, o que nos EUA e União Europeia fez mossa e com muitos deles teve reuniões bilaterais.

Os BRICS assumem, sem dúvida, uma dimensão demográfica, económica, social e política no Mundo, que a ONU não pode esquecer, nem secundarizar. Aliás, estes países sentem-se demasiado ostracizados pelo Ocidente e a ONU, no seu sentido dos equilíbrios, fez bem em fazer-se representar e agir em conformidade.

António Guterres cumpriu a sua função, tanto que, ao dirigir-se à Cimeira dos BRICS, fez o apelo acertado ao fim imediato da guerra na Ucrânia, dizendo: “precisamos de paz na Ucrânia, uma paz justa em conformidade com a Carta das Nações Unidas, o direito internacional e as resoluções da Assembleia Geral”.

Sobre a guerra também Xi Jinping referiu: “a China e o Brasil apresentaram um plano de paz para a Ucrânia e procuraram um apoio internacional mais alargado. A Ucrânia rejeitou”.

Critérios de adesão aos BRICS

A adesão aos BRICS foi um ponto-chave desta Cimeira, como já o tinha sido na anterior. Havia várias candidaturas. A adesão depende de quem desempenha a Presidência endereçar convite a países que manifestaram interesse: 13 países, entre eles a Turquia, a Indonésia e o Vietname foram convidados, não para uma adesão plena, mas na qualidade de Estados Parceiros, uma nova formalização que não dá entrada plena nos BRICS.

O alargamento é uma matéria sensível e o grupo ainda não conseguiu especificar os requisitos de aceitação. Há discordâncias e receios. Uma área onde se avança com pinças. O Brasil e a Índia são muito reticentes sobre a composição futura dos BRICS. Sabemos que o Brasil vetou o convite de parceria à Venezuela e Nicarágua. Índia e Brasil não alinham numa “aliança anti-Ocidente” e privilegiam a qualidade à quantidade. Certamente irá continuar a predominar o critério do entendimento comum na adesão.

Surgiu, neste contexto, a modalidade de país-parceiro, um conceito ainda ambíguo, que poderá trazer algum conforto a muitos países candidatos, pois podem participar e ser ouvidos. Entendem os líderes dos BRICS que a parceria com os países em desenvolvimento levará a um aprofundamento da cooperação internacional. A unidade entre os BRICS e os parceiros é uma tarefa árdua e a fazer-se sem pressas. Uma modalidade a requerer uma tessitura muito cuidadosa.

Nota final. Quando este artigo for divulgado, estaremos certamente no apuramento ou rescaldo dos resultados das eleições americanas. Para John Bolton, ex-conselheiro da Segurança Nacional na Casa Branca, “Putin e Xi Jinping olham para Trump como um idiota útil”. Aqui deixo a pergunta. E se este idiota útil ganha as eleições? Até os BRICS serão ‘abalados’.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Memórias de Abril (2): A ocupação do seminário e o bispo da Diocese


A queda do regime fascista em 25 de Abril de 1974 desencadeou em todo país, no ano lectivo subsequente (74-75), um aumento substancial no número de alunos inscritos nos diferentes estabelecimentos de ensino. Um facto que também se verificaria na Madeira.



Na edição de 17 de Outubro de 74, o “DN” local noticiara que as aulas começariam na semana seguinte, com 3.314 alunos matriculados no Liceu e 2.970 na Escola Industrial e Comercial do Funchal. Porém, no dia 30 desse mês, o matutino funchalense publicaria um comunicado da Comissão de Gestão do Liceu, no qual “lamenta que, ao contrário do que foi anunciado, a abertura das aulas não poderá realizar-se na data que foi indicada”, apontando como razões: “a) a impossibilidade de ser cedido o edifício do Seminário Menor, apesar de todos os esforços realizados pela Junta Geral do Distrito no sentido do seu aluguer; b) a negativa do Colégio de Santa Teresinha ante o pedido de cedência de algumas salas de aula; c) após a elaboração dos horários ter-se verificado não serem suficientes as várias salas do edifício do Liceu, conforme estabeleciam as normas da Direcção-Geral da Administração Escolar” (faltavam salas para 6 turmas na parte da manhã e para 7 à tarde).

As diligências da Junta Geral junto da Diocese e do respectivo prelado tinham-se iniciado ainda durante a presidência do eng. Rui Vieira (seria substituído em Agosto pelo dr. António Loja) e decorriam do facto do edifício do Seminário se encontrar devoluto desde Maio e estar apetrechado com salas de aulas, laboratório, museu de história natural e dispor de terrenos para recreio e campos de jogos.

E é precisamente a 30 de Outubro, após uma reunião efectuada no Ginásio do Liceu, que os estudantes decidem dirigir-se para o Seminário Menor e proceder à sua ocupação.

Segundo o órgão da diocese, “Jornal da Madeira” (edição de 31 de Outubro), o bispo “havia já determinado que os vários organismos de leigos, as várias comissões diocesanas e os serviços da Câmara Eclesiástica iriam concentrar-se no edifício da Calçada da Encarnação, propriedade da Diocese”, adiantando que “a ocupação da propriedade privada compromete a livre acção da Igreja no Distrito do Funchal”. Uma argumentação que a própria peça jornalística se encarregaria de desfazer quando, aludindo às diligências da Junta Geral no sentido do aluguer do edifício, sublinha que a Diocese “recusou, tendo sugerido a hipótese de venda”. Ou seja, a Diocese e o seu titular, Francisco Santana, ao mesmo tempo que proclamavam necessitar do edifício, recusando-se a alugá-lo, estavam disponíveis a vendê-lo. Isto é, queriam fazer um negócio mais proveitoso!

“JM” – cujo director passara a ser, a partir de 29/10, o até então destacado colaborador do semanário “Voz da Madeira”, Alberto João Cardoso Gonçalves Jardim – que, reportando-se à ocupação, denunciava ter o bispo sido “feito prisioneiro, insultado e vítima de tentativa de agressão” – acusação que o insuspeito Luís Filipe Malheiro, à época estudante do Liceu e colaborador da secção desportiva do jornal, desmentiria categoricamente. O mesmo faria a Comissão de Alunos, afirmando: “o Bispo mentiu, o Jornal mentiu”. O prelado, por sua vez, através de Carta, acusaria: “Fui insultado durante 12 horas, martírio tipo chinês, para me cansarem e desfazerem a resistência”, negando simultaneamente que tivesse negociado “nada”, limitando-se a exigir o abandono do edifício ocupado, acabando por entregá-lo “ao cuidado das Forças Armadas”. E recorrendo ao estilo que o caracterizaria, F. Santana aludiria à “ameaça marxista”, escrevendo: “assaltaram e ocuparam, obedientes a dirigentes adultos de partidos comunistas de vário género (…) O acontecimento do Seminário da Encarnação veio somente confirmar à evidência o perigo gravíssimo em que o povo português está envolvido, estando a ser reaccionariamente obrigado a submeter-se ao totalitarismo marxista”.

