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quinta-feira, 10 de março de 2022

Paz em tempos de guerra


Carmo Afonso, 
in Público, 
09/03/2022

Dá-se o improvável: quem está envolvido no conflito parece estar disposto a negociar. Quem assiste não.


(O meu comentário: Os líderes europeus, presos pela trela dos EUA, tentam dar cabo de todas as negociações. Que os EUA queiram uma guerra na Europa porque é fora do seu território até se percebe. Que a Europa queira caminhar alegremente para tal é a insanidade total, que só revela que a Europa atual não passa de uma colónia dos EUA, sendo os nossos líderes uma espécie de marionetas. Estátua de Sal, 09/03/2022)



Notam-se tímidos sinais de paz. O caminho está encetado.

A China, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, declarou estar disponível para promover as negociações de paz e ser mediadora no conflito. Não se consegue pensar em melhor mediador.

Zelenskii, numa entrevista à estação de televisão ABC News, afirmou ser possível um compromisso para a Crimeia e para o Donbass (que integra as regiões separatistas de Lugansk e Donetsk). Declarou igualmente um recuo na sua pretensão de adesão da Ucrânia à NATO. Desde o início ficou clara, para quem quis dar atenção aos antecedentes desta guerra, a importância da possibilidade de adesão à NATO na infeliz decisão de Putin.

Do lado de Putin - e atendendo à lista de condições para a paz que a Rússia deu a conhecer – parece ter existido a desistência da suposta desnazificação e a concretização da solução pacífica assente nos exatos pontos (apesar de em moldes diferentes) que Zelenskii referiu na entrevista; Putin insiste no reconhecimento da independência das regiões separatistas e numa revisão constitucional que impeça a Ucrânia de aderir à NATO, ficando obrigada a manter a sua neutralidade. Parece que nada é dito sobre a UE, o que indicia que poderá ser mais uma razão de entendimento. A Ucrânia pretendia essa adesão.

Falta muito para um entendimento e existem claros sinais que apontam para a intensificação do conflito. Mas hoje vamos continuar a falar sobre a possibilidade da paz.

Ela pode chegar só depois de mais mortes e de mais destruição, mas acabará sempre por chegar. Diz-se no ditado: “Não há bem que sempre dure, não há mal que não se acabe”. Esta expressão da sabedoria popular parece indicar que o futuro é mais risonho para quem está mal do que para quem está bem. É certo que traz bom augúrio para quem mais precisa.

O bom senso costuma exigir que se privilegiem os esforços para a paz; que seja valorizado cada pequeno avanço. Por estranho que pareça este é um tema entre nós. E é também esse o tema aqui e não uma qualquer adivinhação acerca do bom ou mau desfecho destas negociações: porque é que tão poucos acreditam nas negociações? Porque se nota apego pela ideia da derrota militar de Putin em detrimento da solução pacífica?

Dá-se o improvável: quem está envolvido no conflito parece estar disposto a negociar. Quem assiste não. As negociações para a paz contrariam o princípio da maldade intrínseca e gratuita de uma das partes. Assim sendo, contrariam quem a tem defendido. As pessoas ficam de facto reféns das posições que defendem e ninguém gosta de perder. Agora reparem que este é o princípio que leva à guerra e que a agudiza.

Na guerra existe sempre um derrotado, numa negociação não pode, e não deve, ser assim

Não obstante o conflito que está a decorrer, as partes entregam esforços a um propósito conciliatório. E as negociações têm implícitas cedências. Existe aqui a frágil possibilidade de ceder sem perder. Uma negociação deve distinguir-se da antecipação dos resultados práticos de uma derrota. Na guerra existe sempre um derrotado, numa negociação não pode, e não deve, ser assim.

O caminho instintivo de cada um é o da guerra, o de fazer valer as suas razões. É sabido que quem quer ter sempre razão quase nunca tem paz. Mas este caminho é possível, e pode até ser meritório, a nível individual. Nada a corrigir. Só que as soluções individuais são perigosas quando trazidas ao nível colectivo.

Recordar um excerto da Fábula das Abelhas, de Bernard Mandeville: “Todos os dias se cometiam delitos nessa colmeia (...). Mas nem por isso a colmeia era menos próspera porque os vícios dos particulares contribuíam para a felicidade pública”. Será talvez o melhor a que conseguimos chegar como grupo. Um mundo em que os nossos defeitos privados se diluem na harmonia da vida colectiva. Salve-se essa parte.

Em tempos de paz houve quem se preparasse para a guerra. Pois agora é justo e consolador ver que, em tempos de guerra, existe quem se prepara para a paz. Novamente um bom augúrio para quem mais precisa.

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico

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