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segunda-feira, 26 de junho de 2023

Fabricantes do Ocidente perturbados com a qualidade das viaturas chinesas


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O salão automóvel de Xangai foi um autêntico choque para os construtores ocidentais. Permitiu-lhes o contacto com o seu atraso tecnológico face à China, neste domínio.



1. Hoje, não vou voltar ao fabrico de aviões em que a China iniciou uma “longa marcha”, recente, de competição com o Ocidente, através da empresa COMAC com sede em Xangai, em que para ser bem-sucedida terá de saber superar várias barreiras, difíceis algumas, aplicando cuidadosa e inteligentemente os trunfos que já adquiriu ao nível do conhecimento técnico, mas não da diplomacia comercial e em especial na sua cooperação com os BRICS (actuais e futuros) e, porque não com a França (?), uma vez que Macron entrou em contacto com Cyril Ramaphosa, Presidente da África do Sul, país anfitrião da Cimeira dos BRICS de 22 a 24 de Agosto próximo, em Johanesburgo, no sentido de nela participar.

Esta solicitação de Macron causou surpresa e desconfiança em todo o mundo. Desde “cavalo de Tróia”, até ideia ousada, atrevida e inovadora na perspectiva de ganhar pontes com um grupo de países com influência cada vez maior no panorama geopolítico global, já tudo se disse. A situação é ainda uma nebulosa, sentindo-se sinais de que esta mostra de alguma autonomia de França, não terá caído bem nos EUA e mesmo em alguns parceiros europeus.

Também é verdade. Macron causou imensa surpresa e interrogações entre os BRICS, até porque a Cimeira tem uma agenda bem conhecida, com um ponto forte: o alargamento. 20 pedidos de adesão estão sobre a mesa. E alguns sonantes como a Arábia Saudita e Irão (recentemente reconciliados), Indonésia, Argentina, México, Turquia, Egipto. …

2. Regresso à China, mas não gostaria de voltar a receber, de gente não identificada, emails pouco recomendáveis, como quando, aqui, há algum tempo, publiquei uns artigos de opinião sobre “o século da Asia”, cujo título nada tinha de original, porque muitos estudos e artigos, por toda a Europa, assim designavam e continuam a designar o século XXI.

Evidente e natural essa abordagem começar pela China, (depois India, Japão …), o país, então e agora, mais em evidência, onde assenta de facto, o motor dessa mudança do Mundo para a Ásia.

O automóvel eléctrico chinês

O tema hoje é a viatura de fabrico chinês. Estamos perante uma situação oposta à da indústria aeronáutica. A China aqui comanda, tendo-se tornado, no primeiro trimestre de 2023, o primeiro país exportador do mundo de viaturas eléctricas.

O salão automóvel de Xangai realizado, em Abril último, foi um autêntico choque para os construtores ocidentais. Permitiu-lhes o contacto com o seu atraso tecnológico face à China, neste domínio, traduzido na construção de viaturas e de baterias a baixo custo.

Mas o que perturbou, rotundamente, os fabricantes do Ocidente, sobretudo os europeus, não foi tanto a quantidade exportada, mas a qualidade do produto que, em nada, deve aos melhores carros eléctricos, construídos no Ocidente.

No entanto, as fábricas chinesas poderem disponibilizar veículos eléctricos de qualidade a 10.000 dólares por unidade, faz grande mossa.

O Ocidente não consegue. Tanto assim é que o Comissário Europeu, Thierry Breton, responsável pelo mercado interno da UE, começou a congeminar “uma investigação” às práticas comerciais das marcas chinesas de carros eléctricos. Antes da investigação, já fala de “dumping”. E mais curioso uma vez que algumas das marcas chinesas são produzidas em fábricas de capital misto Ocidente/Chinês. Por exemplo, a BYD, que é a segunda maior construtora mundial, concorrente da Tesla (primeira), tem capital de Warren Buffet.

Que finalidades procura esta iniciativa de Thierry Breton? Limitar a entrada no mercado europeu de automóveis chineses, aplicando tarifas aduaneiras. Outro contrassenso sobretudo para as empresas americanas que investiram na China, como se referiu.

E isto sobretudo porque as baterias de fabrico chinês saem mais baratas na produção, ao usarem materiais de fabrico próprio sobretudo à base de lítio, ferro e fosfato, enquanto o Ocidente recorre a lítio, cobalto e níquel, minérios estes bem mais caros, mais poluentes e que causam problemas éticos, por exemplo, na República Democrática do Congo devido às condições de extração.

E ainda um outro grande problema de mercado. A China assegura mais de 85%, (há quem refira acima de 90%), dos minerais críticos, utilizados nas baterias, nomeadamente o conjunto de minérios conhecidos por terras raras.

Recentemente, soube-se da existência de reservas de terras raras na Europa, por exemplo na Gronelândia e na Suécia.

Sobre a Gronelândia há toda uma história onde até Donald Trump, em 2019, tentou comprar a grande Ilha, um território autónomo da Dinamarca. É evidente que a China também andou a sondar como se aproximar desse território.

Apesar das reservas detectadas, para além do tempo necessário para efectivar um projecto mineiro, há na Europa, mais que nos EUA, grandes tensões políticas sobre a exploração mineral.

Na Europa, está subjacente uma mentalidade neocolonial. Na exploração de minérios é sempre preferível deixar os estragos fora e comprar limpa a matéria-prima. Tem sido esta tese a predominante.

Porém, no caso da Gronelândia, a situação para além desta mentalidade é ainda mais complexa. Não se dominam os efeitos da exploração por se tratar de uma região polar, o que vem causar muitas interrogações e convém agir sensatamente. De erros grotescos a Europa é especialista como no caso do gás russo em que se corta o consumo e houve que regressar ao carvão. Temporário espera-se, mas regressou-se, com todos os efeitos nefastos.

A dependência da Europa

A União Europeia tem uma elevadíssima dependência em terras raras e em outros minerais críticos, como o lítio. Portugal é o país com maiores reservas de lítio na União, mas o processo de exploração por erros básicos, como a falta de diálogo com autarquias e população criando profundos desentendimentos e instabilidade social, tem atrasado o arranque dos projectos de mineração.

A União Europeia até tem um plano para a produção de baterias desde 2018, mas sem recursos básicos a aposta é a reciclagem podendo, diz, atingir 20% das necessidades do plano. E os restantes 80% como se resolvem, tanto mais que as relações Europa/China já foram bem melhores?!

Independentemente do futuro do automóvel eléctrico, designadamente pelos limites de autonomia, a Europa dificilmente terá uma posição de relevo como ambicionou, apesar dos milhares de milhões de euros gastos, por atrasos e erros estratégicos em muitos domínios. E com esses atrasos tecnológicos e comerciais, concorrer com os EUA e a China é uma tarefa difícil para não dizer impossível.

Mesmo para manter uma posição no carro eléctrico, não de primeiro plano, a União Europeia terá de alterar substancialmente a sua política de mineração, a sua política de reciclagem e de cooperação com a China, que tem vindo a degradar-se nos últimos tempos. Gastar dinheiro sem visão é continuar a bater no muro. Aliás, o Tribunal de Contas Europeu, em relatório recente de 19/06/2023, afirma que a política de Bruxelas para as baterias eléctricas está completamente errada. “O cerne do problema é o risco de escassez de matérias-primas estratégicas para fabricar as baterias e a dependência europeia”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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