No dia seguinte (1 de Novembro), o CTIM (Comando Territorial Independente da Madeira), através de comunicado, revelava ter sido obtido um “entendimento” entre as partes, nos termos do qual o edifício do Seminário seria entregue à Junta Geral para “instalações escolares”. Tentando inverter o rumo dos acontecimentos, e numa clara tentativa de revanche, nas missas rezadas no «dia-de-todos-os-santos», foi lida uma “Convocatória” apelando ao “cristão católico” para comparecer nesse dia, 1/11, pelas 16 horas, no Largo da Sé, “para mostrar o desacordo, junto das F. Armadas e exigir a entrega imediata à Diocese do Seminário”.

A «indignação», o desagravo dos “cristãos católicos” expressava-se nestes termos: “Querem tirar-nos o Seminário da Encarnação, alegando falsas razões. O nosso bispo foi obrigado a ceder (…) Precisamos do S. Menor!!!Não está desocupado como afirmaram” – nalgumas igrejas “os párocos informaram que se encontravam à disposição dos católicos madeirenses autocarros que os transportariam ao Funchal”, tendo o programador da Estação Rádio da Madeira interrompido a transmissão da missa da paróquia dos Álamos, pelo “reaccionarismo de que se revestia o comentário feito pelo pároco”.

Em reacção, os estudantes e movimentos e partidos políticos, como a UPM, a FPDM, o PS e o PCP, apelaram à vigilância “contra mais esta manobra reaccionária”.

O risco de confronto físico, como sublinharia a reportagem do “DN”, esteve eminente, entre «os “católicos madeirenses” e os contra-manifestantes, na sua maioria, também católicos».

Entretanto, o bispo apressar-se-ia a declinar responsabilidades na citada “convocatória”, tornando público um comunicado em que declarava: “não convoquei nem organizei qualquer movimento de católicos, que se realizou por iniciativa livre e consciente do grupo (que havia recebido de manhã no Paço Episcopal) como prova pública de apoio ao seu Bispo”, adiantando, contudo, de imediato: “apoio incondicionalmente a iniciativa, reconhecendo-lhes o direito de se reunirem e livremente exprimirem o sentir da Diocese, profundamente ferida com os recentes acontecimentos no Seminário da Encarnação e no «JM». De facto, foi violentada a consciência católica do Povo madeirense”. E, no final, o bispo não resistiu a lançar mais achas para a fogueira que vinha alimentando: “as tentativas de perturbação da ordem pública, verificadas junto à Sé, foram da exclusiva responsabilidade de provocadores, no intuito evidente de perturbar a participação do Povo, na celebração eucarística que decorria no templo, significando a unidade desta Diocese, à volta do seu Bispo. Assim, se veio juntar um novo agravo à consciência católica do Povo da Madeira”.

A 3/11, o director do “DN”, o jornalista, sociólogo e padre José Manuel Paquete de Oliveira, sob o título “Está criada uma grave situação”, não pouparia nas palavras, escrevendo: “Não está certo que, servindo-se da sentimentalidade religiosa do povo madeirense se coloque em pé de guerra irmãos de irmãos da mesma terra. Que se pretende: construir aqui uma Irlanda? Terçar armas e bandeiras para fazer «cruzadas» ou «guerras santas» da Idade Média?

“O espectáculo verificado é o índice mais significativo do sub-desenvolvimento religioso do nosso povo, fruto do sub-desenvolvimento mental e sócio-económico em que vive. Abusar deste «estado de espírito» para estigmatizar no «comunismo» o fantasma dum inimigo-papão é acto de um reaccionarismo inqualificável”.

E o antigo vice-reitor do Seminário Menor, acrescentaria: “Abusou-se dos sentimentos do povo simples e abusou-se do nome dos cristãos católicos de consciente lucidez de espírito que, em verdade, ali não estavam – as fotografias e os milhares de pessoas que viram a manifestação o comprovam – porque, mesmo não concordando na ocupação do Seminário, não poderiam concordar com aquela manifestação, semente de ódio e guerra”.

Registe-se ainda que, na ocasião, a própria Comissão Coordenadora do Funchal do PPD – onde o auto-intitulado «único importante» era então uma figura menor – declararia que “não enjeita o princípio do respeito pela propriedade privada que defende nas linhas programáticas do seu ideário, mas também não esquece o elevado conceito da função social da propriedade desde há longos anos aceite e prosseguido por todas as sociedades civilizadas”, rematando: ”E na conjuntura, entende o PPD que a Igreja, seu bispo e demais representantes têm uma bela oportunidade de exemplificação prática das suas doutrinas, na justa ponderação do «estado de quase necessidade legal» com que se debate o ensino na nossa ilha e da função social que, mais que todos, devem prosseguir no uso da propriedade privada e da liberdade democrática”.

Recorde-se, por outro lado, que, por exemplo, em Almada, em Novembro, alunos do liceu local tentaram, também, ocupar o Seminário da localidade, precisamente pelo mesmo motivo: a carência de instalações do respectivo Liceu.

Confrontado com o problema, o Ministério da Educação e Cultura entabulou contactos com o Patriarcado de Lisboa e com a direcção do Seminário, tendo sido assegurada a cedência gratuita de parte das instalações do referido edifício, de modo a permitir que nele funcionem aulas, em regime de desdobramento, para cerca de 500 alunos, competindo ao ministério custear as despesas de instalação, de conservação e de funcionamento – uma utilização que se prolongaria até ao final do referido ano escolar, cessando nessa data.

O contraste era por demais evidente. Na ocasião, aliás, o Patriarcado de Lisboa tornou público estar aberto ao diálogo para colaborar na resolução de problemas concretos das comunidades locais. Já o vinha fazendo em Santarém, onde parte do edifício do Seminário desde há quatro anos vinha sendo gratuitamente utilizado para “escolas primárias oficiais”.

Como é sabido, posteriormente, entre 1976 e 2004, no Seminário da Encarnação foi instalada a Escola Preparatória Bartolomeu Perestrelo, tendo em 2005 o imóvel sido devolvido à Diocese que não lhe deu qualquer uso, deixando-o ao completo e total abandono, à sua degradação durante quase vinte anos, sem encontrar uma solução que o colocasse ao serviço do bem comum. Provou-se que a alegada necessidade do espaço constituía uma tremenda e descarada falácia. Até que em 2024, a Diocese cumpriu com a vontade manifestada em 1974: fez o negócio desejado e vendeu-o! O valor não foi revelado e as obras prometidas para o Seminário, sito à Rua do Jasmineiro, a efectuar com o dinheiro da venda, não saíram do papel.

Escassos dias após o confronto pela utilização do Seminário, o bispo do Funchal envolve-se em novo conflito. A 6 de Novembro, “JM” divulga uma “Nota da Secretaria Episcopal” revelando que “desde ontem, dia 5/11, o Pe. José Martins Júnior deixou de ser pároco da Paróquia da Ribeira Seca, Arciprestado de Machico”.

Em causa, a acusação do envolvimento de Martins Júnior na actividade do Centro de Informação Popular de Machico, designadamente de “abusivamente ter ido a Paróquias confiadas a outros sacerdotes e utilizar locais e instalações sonoras para comícios e reuniões de carácter político”.

Inconformados com a intransigência do bispo, os paroquianos da Ribeira Seca declarar-se-iam “independentes da Diocese, não reconhecendo a autoridade do bispo, enquanto este não aceitasse a vontade popular”.

