Por
estatuadesal
Alastair Crooke,
in Diálogos do Sul,
21/03/2022
Fato é que a atual operação militar na Ucrânia acabará, no devido tempo, relegada ao status de pouco mais de uma nota de rodapé na história global. Mas a guerra financeira total que repercutiu na Rússia é e será fundamental na definição da nova ordem mundial que se avizinha.
De fato, talvez já tenhamos testemunhado o momento em que a história económica mudou de rumo. Aconteceu dia 26 de fevereiro, quando o Ocidente coletivo confiscou todas as reservas cambiais do Banco Central da Rússia mantidas no Ocidente.
Em síntese, o Ocidente decretou que as reservas soberanas russas em euros, dólares e papéis do Tesouro dos EUA deixavam de ser ‘dinheiro bom’. Que deixavam de ter valor como ‘dinheiro’ para pagar dívidas russas a credores estrangeiros. E ao sancionar também o Banco Central Russo, o Ocidente impossibilitou para aqueles que compram bens, energia ou commodities quitar o que devem através do Banco.
A magnitude desse evento é sublinhada pelo fato de que houve conflito anterior também centrado na Ucrânia – a Guerra da Crimeia de 1854-1856 – Grã-Bretanha e França estavam em guerra contra a Rússia. Mas mesmo assim, durante toda a guerra, o governo russo continuou a pagar juros aos detentores britânicos da dívida russa; e o governo britânico também continuou a pagar o que devia ao governo russo.
A mensagem agora é bastante clara – se até os mais proeminentes Estados do G20 podem ter suas reservas canceladas num piscar de olhos, então, para todos que ainda tenham ‘reservas’ em Nova York, é hora, já-já, de as levar para outro lugar, enquanto a viagem ainda é possível! E se você precisa guardar algo de valor, como reserva para dia chuvoso, compre ouro, e guarde bem.
Quer dizer então que alguém por aí pensou que os títulos soberanos norte-americanos (os chamados “papéis do Tesouro norte-americanos, Treasuries) fossem ‘dinheiro’ e invioláveis? Nada disso! Os EUA acabam de declarar nulos e quitados aqueles papéis da dívida dos EUA depositados no Banco Central russo. Talvez – como os Títulos da Rússia Imperial, usados para decorar banheiros europeus, como papel de parede colorido, mas sem valor – o Banco Central russo passe agora a usar seus títulos do Tesouro dos EUA como papel de parede para banheiros (embora em decoração menos colorida).
Mas... Atenção! Há mais. Na legislação proposta no Senado dos EUA, as reservas de ouro de propriedade do Banco Central da Rússia serão congeladas e confiscadas. Há, no entanto, um grande problema para cumprir essa legislação. O ouro existe. Ele está em barras de ouro físico (cerca de 2.300 toneladas métricas), no valor de cerca de 150 bilhões de dólares, MAS são armazenadas na Rússia. Verdade é que não havia nem há meio viável para congelar ou apreender as montanhas de ouro que estão na Rússia... e lá permanecem.
Então, do que se trata, se o ouro não pode ser realmente apreendido?
Trata-se de sanções de boicote secundário contra quem quer que ajude a Rússia a transportar ou a fazer transações em ouro. Por exemplo: se a Rússia importasse, digamos, chips semicondutores chineses e liquidasse a transação em ouro, nesse caso, teoricamente, os EUA poderiam sancionar a entidade que recebesse o ouro na China.
Os EUA, a aplicar sanções contra receptores de ouro russo?! OK, já é um pouco demais... Mas considerem também o seguinte:
Há (pelo menos teoricamente, pois ninguém sabe ao certo) 6.000 toneladas de ouro de propriedade estrangeira (ou seja, de propriedade de Estados estrangeiros) ainda em poder do Federal Reserve de Nova York.
E agora, 6.000 toneladas (dado o precedente do caso russo) já podem ser facilmente confiscadas pelas autoridades norte-americanas – ao apertar um botão. Assim sendo, por que não repatriar aquele ouro, enquanto se pode? Ok. Para começar, porque não será fácil arrancar qualquer ouro de dentro do Fed).
