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terça-feira, 1 de março de 2022

O futuro Governo de António Costa e a energia nuclear


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01 Março 2022

A energia nuclear, sempre polémica, encontra-se num processo de grande evolução tecnológica e de boas expectativas, o que pode vir a interferir, a prazo, com os interesses de ‘lobbies’ muito fortes no terreno das energias.



1. A temática da energia nuclear talvez não seja apreendida como um dos problemas mais prementes para o futuro Governo de António Costa. Mas, sendo a energia um dos assuntos actuais de fundo para Portugal, a Europa e o Mundo, tanto mais em todo este complexo e agitado contexto da guerra na Ucrânia, onde o gás natural assume um especial destaque (tanto que levou Mario Draghi a dizer que se tente colocar a energia à parte), dificilmente a nuclear pode deixar de ter, nem que seja uma simples anotação em pé de página, no programa do futuro Governo, dado o seu potencial e importante contributo, no conjunto de uma política de transição energética consistente e nas soberanias dos países.

Conhecemos, no entanto, a posição institucional do actual governo pela voz do ainda ministro do Ambiente e Acção Energética, João Pedro Matos Fernandes, que, em plena Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP26), realizada na Escócia em Novembro de 2021, rejeitou o nuclear na sua globalidade.

Nem foi capaz de fazer uma referência à fusão nuclear quando em curso estão experiências tecnológicas avançadas em vários países do Planeta, incluindo a Europa, e quando se está a recorrer a meios como a Inteligência Artificial (IA) com vista a controlar o plasma no interior do reactor.

Parece-me conservadorismo a mais e uma falha de perspectiva sob vários ângulos.

António Costa, na campanha para as legislativas, trouxe este assunto a debate com Rui Tavares. Não foi muito feliz, certamente porque menos bem informado, ao atirar-lhe o “pecado mortal” de defensor da energia nuclear. Rui Tavares lembrou-lhe que, apesar de ser contra as centrais nucleares tradicionais, que recorrem à fissão nuclear, defende “o investimento na fusão nuclear como possível para os próximos dez anos”.

Pelo que tenho lido, não serei tão optimista como o deputado do Livre, (dez anos seria uma excelente caminhada). Bom seria que assim fosse, porque teríamos pela frente, em pouco tempo, um Mundo novo.

Concluindo, o Governo rejeita, hoje, a energia nuclear. Uma atitude que aguarda, no mínimo, um rasgo de reflexão para se ajustar à posição da própria Comissão Europeia que acabou por reconhecer à nuclear e ao gás natural (algo discutível neste último caso) um papel equivalente às renováveis, no combate às alterações climáticas.

2. A energia nuclear, sempre polémica, encontra-se, porém, num processo de grande evolução tecnológica e de boas expectativas, o que pode vir a interferir, a prazo, com os interesses de lobbies muito fortes no terreno das energias.

Sintetizando, de forma esquemática, a actual situação da nuclear, temos:
A existência de centrais nucleares clássicas com produção de electricidade a partir da fissão ou, como preferem alguns especialistas portugueses utilizando a linguagem vigente no antigo LFEN, cisão. As novas centrais (EPR2) como as anunciadas no plano Macron, baseadas na fissão, incorporam avanços tecnológicos importantes trazendo maior segurança, o que não afasta, em definitivo, a totalidade de riscos. Tenho designado, muito subjectivamente, estas centrais nucleares como integrantes da fileira da indústria nuclear pesada.
Uma outra fileira a iniciar a sua vida industrial que designo de fileira nuclear ligeira é “a dos pequenos reactores modelares”, SMR, de menor custo, flexíveis, maior segurança e redução de tempo de construção. Estes pequenos reactores começaram a ser falados numa coluna do “Wall Street Journal”, em 23 de Março de 2010, pelo então Secretário de Estado da Energia dos EUA, Steven Chu, e só agora começam a fazer caminho, tendo recentemente a China ligado um SMR à sua rede energética.
E, finalmente, em desenvolvimento, vem a Fusão nuclear. Quando bem sucedida, teremos, como antes dizia, um mundo novo, dado este tipo de energia não emitir gases com efeito de estufa (CO2), garantir segurança contra acidentes nucleares e nem colocar problemas de armazenamento de detritos por que não os gera. Uma revolução energética. Acrescento quase perfeita.
Segundo li, para além dos reactores nucleares produzirem electricidade poderão vir a ter uma aplicação na dessalinização da água do mar e no aquecimento urbano sem falar da sua aplicação na electrólise da água na produção do hidrogénio verde.

3. Assim, menos se compreendem frases tão declarativas como esta do gabinete de Matos Fernandes: “Os tempos recentes provam que só a aposta nas energias renováveis pode defender a Europa dos elevados preços de produção de electricidade”, não levando em linha de conta as suas limitações na produção de electricidade porque requerem sempre o apoio de centrais de origem fóssil, dado o seu funcionamento de forma intermitente pois nem sempre há sol nem vento, quer mesmo na poluição ambiental quando se analisam as renováveis ao longo do seu ciclo de vida, quer em elevados custos de produção.

Vejamos um exemplo: a energia solar. Não entramos na eólica pois a situação é bem mais complexa.

4. O sol é, em princípio, uma fonte inesgotável e a maior fonte energética do mundo. Só que é a mais cara de todas. Porquê?

Porque a luz solar tem uma limitação de fundo. Uma luz difusa com uma densidade muito baixa.

Retirar da luz solar uma quantidade significativa de energia obriga-nos a cobrir uma vasta área, quer com espelhos para focar os seus raios, quer com painéis de células fotovoltaicas e com uma eficiência deveras baixa. Assim, o investimento torna-se demasiado elevado e o quilowatt-hora fica muito caro face à grande maioria das outras fontes de energia.

Os avanços tecnológicos têm sido grandes, sobretudo em termos da melhoria dos equipamentos e até no solar flutuante, instalado em barragens, lagos, conseguiram resolver um problema técnico que acontecia com frequência, os incêndios, inutilizando partes significativas do equipamento.

5. Quando se entra numa análise mais ampla das renováveis, mesmo tendo confiança nos avanços da Ciência, algumas limitações de fundo nunca desaparecerão, como as de ter sol quando se quer e vento nas condições requeridas.

Não convém por isso “divinizar” tanto as energias renováveis, que até não são tão limpas como se apregoa, embora se posicionem muito além das de origem fóssil, pois são energias livres de carbono no seu produto final como a nuclear o é.

6. E se, como li, os reactores oferecem uma utilização potencial na dessalinização da água do mar, que futuro nos pode vir designadamente com os SMR, cujo fabrico custa menos, demoram muito menos tempo a ser construídos e são mais flexíveis, podendo combinar com as renováveis nos seus períodos de intermitência produtiva?

Em minha opinião, a nuclear merece mesmo uma nota de pé de página.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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