E, enquanto o bispo afirmava que “não há qualquer sanção disciplinar sobre o ex-pároco” e que “se trata apenas de movimento de um sacerdote duma para outra paróquia ou para outro serviço diocesano”, o gabinete de informação da diocese enaltecia que “foram recebidos inúmeros telefonemas de incondicional apoio ao Prelado da Diocese e, inclusivamente, da própria Ribeira Seca”.

Por sua vez, o CIP, em carta aberta, acusaria o bispo de “cobardia, desonestidade e inquisição”. Bispo que, tal como fizera com os estudantes do Liceu, não só recusar-se-ia a dialogar, como para acicatar ainda mais os ânimos, promoveria um abaixo-assinado em que instava o povo de Machico a manifestar-lhe “total confiança e incondicional apoio”.

À luz da Concordata, celebrada entre o Vaticano e o Estado Novo, a nomeação pela Santa Sé de um qualquer novo bispo implicava que, antecipadamente, o Núncio Apostólico em Portugal indagasse a opinião do governo português sobre os nomes dos prelados que estivessem na forja – Salazar considerava que “era importante ter uma palavra a dizer antes da nomeação dos bispos”. Um procedimento que Marcelo Caetano manteve, tanto mais que com o intensificar da contestação ao prosseguimento da guerra colonial no seio da própria Igreja Católica era, para o regime, fundamental evitar que, por essa via, pudesse ser aberta a menor brecha. Obtida a concordância do governo português de que “não há objecções de carácter político geral”, o Papa nomeava o prelado em questão.

Ora, é neste enquadramento político que se processou a nomeação do sucessor de D. João Saraiva. Francisco Santana foi nomeado a 18 de Março de 1974 e ordenado a 21 de Abril. Tinha sido desde 1960 Director Nacional do Apostolado do Mar (organização «Stella Maris»), ficando com a responsabilidade da assistência aos marítimos nos portos portugueses do Continente, Ilhas e Ultramar e ainda chefe dos capelães de bordo – não por acaso, entre os presentes na cerimónia da sua ordenação na Sé Patriarcal de Lisboa, sobressaía o almirante Henrique dos Santos Tenreiro, uma figura de proa dos ultras do regime, com quem mantinha uma relação de proximidade por via de estarem ligados ao mesmo sector, o mar.

Bispo que, ao chegar ao Funchal a 12 de Maio, tomaria duas atitudes de claro significado político: apoiou a orientação do “Jornal da Madeira” que tinha sido publicamente contestada por um grupo de 16 sacerdotes ( registe-se que no rescaldo da intentona de 28 de Setembro de 1974, na sede de um dos organizadores, o denominado Partido do Progresso, na lista da “imprensa contactável”, figurava o órgão da diocese e o «Voz da Madeira», o semanário dirigido e propriedade de Agostinho Cardoso que durante largos anos foi deputado e dirigente do partido único, União Nacional) e reconduziu o cónego Agostinho Gonçalves Gomes como vigário geral da diocese – fora deputado à Assembleia Nacional durante duas legislaturas.

Simultaneamente, na “Saudação” endereçada ao “Presbitério funchalense” visou o denominado “grupo de padres do Pombal”, apostado na renovação da Igreja à luz do Concílio Vaticano II:” alguns (padres) tudo fazem menos que evangelizar, a tudo se dedicam até à política sem terem a vocação de políticos, aos problemas económicos, sem nada perceberem de economia e até ao ensino confundindo que eram, como ministros da Palavra de Deus, destinados a «ensinar» a mensagem de Deus e não as ciências humanas”. ( a hostilidade para com o referido grupo assumiu proporções gigantescas ao ponto de AJJ delirantemente ter-lhes imputado a “coordenação das acções da esquerda na Madeira”, tendo as suas próprias vidas corrido sérios riscos com o rebentamento de uma bomba-relógio no dia 11 de Novembro de 1975, na casa onde viviam. Uma hostilidade que o sucessor de Santana recentemente repetiria num arrazoado publicado no “JM”, atribuindo a João da Cruz Nunes a responsabilidade pela ocupação do Seminário). Nessa saudação, Francisco Santana insistiria, por outro lado, na necessidade de a Igreja estar unida, para justificar a obediência silenciosa e cega à sua autoridade absoluta, calando as vozes discordantes, calando a denúncia das situações de opressão e injustiça dentro da Igreja e fora dela.

O envolvimento político que o bispo recusava aos sacerdotes que pugnavam por uma sociedade mais justa, assumi-lo-ia por inteiro. Desde logo, com a escolha do novo director do órgão da diocese e com o beneplácito à sua transformação num jornal ao serviço de um partido, o PPD/PSD. Mas também com o cariz das homílias e das notas pastorais que foi emitindo, marcadas por uma obsessão anti-marxista e anti-comunista primárias, onde inclusive até não faltaram referências a raiar o separatismo, ao ponto da insuspeitíssima Rádio Renascença lhe ter perguntado se pretendia ser uma espécie de Arcebispo MaKários. Com um tal comportamento não surpreende que muitos padres se sentissem confortáveis, em do alto do púlpito, fazer descarados apelos ao voto no “partido das setas viradas para o céu”. Como não surpreende que o seu afilhado político lhe teça os maiores encómios e agradecimentos públicos. A ele deve (m) a ascensão ao poder e a eternização à imagem do partido único de outrora.

*por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 29 de outubro de 2024

O desperdício de trunfos


Quando o exercício da política é levado a sério, e este a sério significa ao serviço da comunidade, desgasta de uma forma incontrolável. Só quem por lá passa! Deixa as marcas das preocupações diárias, as das incompreensões, as das percepções de andar a agitar, quase ingloriamente, uma bandeira de princípios, valores e projectos que poucos compreendem ou as circunstâncias e os egoísmos impedem de os compreender, enfim, essa amálgama gera um rol de preocupantes angústias sem fim. Um quadro que exige uma homeostasia, uma notável capacidade de equilíbrio interno face a todos os agentes stressores.



E um dia lá vem o aviso, a resposta do corpo, do aparentemente saudável, surge o alerta: cuidado, porque há limites. Não apenas no exercício da política, mas em todas as funções empresariais onde tudo é para ontem!

O alerta chegou-me, inesperadamente, há cinco meses. Agora, ao meu Amigo Dr. Carlos Pereira. Não deixou sequelas, mas o postal foi entregue com "aviso de recepção". Ontem estivemos ao telefone, numa amena cavaqueira, quase hora e meia. Foi muito bom o nosso diálogo sobretudo por saber que estava bem a caminho de uma plena recuperação. Ele que segue um bom regime alimentar e pratica o exercício físico como "pão para a boca"! Depois, fiquei para ali a pensar no Carlos. Pela minha cabeça passaram centenas de imagens e os sons de vários anos de luta pelas mesmas causas. Fui procurar textos que escrevi há dez anos. Dei com estes:

"(...) Fez a opção mais difícil. Compaginou a carreira profissional de Economista com a luta pelos outros, pela comunidade a que pertence. E o tempo tem, por um lado, lhe dado razão, por outro, a satisfação do reconhecimento público. Quem o ofendia meteu a viola no saco, foi silenciado pelos factos, pelo conhecimento e pela eloquência do seu discurso. Não escrevo assim porque sou seu amigo; escrevo porque reconheço as suas capacidades de liderança e a sustentabilidade da sua matriz política. Distingo o Carlos político como Homem de profundas convicções, de tolerância, de diálogo, que sabe escutar, que sabe se relacionar com as pessoas, de sorriso franco, de raciocínio rápido e de uma sensibilidade social que me entusiasma. (...)

