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segunda-feira, 7 de junho de 2021

A Índia e as suas matemáticas


Por
João Abel de Freitas, 
07 Junho 2021


Para a Índia se afirmar como grande potência na Ásia e no Mundo precisa de ruturas de ação e de uma escolha das parcerias calibrada com uma estratégia autónoma fundada nos seus interesses e potencialidades.



Já aqui escrevemos que o povo indiano é muito conhecido pela sua aptidão e facilidade para as matemáticas e, por arrastamento, para as áreas das Tecnologias de Informação (TI), onde a Índia tem imprimido uma reconhecida especialização da sua economia, designadamente na prestação de serviços informáticos de qualidade a empresas e instituições nacionais e estrangeiras.

Neste domínio, tem vindo a superar uma certa anarquia funcional que lhe é típica, embora se trate de uma “anarquia que funciona”, no dizer de John Galbraith, um reputado economista, diplomata e filósofo (1908-2006) nascido em Ontário/Canadá.

Há quem afirme e com razão: “não há riqueza sem pessoas”. Este um dos factores que abunda na Índia, segundo país mais populoso do planeta e, em breve primeiro, de acordo com as projecções de várias Entidades Internacionais como a ONU, mas também das pessoas das suas diásporas que se espalham por muito mundo, levando consigo a boa imagem do povo indiano, pelo bom desempenho em elevados cargos nas melhores Universidades e como CEO de grandes multinacionais, sobretudo nos EUA. Não podemos esquecer das diásporas as volumosas remessas que entram nos cofres do país todos os anos e que muito útil lhe é, compensando, de certo modo, as “perdas financeiras” resultantes das ineficiências do sistema económico e social do país.

Nunca falamos, porém, das teses explicativas dos alicerces de características tão prometedoras nos dias de hoje, quando está em linha o uso cada vez mais intensivo de TI. As teses avançadas por muitos estudiosos prendem-se com a língua-matriz, o sânscrito, com a religião hindu, uma religião descrita como ateísta, ou seja, sem um deus criador, a rítmica dos seus números e com um “caldo” cultural muito próprio onde até o ioga é condimento.

Avançamos com algumas notas correndo o risco de cometer imprecisões

1. Os textos religiosos de tradição hindu estão escritos principalmente numa língua, o sânscrito, língua indo-europeia, dos Indo-Aryens, um povo de pastores cavaleiros com origem na Rússia e que chegou à Ásia Central por volta do segundo milénio antes de Cristo (AC).

O sânscrito é língua morta, embora com uso académico ou religioso. Sobre ela, Max Muller, um linguista alemão e cientista das religiões (1823-1900) escreveu em 1883: após mais de um século de governo e de ensino da língua inglesa, é bem mais falada e compreendida na Índia que o latim o era na Europa no tempo de Dante.

O sânscrito é uma língua matriz como o grego ou o latim por estar na origem de muitas outras ainda faladas no país. Convém assinalar que, na Índia, com uma elevadíssima taxa de analfabetismo, se falam mais de 400 línguas e dialectos, embora apenas duas oficiais: o inglês e o hindi, o que coloca à Índia a necessidade urgente em resolver “o caos” que reina no sector ensino, como instrumento fundamental de organização da economia e da sociedade.

O sânscrito, afirmam os especialistas na matéria, é uma língua sofisticada, que identifica melhor que qualquer outra “os mecanismos complexos do pensamento”. É uma língua complexa de sílabas muito encadeadas em que as palavras não são separadas por nenhum sinal ou espaço. Nesta base, apontam-na como uma fonte de inspiração da matemática e da linguagem e programação informáticas.

Certamente ficam aqui a faltar considerações sobre elementos como a estrutura da língua, a formação das palavras, a sintaxe, que ajudariam a ir mais fundo na compreensão da tese. Mas esses caminhos ultrapassam-me.

2. Outro factor explicativo da tendência para a matemática é o elemento religioso de grande predomínio na civilização indiana, o hinduísmo. Na matriz estruturante desta filosofia religiosa, os estudiosos “identificam” um leque de características espirituais que se impregnaram profundamente na cultura indiana, gerando uma orientação natural da sociedade para as matemáticas e em linguagem mais actual para a informática.

Desta forma, o hinduísmo contém em si os ingredientes naturais para uma escolha da indústria informática como eixo de desenvolvimento.

3. Na religião hindu, defende-se que existia/existe um ritmo próprio dos números que se interioriza simbolicamente na vida do dia a dia de cada pessoa praticante. “Tudo é matemático na aproximação hindu” dizem os estudiosos.

É a este ritmo/cadência que se liga a descoberta do sistema decimal cerca de mil anos antes da nossa era e em que encaixa o célebre teorema de Pitágoras ou ainda a descoberta do número zero e o seu significado que os gregos ignoravam.

Uma grande diferença entre os fundamentos iniciais da matemática na Índia é que repousa sobre uma concepção abstracta do mundo, distinta da mensurabilidade e dimensão dos objectos enquanto a dos gregos assenta na geometria e na álgebra. Esta diferença conceptual induz, assim, uma maior propensão para as TI.

4. Mas só a propensão não basta. Há que acompanhar a dinâmica evolutiva subindo na escala do conhecimento. E aqui a Índia ou, sendo mais objectivo, uma elite alargada beneficiou na sua formação das relações com o Reino Unido, o Estado colonizador, das suas Escolas e Universidades, tanto assim que os grandes políticos mesmo antes da independência (1947) como Gandhi, Nehru, Indira Gandhi… frequentaram as escolas inglesas, continuando a Índia a dispor dessas facilidades depois como país da Commonwealth.

Serão estes os únicos argumentos explicativos?

Francamente penso que há muito ainda por aprofundar, mas sobretudo há que “mexer” no país para aproveitar estas potencialidades e não há dúvida que a educação é uma área fundamental, embora as infra-estruturas materiais e a saúde sejam também prioritárias. Sem grandes avanços nestes domínios continuará o ambiente de anarquia que vai funcionando.

Para a Índia se afirmar como grande potência ao nível da Ásia e do Mundo precisa de rupturas de acção e de uma escolha das parcerias calibrada com uma estratégia autónoma muito fundada nos seus interesses e potencialidades.

Uma nota extra relativa aos dois últimos artigos. Recebi um comentário de um colega especialista de transportes de que usei indevidamente a sigla TGV quando o correcto era Alta Velocidade (AV) e também de uma amiga farmacêutica que em vez de produto final (fármacos) devia antes ter usado medicamentos. Aqui deixo a correcção com a maior gratidão.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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