Sim, alguns poderiam dizer que a Rússia é considerada ‘mau ator’ pelos EUA. E nós, os norte-americanos, somos ‘bons’. Ok, vá que fosse, só por hoje. O problema é que a lista dos atores que em algum momento foram rotulados como ‘maus atores’ é longa. Lembre-se de que até a França, membro do G7, foi acusada de ser ‘mau ator’ durante a guerra do Iraque, em 2006.
Assim sendo, então, claro que estamos às vésperas de uma grande retirada das Reservas – para fora da jurisdição dos EUA. A decisão de Biden, de confiscar os ativos do Banco Central russo é tão significativa em termos geopolíticos quanto foi o fechamento, por Nixon, da ‘janela do ouro’ norte-americano, em 1971. Lembrem-se todos de que o fechamento da tal ‘janela’ foi inicialmente elogiado como ‘medida temporária’.
A consequência geopolítica, no entanto, teve efeito de bomba nuclear. O sistema comercial baseado no petrodólar que derivava daquele ouro permitiu aos Estados Unidos ‘detonar’ o mundo com sanções e sanções secundárias. Para tanto, passou a bastar que os EUA declarassem que passavam a ter jurisdição sobre qualquer, e todas, as transações denominadas em dólares, ou que, de algum modo, passassem por processo de compensação em dólares.
A hegemonia dos EUA sobre a chamada “ordem baseada em regras” tem sido muito mais financeira (bem menos, militar). Vale dizer: é ordem imposta sempre que os EUA ameaçam ‘sancionar’ qualquer canalha com uma ‘bomba de nêutrons’ de papéis do Tesouro dos EUA.
E dia 26 de fevereiro, esse sistema começou a se ‘suicidar’, quando os ‘falcões’ russófobos de Washington, iniciaram, estupidamente, uma luta contra o único país – a Rússia – que tem as mercadorias necessárias (i) para governar o mundo; e (ii) para desencadear mudança real para outro sistema monetário. Esse outro sistema monetário tem o mérito de estar ancorado em solo firme, em algo que não é dinheiro ‘fiat’, dinheiro que desce do céu num helicóptero.
É claro que o yuan ou o rublo podem refletir o valor subjacente de suas respectivas grandes reservas de ouro. Mas também, as mercadorias são garantia, e garantia é dinheiro. E a Rússia tem a parte do leão das principais commodities.
Em resumo, o sistema monetário ocidental baseado no dólar norte-americano como moeda de reserva está prestes a acabar numa inflação de dimensões de estrela supernova, pois os EUA perdem a capacidade de usar a poupança chinesa para financiar o orçamento norte-americano e os próprios déficits comerciais norte-americanos.
E é o que está acontecendo à medida que a geração Boomer vai-se aposentando e sobem os ganhos que têm direito de exigir.
Defesa, juros e direitos não discricionários já comem 100% da receita tributária. Portanto, agora, não há outra possibilidade: o Fed tem e terá de imprimir a maior parte dos enormes gastos adicionais.
Zoltan Poszar, uma das vozes mais respeitadas de Wall Street, argumenta que o sistema monetário atual funcionou enquanto os preços das commodities oscilaram previsivelmente numa faixa estreita – ou seja, enquanto não estiveram sob estresse extremo (precisamente porque as commodities são garantia para outros instrumentos de dívida).
Mas quando todo o complexo de commodities está sob estresse, como está agora, os preços enlouquecidos das commodities levam a um mais amplo voto de ‘desconfiança’ no sistema. É o que vemos acontecendo agora.Os falcões russofóbicos não previram isso? Foram surpreendidos por tais ‘consequências inesperadas’?! Havia alguma grande estratégia por trás do confisco das reservas russas, além da visceral má-fé contra a Rússia?
Não. Não previram coisa alguma. Agiram por impulso tresloucado. Sabemos disso, porque tanto o Fed como o BCE informaram que não foram consultados sobre o confisco do ouro nem sobre a expulsão de sete bancos russos do sistema de compensação financeira SWIFT. E esclareceram que, se consultados, teriam votado contra os dois movimentos.
Foi ato de automutilação.
E que ironia! Em seu zelo para esmagar a economia russa, os falcões norte-americanos russofóbicos abriram inadvertidamente o caminho para que Rússia e China começassem a criar um novo sistema monetário, bem longe da ‘esfera de influência’ do dólar norte-americano.*******
Tradução: Vila Mandinga [Tradução automática, por Google Translator, corrigida e revista, para finalidades acadêmicas, sem valor comercial.]
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