O Dr. Carlos Pereira não é um político de aviário. Não apareceu porque estava a seguir na listinha dos "boy's" ou para contentar uma qualquer facção. A sua luta vem de longe, com muitas contrariedades pelo meio e muitas sacanices de gentinha sem escrúpulos que fizeram abalar a sua vida profissional. Por aqui, fecharam-lhe portas ao jeito de "para aquele nada". O poder, do tipo "duracel", foi mais forte e cumpriu, na íntegra, o que sempre, perversamente, soube fazer: "para os amigos tudo, para os inimigos nada e, para os restantes, aplique-se a lei". Carlos Pereira não se deu por derrotado e fez dessa tentativa de espezinhamento as forças necessárias para seguir o seu caminho profissional e o das suas convicções político-sociais. Tenho presente todas as suas lutas por uma sociedade melhor. Mas muito mais do que isso: tenho presente o político, que me habituei a seguir, que não fala de cor, que não manda para o ar umas frases feitas, antes estuda os problemas e apresenta soluções. Quando uns falam de assuntos que são de junta de freguesia ou de câmara municipal, ele fala do País e da Região nas vertentes política, económica, social e cultural que a todos afecta; quando uns prometem "Autonomia Sempre" quando, na verdade, devolveram-na ao Terreiro do Paço, Carlos Pereira fala do resgate da obra maior do 25 de Abril, a possibilidade de sermos nós, madeirenses, autonomamente, com responsabilidade, a desenharmos o nosso futuro; quanto uns falam de anos de experiência (sempre repetida, diga-se), Carlos Pereira apresenta-se com a experiência sempre actualizada e portadora de futuro; enquanto uns chegam ao parlamento nacional e piam muito baixinho (sempre voaram e piaram baixinho), Carlos Pereira apresenta-se contra toda a matreirice política, as sucessivas ofensas aos madeirenses, a incapacidade para resolver o drama da dívida, o aniquilamento da classe média e a pobreza que mata a democracia. (...)

Confesso a minha profunda amizade por um político de mão-cheia. É o tipo de político que todos os dias "inventa coisas" para fazer. Não fica à espera da agenda ou do que a comunicação social vai transmitindo. Não anda atrás dos acontecimentos, antes posiciona-se na dianteira. Não fala por falar, não abre a boca porque tem de dizer coisas, antes estuda e vai direitinho ao âmago dos assuntos. Para mim o Deputado Carlos Pereira foi uma figura central do Parlamento madeirense. Foi criticado, eu diria miseravelmente bombardeado, ofendido e sofreu alguns assassínios de carácter, tudo porque estudou, como ninguém o tinha feito até então, entre outras, as contas da Região. Determinou o "buraco" financeiro, assumiu que andaria pelos seis mil milhões de euros e pouco tempo depois, confirmou-se a verdade: "a situação da Madeira é insustentável", disse-o o Dr. Vítor Gaspar, ex-ministro das Finanças. Foi uma questão de tempo e ficou-se a saber da história das facturas não reportadas. (...)"

Reli alguns excertos de textos divulgados há dez anos. É-me difícil entender como é que se dá cabo da principal referência do partido mais bem colocada para uma consistente alternativa de poder na Região. Ele e de outros de indiscutível valor académico e político. Relegado na Região, pasme-se, é hoje deputado por Lisboa. Lá, reconheceram o seu valor e aqui, lenta mas seguramente, excluíram-no. Até a designada "Autonomia 24", uma proposta de abertura à sociedade, implacavelmente, já foi devorada. Com um governo regional, onde metade são arguidos, assim se dá cabo da oportunidade de colocar em debate sério e profundo um novo projecto em favor do povo insulano. Há pessoas que não o merecem.

Rápida recuperação, meu distinto AMIGO.

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Ridículo

 

Segui o essencial de uma entrevista ao Senhor Jorge Nuno Pinto da Costa. Já é a segunda vez que vem com aquela história da morte e de quem deseja ou não no seu funeral. E a TVI, em horário nobre, no decorrer de um espaço de informação, oferece aos espectadores a lengalenga de um cidadão, como se não tivesse assunto de maior relevância para abordar. 



Ora bem, todos sabemos que estamos de forma efémera na vida. Ninguém aqui fica para semente. E neste quadro tão simples, interrogo-me, o que nós, espectadores, temos a ver com esta espécie de "planeamento" da morte do Senhor Pinto da Costa? Nada. 

Foi um cidadão que, certamente, muito ofereceu ao Futebol Clube do Porto, por extensão a Portugal, que os outros devem ou não, de acordo com as suas apreciações, exaltá-lo ou olharem de esgueira, e mais nada. Que interesse é que tem esmiuçar o seu "plano de morte", de quem deve ou não estar presente nas cerimónias fúnebres, se já pagou o funeral, a cor azul que o cemitério deve ostentar, por aí fora... 

Há aqui qualquer coisa de estranho neste comportamento. O livro, com o título de capa "Azul até ao fim", surge debruçado sobre um caixão coberto com a bandeira do Porto. Só isto tem um traço macabro, sinistro que qualquer bom-senso devia evitar. O Senhor Jorge Nuno Pinto da Costa pode até estar doente, o que lamento, profundamente, que a sua avançada idade lhe dite que o fim se aproxima, mas como Herman imortalizou, "não havia necessidade"!

São sempre as pessoas que caracterizam o passado de cada um e que elogiam ou não. Quanto ao mentor desta história, penso que só lhe ficaria bem PERDOAR a quem considera que lhe fez mal ou não foi totalmente leal. Ele que, segundo afirmou, é Cristão e, semanalmente, participa nos actos litúrgicos da Igreja Católica, não devia expor-se a esta ridícula situação de uma historieta que, julgo eu, não entretém sequer a maioria dos adeptos.

Ilustração: Google Imagens.

PS fabricou o seu encurralamento


Por

O governo de Montenegro reúne condições para uma “governação” equilibrada, por algum tempo, embora com equipa ministerial fraca, sobretudo em ministérios-chave.



Este, um artigo, um tanto fora da caixa, pois não tenho por hábito entrar nas guerras e guerrinhas, entre políticos e partidos. No debate de ideias sobre políticas económicas e sociais, tendo em vista maior desenvolvimento e uma distribuição mais equilibrada da riqueza criada, procuro estar presente.

Belém fecha com ganhos e dor

1. No período negocial alongado, era difícil perceber se o PS e o PSD queriam ou não eleições, embora o cenário de eleições, pela não aprovação do OE2025, fosse um “produto político” de péssima qualidade para o País, da cozinha de Belém. Razão para dizer, com tão bons pastéis ao lado, Belém aprendeu pouco! Sei que os pastéis de Belém têm de se haver com a concorrência dos de nata da Aloma em grande forma, no cimo do pedestal. Pelo contrário, a cozinha de Belém não concorre com ninguém e, conclusão, em todas as frentes, só maus cozinhados.

