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quarta-feira, 16 de março de 2022

O 24 de Fevereiro que estremece a Europa


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15 Março 2022

Os efeitos imediatos da guerra já cá estão, e são apenas uma parcela. A recessão económica entrará para ficar. As sanções económicas fazem ricochete para os dois lados. Causam muitos problemas, mas, está provado, não fazem desistir.



1. Fevereiro é um mês muito expressivo em acontecimentos marcantes da História de Portugal.

Desde logo, o 4 de Fevereiro de 1961, já lá vão mais de 60 anos, o princípio do fim do império colonial português, porque minou a política do ditador Salazar e o regime por ele implantado. Um marco na guerra desastrosa travada contra os povos das colónias, hoje países independentes.

Muitos outros Fevereiros há a apontar: o dobrar o Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias em 3 de Fevereiro de 1488, o nascimento do Pe. António Vieira em 6 de Fevereiro de 1608, a entronização da primeira mulher, D. Maria I, como Rainha de Portugal em 24 de Fevereiro 1777, o nascimento do poeta, escritor e político liberal Almeida Garrett em 4 de Fevereiro de 1799, o nascimento do poeta popular António Aleixo em 18 de Fevereiro de 1899, o assassinato do rei D. Carlos no dia 1 de Fevereiro de 1908, a criação do SNI de António Ferro em 23 de Fevereiro de 1944, a libertação de 100 presos políticos da colónia penal do Tarrafal em 1 de Fevereiro de 1946, o assassinato pela PIDE de Humberto Delgado em 13 de Fevereiro de 1965, a criação da SEDES em 25 de Fevereiro de 1970.

No pós-25 de Abril: a publicação da Lei de Imprensa em 26 de Fevereiro de 1975, a Constituição de 2 de Fevereiro de 1976 aprovada pela Assembleia Constituinte eleita para o efeito no 25 de Abril de 1975, o reconhecimento oficial, após peripécias político-partidárias, da independência de Angola em 21 de Fevereiro de 1976, a visita de Mário Soares, na qualidade de Primeiro-Ministro, a várias capitais em 14 de Fevereiro de 1977, a sensibilizar os políticos europeus para a candidatura de Portugal à CEE, pedido formalizado posteriormente a 28 de Março, a despenalização do aborto em 14 de Fevereiro de 1984, a morte de Zeca Afonso em 23 de Fevereiro de 1987, a criação legal da SIC e TVI em 6 de Fevereiro de 1992.

Esta, uma pequeníssima amostra de acontecimentos ocorridos nos meses de Fevereiro da nossa História.

24 de Fevereiro de 2022: início da guerra Rússia/Ucrânia

2. Este 24 de Fevereiro também é parte da História de Portugal. Um acontecimento condenável (não por razões de moral, mas de fundo – a vida das pessoas acima de tudo) que veio abalar profundamente a “vaga” noção de segurança europeia, alterando o “pacifismo tradicional” alemão e seu rearmamento, a quebra de neutralidade de países como a Suíça, a decisão arriscada de Bruxelas financiar armamento a entregar à Ucrânia…

O 24 de Fevereiro mudou a mente dos dirigentes políticos da União Europeia? Tudo se conjuga, atabalhoadamente e de forma inconsistente, para uma “nova arquitectura” de segurança, onde a Energia ocupe, com um atraso de no mínimo 8 anos, um lugar cimeiro. Fruto de um impulso pouco amadurecido, sem estratégia negociada entre países e, como sempre, entre grandes divisões.

Aparentemente, há um “reunir” de forças europeu, onde problemas pendentes com o estado de direito, em países de democracia iliberal como a Polónia ou a Hungria, entram no baú dos esquecidos. Até as eleições presidenciais em França passam a um patamar discreto.

Conjecturando um pouco sobre estas mudanças de mente, as perspectivas são pouco animadoras. Não se vê o fim da guerra. Vai ficar circunscrita à Ucrânia, embora com efeitos europeus pesados? Ou algo falhará e se mundializa sem controlo?!

Muitos passos perigosos. Afirmações insensatas, muitas. Achas na fogueira. Perdeu-se todo o tempo antes da guerra e continua a perder-se muito, durante. Como pôr cobro a tudo isto?

Conversações e mediação precisam-se, urgentemente, para que se definam os objectivos reais de um lado e do outro e a partir daí encetar negociações.

A crise climática

3. O combate à crise climática na Europa fica congelado. Primeiro, pelos efeitos directos da guerra. Maior recurso ao carvão e ao petróleo. Segundo, as verbas desviadas para rearmamento dificultam a transição energética já de si difícil antes, por ineficácia dos Estados europeus. A Europa-motor da transição energética (um mito!) e seus efeitos no clima esgotam-se aqui. Ou rearmamento, ou clima. Não há verbas para tudo.

Como várias vezes escrevi, se há uma área onde as divergências entre Estados-membros são (eram?) insuperáveis, a energia é o melhor exemplo. Mas talvez tenha sido uma área que “mexeu” com a guerra, pois tudo leva a crer que a energia nuclear ganhou uns pontos. Até os verdes alemães admitiram o recurso à nuclear em certas circunstâncias. Será que a partir de agora, e com a devida ponderação, a Europa vai caminhar para uma política energética consequente? Será que vai caminhar por si ou deixar-se pressionar pelos EUA?

O petróleo e o gás natural, por intermédio dos EUA, estão na calha. O plano norte-americano de boicote à importação de energia da Rússia é recusado (mas com divisões) pelos aliados europeus, apesar da vontade de reduzir, a prazo, a dependência da Rússia. Até o brando Olaf Scholz afirma: “isto não pode ser feito do dia para a noite”. E com razão. Já se admitiram pressões em demasia dos EUA, país que nada perde com esta guerra, pelo contrário.

Consequências económicas da guerra

4. Não é possível uma avaliação objectiva dos efeitos económicos. Qual o tempo de duração da guerra e qual será a sua extensão?

Não é difícil, contudo, identificar quais os povos mais afectados. Em primeiro lugar e de longe os povos da Ucrânia, Rússia e Bielorrússia, sendo a Ucrânia o país com território já muito devastado. Mesmo na situação actual, já precisará de muito tempo para recuperar. Para os povos da Bielorrússia e da Rússia são os efeitos das sanções económicas e financeiras que paralisam a economia e, em grande parte, o comércio com o exterior. Mas a Europa e, designadamente, os países vizinhos também serão muito afectados. Quem vai pagar os custos com os refugiados da Guerra? A UE admite contrair dívida conjunta, mas quanto tempo levará a decidir?

Os efeitos imediatos já cá estão: a escalada de preços da energia, a subida de preços na generalidade dos produtos. E são poucos os instrumentos que os países europeus têm para enfrentar tudo isto. E isto é apenas uma parcela. As economias vão ser afectadas pela falta de matéria-primas e outros bens e serviços estratégicos. As empresas vão reduzir a sua actividade. O desemprego vai crescer. A recessão económica entrará para ficar. As sanções económicas fazem ricochete para os dois lados. Causam muitos problemas, mas, está provado, não fazem desistir.

Tentar negociações é a solução. No mínimo, desde 2014, deviam estar no terreno e tudo teria sido evitado. E se se pretende desarmar a guerra, as negociações são a prioridade máxima.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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