Belém militou insistentemente pela aprovação do OE2025. Em toda a parte, lá estava o OE. Toda a gente entendia os desejos dessa militância: deixar os seus em postos queridos e tudo indica que, por ínvios caminhos, possa lá chegar – um presidente, um governo e, assim, varrer da história a candidatura de Belém a fabricante de “produtos dissolventes” de alta toxicidade.

Este folhetim diário de crises políticas, caso o OE25 não vingasse, iniciou-se com a ameaça de dissolução da AR, no discurso de posse de Marcelo a António Costa, caso este trocasse o Governo por um cargo europeu.

Costa chegou aí pelo seu próprio pé, não refém de Belém que sente o sucesso com dor, porque, para toda a gente ficou claro, que, em nada, interveio e, ainda, na obrigação de inverter a linguagem, para cargo “altamente prestigiante para o País”. Este “cozinhado”, com habilidades que também as houve, mas de outro nível, passou muito ao largo de Belém.

Marcelo Rebelo de Sousa, desde quinta-feira, deve andar a dormir melhor com a viabilização anunciada do OE25 por Pedro Nuno Santos e, na sexta, de certeza, regalou-se com as manchas cor-de-rosa das primeiras páginas de alguns matutinos.

As negociações Governo-PS

2. Nos dois artigos anteriores, falou-se das filosofias subjacentes ao IRS jovem e ao IRC, as duas “linhas vermelhas” do PS.

A situação do IRS jovem foi bem simples. O Governo desenvencilhou-se rapidamente, até porque estava ansioso de o fazer. Tantas as críticas que, de todo o lado, choviam, o melhor era encontrar uma saída airosa. E aproveitou a boleia do PS, bem a usando com habilidade, admitindo mesmo que, com as suas achegas, o modelo do IRS jovem ficava bem melhor. Ficou bem na fotografia ao dizê-lo e, com isso, marcou pontos. Já agora anote-se que se viu um PS um pouco descompensado e inábil na recolha dos dividendos.

No entanto, sobre o IRS jovem convém anotar a ausência de reflexão em vários domínios. Vejamos o futebol, que já beneficia de fiscalidade específica vantajosa, será abrangido por este pacote? Gyokeres é, assim, o jovem na berlinda pois, caso continue em Portugal por algum tempo, vai pagar menos imposto, mas muitos outros jogadores, os craques da selecção e dos clubes serão contemplados, pois quase todos estão nesta faixa etária (menos Cristiano Ronaldo) e, certamente, mesmo os que jogam no estrangeiro pagam algum IRS em Portugal.

A propósito do IRS jovem a minha atenção vai para o artigo do Público (14/04/2024) “o pensamento mágico sobre o IRS Jovem” do economista e Professor Ricardo Pais Mamede, cuja frase a lançar o artigo é uma ideia síntese do melhor: o problema do IRS Jovem não é apenas ser ineficaz nos objectivos que propõe atingir. São também os elevados custos que acarreta.

Quanto ao IRC, o PS não o soube agarrar como instrumento para robustecer as empresas. Não soube separar, de forma clara, os dois campos: o da taxa normal sobre os lucros que as empresas devem pagar, neste momento, 21% e o outro campo, as taxas a incidir na aplicação de lucros em investimentos, que potenciem a melhoria do tecido económico. O PS confundiu-se e acabou por assumir uma posição nada clara. Com efeito, ao admitir a hipótese de descida de um ponto percentual (21% para 20%), nega algo que dizia não aceitar, a descida transversal, por equivaler a libertar lucros indiscriminadamente para dividendos. Deu de bandeja ao seu interlocutor o comando do jogo, torpedeando a sua própria filosofia.

Outra coisa teria sido, abrir caminho para negociar a taxa normal sobre os lucros porque, na realidade, com as taxas e taxinhas autónomas que incidem sobre os 21%, para muitas empresas fica, na realidade, uma taxa pesada e as empresas têm toda a razão ao criticar a sobrecarga.

Tudo confuso e o governo, na versão final do Orçamento, ainda acrescenta mais um toque, deixando o PS sem rede. O PS alega que não houve acordo, mas socialmente ficou o registo de que não soube acrescentar argumentos convincentes.

Pedro Nuno Santos define-se

3. A posição do PS é, desde quinta-feira, a viabilização do OE25 pela abstenção. A confusão e a desilusão entre muitos dos seus apoiantes devem ter disparado. Pedro Nuno Santos que se saiu mal das negociações, volta a não se sair bem agora com os dois argumentos avançados, já muito gastos (eleições há sete meses e potenciais eleições sem clarificação do xadrez político). Sai deste processo com a imagem de quem sucumbiu em toda a linha: cedência a dirigentes do PS, defensores da abstenção, ficando estes fortalecidos, a comentadores, à direita, ao Presidente.

4. O PS entrou mal nas negociações ao colocar apenas estas duas linhas vermelhas e não também o plano macro onde se sabia que o governo iria desdizer tudo quanto disse na campanha eleitoral, como aconteceu. Essa foi a rede que faltou para sustentar uma posição final mais robusta. Segundo, era de prever que o Orçamento tivesse uma componente fortemente eleitoral para o que desse e viesse. Esta leitura do ambiente político deveria ter sido também tomada em conta no padrão negocial com o governo. Nada contra as negociações. Pena os motores não andarem aquecidos ao mesmo nível.

5. Pedro Nuno Santos por tudo isto deve sentir-se mal acomodado na sua decisão. Era legítima qualquer uma das opções: deixar passar ou o chumbo. O problema reside na fundamentação e ziguezagues ao longo do processo. Do quase impossível até aqui. A sua credibilidade ficou manchada e a sensação de que vem aí uma via-sacra dolorosa, um período longo de afastamento do poder, se alguma vez lá chegar.

O governo de Montenegro reúne condições para uma “governação” equilibrada, por algum tempo, embora com equipa ministerial fraca, sobretudo em ministérios-chave, aliás, a grande pecha de A. Costa que muito contribuiu para a sua queda.

Teme-se um deslize orçamental, apesar do elevado nível de cativações previsto no OE2025, muito acima dos valores do ano anterior. O país não ficará indiferente a todo este processo. Dividido ficou e mal informado continua, porque a discussão não entrou no fundo dos problemas. Aguardemos debate e conclusões na especialidade.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

OE2025, filosofias sobre o IRC


Por

Mais do que as taxas, o que conta mesmo é a estabilidade fiscal. Isto não significa que não se proceda a ajustamentos, nomeadamente no sentido da sua comparabilidade e compatibilidade com a Europa.



A ideia de que o imposto sobre os rendimentos das empresas (IRC) é um instrumento de primordial importância na captação de investimento já foi abordada neste jornal num artigo de opinião, aquando de divergências na praça pública, entre ministros do último governo de António Costa, sob o título “Por favor acertem a manga do casaco” (3 Outubro 2022), a propósito da “baixa transversal” versus “descida selectiva” no IRC.

Quem tenha acompanhado, minimamente, o processo de negociação da implantação da AutoEuropa, em Portugal, para apenas lembrar um grande e profícuo investimento estrangeiro, não ficou ciente de que as taxas de IRC, de então, eram entrave da decisão final. Certamente, um assunto abordado, mas não falado publicamente, pois estes tipos de investimento são alvo de negociação aturada num contexto de condições existentes ou a criar.

O que determina a realização do investimento é a garantia de que um conjunto de medidas de médio/longo prazo vai ser implementado, de forma a sustentar a sua viabilidade, quando comparado com outras localizações potenciais além-fronteiras. Medidas avulsas nada acrescentam, não levam a lado nenhum.

O panorama português

1. Em 2022, o número de empresas activas, registadas no INE, ascendia a 1 453 728.

Como se escreveu no artigo de Outubro de 2022: “um elevado número de empresas, num intervalo de 45% a 50% do total, consoante os anos, não paga IRC. Esta ordem de grandeza é uma marca das empresas portuguesas, desde há várias décadas, o que dá que pensar. Então as empresas não nascem para dar lucro?! Sabemos que há razões várias para uma empresa, num ou noutro ano fiscal, não gerar lucro. Mas tão elevada e persistente percentagem, ao longo de tantos anos, merece uma análise explicativa”.

Ou seja, estamos perante uma situação anómala continuada, problema que não tem merecido grande entusiasmo dos estudiosos nem a atenção dos políticos. A situação recente não se alterou, havendo indicação de que o número de empresas que pagam IRC até tem vindo a contrair-se, bem como o volume de receitas.

2. A taxa estatutária de IRC é, em Portugal, 21%. Mas há uma série de prestações autónomas que agravam esta percentagem de forma significativa. Também há situações de desagravamento. Para empresas de menor dimensão, a taxa de IRC desce para 17% para os primeiros 50 mil euros de matéria tributável. Existem também outras isenções e benesses que mesmo para os grandes pagadores de impostos, uma vez aplicadas, reduzem substancialmente a taxa efectiva paga, por exemplo, na banca.

Mas há uma outra questão estrutural a merecer reflexão profunda. Apenas uma ínfima parte das empresas (0,3%) é responsável por 48% da colecta do imposto (INE). Uma concentração excessiva que reflecte, em nossa leitura, uma dimensão produtiva enviesada, um mau sintoma da saúde do tecido económico-produtivo português.

Polémicas sobre o IRC

3. No panorama descrito, a descida indiscriminada do IRC apenas beneficia quem já paga imposto, ou seja, cerca de metade das empresas nada lucram porque estão fora e entre as que lucram os maiores benefícios vão cair nos grandes grupos e grandes empresas que concentram em si o grosso do pagamento de impostos e, sem qualquer compromisso de aplicação, os montantes da redução de taxa vai parar a dividendos para mais cedo ou mais tarde serem distribuídos.

Debatemo-nos assim com duas posições face à descida dos impostos, com alegação de argumentos de parte a parte. Quem defende a redução transversal da taxa sobre os lucros das empresas afirma que esta medida favorece e fortifica o tecido económico, nomeadamente atraindo investimento, sobretudo, o investimento estrangeiro. Estes argumentos simplistas encobrem uma realidade pois, quando muito, permitem espalhar dividendos sobre metade do tecido económico do País e nada se prova neste modelo uma relação causa-efeito sobre o investimento.

Se se pretende atrair investimento para Portugal, há que resolver, como se dizia no artigo mencionado, um pacote de condições, a que o Dr. Miguel Cadilhe, enquanto Presidente da API, chamou de “custos de contexto”. Com esta designação pretendeu chamar a atenção para múltiplos entraves que dificultam o regular funcionamento da economia, abarcando aspectos como a “rapidez e a clareza da justiça onde se encaixa também uma fiscalidade consistente e compreensível, e instituições velozes e transparentes com um atendimento eficaz e consequente”, entre muitos outros. Erradicar estes entraves, sem ser apenas no papel, isso sim cria condições de atracção do investimento.

Por outro lado, poderá equacionar-se uma descida da taxa de IRC com finalidades muito específicas que contribuam para o aumento da competitividade empresarial como a aplicação em investimentos ligados à inovação, investigação, requalificação humana, novas empresas, start-up, e porque não em áreas de promoção da cultura! Nesta linha de pensamento até se admite a redução para taxas muito baixas, consoante a qualidade do projecto. E, por este caminho, até se vai ao encontro de algumas das medidas preconizadas no relatório de Mario Draghi, recentemente apresentado à Comissão Europeia para uma Europa competitiva e que muita tinta tem feito correr.

Neste contexto, a descida selectiva do IRC faz muito sentido quando bem alicerçada em parâmetros claros e sem subterfúgios nas entrelinhas. Esta é a outra posição na qual me revejo. Não me choca que para aplicações em investimentos de ruptura se chegue a taxa zero.

Como se dizia no artigo de 2022, “esta forma de encarar a fiscalidade sobre o IRC, ao valorar pela positiva o perfil do investidor, reconhece a sua iniciativa e criatividade como benéfica ao desenvolvimento económico. Neste contexto, torna-se uma medida fiscal com fins próprios e meritórios e assume-se como recompensa à iniciativa criativa”.

IRC estável e filosofia própria, um trunfo competitivo

4. Mais do que as taxas, o que conta mesmo é a estabilidade fiscal. Isto não significa que não se proceda a ajustamentos, nomeadamente no sentido da sua comparabilidade e compatibilidade com a Europa. Na realidade, algumas prestações autónomas merecem ser repensadas. Aliás, sendo 21% uma taxa média na UE fica penalizada com as prestações autónomas.

Não faz sentido, porém, descer o IRC sem objectivos claros, podendo até mais esta medida vir a repercutir-se no desequilíbrio das contas públicas, pois pode contribuir para a redução das receitas e periclitar o equilíbrio conseguido, nestes últimos anos, uma aposta que urge defender pelos efeitos altamente positivos que tem tido sobre a economia a todos os níveis e de modo evidente nas relações com o exterior.

Manter o equilíbrio das contas públicas é uma garantia para o bom posicionamento da economia portuguesa no contexto europeu e mundial. Assim, o OE2025 não deve enviesar estas regras. Aplicar receitas sem fins determinados é uma política inapropriada, pois em nada contribui para a progressão da economia, antes pelo contrário, introduz maiores desigualdades económicas no País. Estamos perante filosofias de IRC divergentes, antagónicas entre si, servindo finalidades e interesses diferentes. O problema está na escolha.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

O PR e a democracia





Por
Carlos Esperança,
in Facebook, 
26/09/2024
    estatuadesal 


Por entre vichyssoises, passeios noturnos ao Beco do Chão Salgado, gelados e moscatel quente, o dissolvente PR arruinou irresponsavelmente as instituições democráticas.



Sabia que o crescimento robusto da economia e a folga orçamental do Estado podiam prorrogar o poder ao PS por mais uma legislatura e conduzir o PSD ao declínio. E, não lhe permitindo o ego a irrelevância a que a maioria absoluta do PS o remetera nos anos que ainda faltavam para o fim do seu mandato, entrou em desespero.

Há de ter estudado todos os cenários e espreitado todas as oportunidades, mas nem os incêndios anuais lhe permitiam demitir mais um ministro! Destruiu na praça pública o ministro Galamba e, até aí, falhou, graças à determinação do PM de não lhe tolerar a calúnia dizendo ao País que era positiva a sua avaliação e o mantinha no Governo.

De cabeça perdida, com o poder efetivo de que dispõe, dissolveu mais uma vez a AR. E conseguiu o que pretendia:

Alterou a correlação de forças entre a esquerda e a direita e entregou as comemorações do 25 de Abril a quem a data nunca entusiasmou, a Saúde a quem nunca quis o SNS, as vias férreas a quem prefere o betão, e tudo o mais que é possível privatizar.

Tem agora um Governo e uma maioria para si e, pela primeira vez, depois de oito anos, o PSD a ocupar os altos cargos do Estado de que estava sôfrego após tão longo jejum.

Já mostrou que detém o poder. Nem disfarça quando revela que já tem o perfil para o/a novo/a PGR, … e que é ele quem o/a nomeia, o Governo só propõe.

O Governo mantem-se em campanha eleitoral, não vá o Diabo tecê-las, e quer para si a estabilidade que o PR comprometeu no seu aventureirismo. E ambos procuram tornar irreversível o golpe que alterou a geometria partidária.

Nem a Constituição respeitam na regulamentação da lei da eutanásia porque, para eles, a CRP é só um conjunto de normas a violar à medida dos seus interesses e preconceitos.

O PR e o Governo sabem que o OE/25 será viabilizado, mesmo que o PS não ceda à sua chantagem. O Chega não quer novas eleições porque perde demasiados deputados para o PSD. Ventura, se não der o dito por não dito, viabilizando agora o Orçamento, fá-lo-á depois, com ou sem Montenegro, com metade dos deputados.

A democracia sofreu um rude golpe e pode não se ressarcir dos golpes deferidos a partir de Belém pelo último e pouco recomendável inquilino.

A correlação de forças permitirá a continuação de um governo de direita e a eleição do futuro PR escolhido por Marcelo e Montenegro, salvo se for Passos Coelho a avançar, levado aos ombros por Ventura sem que o PSD se possa opor. E tem cadastro suficiente!

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Vias rápidas e vias de morte

 

Ontem foram mais dois jovens que morreram. E a pergunta que fica é esta: quantas mais mortes serão necessárias para que se entenda que alguma coisa tem de mudar? Estas vias, ditas "rápida" ou "expresso" tornaram-se vias de morte. Há uma genérica cultura da pressa à qual se associam a irresponsabilidade de uma condução forçada, quando estas vias, apesar de mantidas com qualidade, pelas suas características, exigem uma condução extremamente cautelosa. Em suma, não são propícias à velocidade.



Numa visita à Noruega instalei-me em Dalen, cidade equidistante de Oslo e Bergen. Pensei que estando a cerca de 200 km de cada uma das cidades, tal permitir-me-ia visitá-las em pouco mais de duas horas. Engano meu. Mais de quatro a partir de Dalen para cada um dos sentidos. Há uma rigorosa aplicação das leis do trânsito. Certo é que têm uma das mais baixas taxas de sinistralidade. Por aqui (Portugal em geral) os condutores transformam-se ao volante, para além do palavreado, ultrapassam os limites, pressionam e buzinam, para logo de seguida ficarem parados numa fila.

Como se isto não bastasse, por aqui "inventaram" aquele sinal de permissão de +10 km com o piso seco, que constitui um convite à velocidade em estradas que, na sua estrutura, não beneficiam de espaço para qualquer manobra de recurso.

Há uma nova cultura a interiorizar, de serenidade na condução, respeito e responsabilidade, ao mesmo tempo que o acto fiscalizador tem de ser assumido com tolerância zero, com marcas nas estradas que impliquem o distanciamento entre viaturas. Ora bem, reconheço a minha ignorância em matéria de trânsito. Apenas sei conduzir, mas não me conformo com mais duas mortes de jovens que bem podiam ter sido evitadas.

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

"Ao Deus-dará"

 

Desabafo? Talvez. Mas sabe-me a "chuva no molhado". Todos, não direi, mas muitos, conhecerão o estado de alguma degradação da sociedade. Assiste-se à crescente ausência de confiança nas instituições públicas que contaminam a sociedade. O povo, sentimento meu, sente-se defraudado. O que lhes chega às mãos é-lhes retirado ao virar da esquina. As propaladas melhorias esfumam-se e permanece o estado de luta de milhares pela sobrevivência. E, entretanto, os escândalos (os conhecidos) continuam, as sucessivas vagas de suspeição e as atitudes subterrâneas permanecem no quadro de um jogo forjado que falsifica as regras da ética e fabrica fortunas. Há um sentimento de engano e de fraude política. 



Obviamente que há uma histórica responsabilidade dos governos. Foram eles que permitiram que aqui chegássemos. O sistema educativo falhou em todas as áreas e domínios de intervenção formativa; aculturaram na cultura do chico-espertismo ao mesmo tempo que garantiram a uns poucos o domínio da economia; intencionalmente, a permissividade e a irresponsabilidade das famílias tornaram-se paisagem, em contraponto com a sôfrega corrida ao dinheiro, gerador de riqueza, algumas mal explicadas, que fluiu para uma sociedade globalmente assimétrica, pobre e dependente.

E, hoje, olhamos em redor e vê-se o desencanto, uma crescente tendência para o salve-se quem puder, graves limitações na capacidade profissional de resposta às necessidades da sociedade, empresariais e outras, iliteracias e dependências múltiplas, actos de alegadas corrupções que conspurcam a democracia, emigração forçada, milhares de jovens que não estudam nem trabalham e um insensato foco no turismo e na indústria da construção civil, desprezando outros sectores de importância vital no equilíbrio do desenvolvimento. 

Tem alguns anos e um Amigo dizia-me: "estão a fazer muitos túneis na cabeça das pessoas". A velha e ridícula história do "povo superior" compaginada com a ideia que o madeirense tem de pertencer a uma "máfia boazinha" ou, então, a provinciana, sistemática, intencional e inconsequente atitude contra "Lisboa", fugindo à negociação sensata e profícua, conjugado com uns pozinhos locais de perseguição e medo, hoje, conclui-se, que se trataram de actos de má fé política, mas que surtiram efeito no controlo da sociedade. E, agora, somos o que somos, com a cidadania a níveis muito baixos, onde se cochicha mas não se enfrenta. Em qualquer parte, mesmo considerando a presunção de inocência, as dúvidas suscitadas pela Justiça seriam suficientes para acabar com este sistema pantanoso.

Emerge, por isso, a necessidade de uma nova organização social sustentada em princípios e valores, que relegue mentalidades abstrusas, que caminhe para a democracia e a liberdade vividas na plenitude, fundada no respeito, na tolerância, na inteligência e na cultura. Isso leva anos, muitas legislaturas alicerçadas em políticos bem formados, animados no serviço público à comunidade, que consigam ver para além dos corredores partidários. Simplesmente porque esta e talvez as próximas gerações estejam hipotecadas. 

Ilustração: Google Imagens.

Mais Vitalidade e Qualidade de Vida ao Longo dos Anos

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Orçamento 2025, do que se conhece


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O quadro macro apresentado é pobre, porque destituído de fundamentação técnico-económica e, por isso, sem interesse, como guia das potencialidades evolutivas da economia para 2025, para os agentes económicos, privados e públicos.



O fecho do orçamento2025 resultará de um jogo rocambolesco com muitas nuances. Não é o interesse nacional que comanda o processo da sua elaboração e discussão. O que move os agentes políticos causadores da instabilidade, ao contrário do que muitas boas almas, por vezes genuinamente apregoam, não é o evitar uma crise política ao País. O que os move é sair deste imbróglio de cara limpa e imagem retocada.

Os frenesins do Presidente são a imagem perfeita. Não há sítio onde vá, que não fale da viabilização do OE25, procurando passar a ideia de que o país, se governado por duodécimos, será uma tragédia. Tantos países na Europa o têm sido e não veio mal maior ao mundo. Melhor uma gestão por duodécimos, que integra muitas válvulas de escape para despesas necessárias, que um mau orçamento a abrir fissuras fundas na sociedade portuguesa. Mas, bem melhor, é um orçamento aprovado, que promova criação de riqueza e uma distribuição justa da mesma.

Entrando no debate de informação, já disponibilizada, do OE2025.

O OE tem duas peças centrais: enquadramento macro e OE propriamente dito.

Valor facial e real

1. O orçamento, grosso modo, é um documento com a previsão discriminada de receitas e despesas do Estado para um determinado ano civil.

O seu valor facial é atribuído por quem o faz – o Governo – na base de objectivos, suportados em políticas expressas ou subentendidas para os diversos domínios. O Governo dá sempre nota máxima ao exercício que elabora, independente da qualidade.

O valor real é bem diferente. É um “mix” qualitativo, resultante da opinião de uma multidão de agentes sociais e políticos, na maioria das vezes, com interesses contraditórios. De forma simples, as pessoas são influenciadas pelo desempenho das organizações políticas que o debatem no Parlamento, bem assim pelas posições manifestadas por sindicatos, patronato, comunicação social e outros.

Os valores facial e real do OE raramente se cruzam.

Uma variável que muito pesa na formação do valor real é a intuição que se gera na sociedade do seu contributo potencial para a redução ou ampliação das desigualdades sociais. A sociedade é deveras sensível a esta questão, embora muitas outras contem na avaliação do OE: saúde, educação, salários, segurança, …

Enquadramento macroeconómico

2. O enquadramento macroeconómico, também conhecido por cenário macro, constitui uma peça essencial, que está para além do próprio quadro orçamental do Estado. Nele se condensam os valores estimados das principais variáveis da economia no período. Presume-se, então, que incorpore uma informação sólida e sustentada sobre essas variáveis, o que significa que, na sua elaboração, foram considerados os impactos na economia portuguesa da evolução esperada nos diferentes espaços económicos mundiais, com relevo para o que se está a passar ou espera que se passe, com elevada probabilidade, de influenciar o período em análise.

Entre esses espaços tem de merecer especial atenção a União Europeia (UE) que, como sabemos, atravessa uma situação crítica na política, na economia, na segurança, com relevo para a França e Alemanha. Os dois motores da UE estão “a gripar” (política e economicamente) e em situação orçamental complexa. Quem admitiu alguma vez a Volkswagen altamente endividada e a fechar fábricas na Alemanha! O relatório Draghi, recentemente entregue à Comissão Europeia, traça uma imagem negra do panorama europeu em declínio sustentado em terreno competitivo.

O OE2025 pelos dados disponibilizados pelo Governo não foi merecedor de um trabalho técnico de qualidade. A informação do Programa de Estabilidade enviada para Bruxelas, em Abril último, elaborada num contexto de políticas invariantes como foi dito então e, na altura, compreensível, tendo o governo acabado de tomar posse, é praticamente a mesma do quadro macro que se conhece.

Ora, na situação presente, quando tanta coisa mudou no país porque foram tomadas ou anunciadas várias medidas pelo Governo e na Assembleia com impactos económicos, quando, como se referiu, a situação na União Europeia é crítica, apresentarem-se as mesmas taxas ou quase, seria uma coincidência improvável. A taxa de variação do PIB nominal é a mesma (4,5%), a taxa real difere apenas em 0,1 pontos percentuais; a taxa de inflação difere quando muito de uma ou duas décimas, enfim…

O quadro macro apresentado é pobre, porque destituído de fundamentação técnico-económica e, por isso, sem interesse, como guia das potencialidades evolutivas da economia para 2025, para os agentes económicos, privados e públicos e, como tal, põe em causa a credibilidade do OE25. Não se compreende este desleixo na elaboração de matéria tão sensível e importante. Desleixo ou incompetência?! Não foi, de certeza, por falta de capacidade técnica dos técnicos do Ministério das Finanças que os há de elevado nível. Este exercício, desprovido de “bases técnicas”, só pode ser imputado aos gabinetes e dirigentes políticos do Ministério das Finanças.

Filosofias subjacentes à criação de desigualdades sociais

3. Centremo-nos em dois temas fiscais que se apresentam cruciais na viabilização do OE25, o IRS Jovem e o IRC. Idealizemos os resultados da sua aplicação, segundo a filosofia dos modelos preconizados pelo Governo.

Segundo o que se vai ouvindo, o Governo estará num jogo de deixar cair o seu IRS Jovem por troca do IRC, aceitando algumas eventuais alterações, neste último, na linha do PS. Temos ouvido, por outro lado, que a medida do IRS Jovem é uma das baias “irrevogáveis” do CDS, certamente ao nível da recuperação de Olivença.

A materializar-se, o IRS Jovem, segundo a filosofia que o enquadra, irá cavar, no mínimo, um/dois fosso (s) sociais: um, em função da idade (mais e menos de 35 anos) e outro, consoante o montante dos rendimentos.

Exemplo. Um português com o vencimento mensal de 6000 euros e 35 anos ou menos pagará de imposto/ano 8497 euros. Outro português com mais de 35 anos pagará de imposto/ano 25718 euros/ano. Uma diferença de cerca de 17 mil euros. Que grande justiça tributária caçar a um português (azar, ter mais de 35 anos) quase três meses de vencimento num ano! Os cálculos não são meus, mas da PwC, publicados no “Público”.

Mais grave. Este não é o caminho para os jovens ficarem no país. Pensemos em certas profissões, a chamada emigração qualificada: enfermeiros, médicos, investigadores… que, com frequência, têm deixado o país. Não são uns quantos euros a mais, decorrentes de uma mais baixa fiscalidade, que os prenderão por cá. São as condições de vida, a progressão numa carreira estável. Um ambiente sustentado de vida e de trabalho. Ora, esta medida tributária, como está formulada, apenas cria tremendas desigualdades sociais, não inverte as razões de saída do país. Estar o país a investir no conhecimento para o “exportar” a custo zero é frustrante.

Estancar e erradicar esta anomalia através de novas vias de desenvolvimento é um verdadeiro desígnio nacional. As medidas de fiscalidade terão certamente o seu lugar, mas não na base de filosofias que aprofundam os fossos das desigualdades. Precisam-se de planos integrados de desenvolvimento que puxem o país no mesmo sentido, ou seja, na criação de condições estáveis numa visão de bem-estar futuro.

Um OE25, com filosofias como esta, não serve o País, desacredita-o. Frusta as ambições de quem está atento.

(Nota: o IRC, por falta de espaço, será tratado em próximo artigo).