Por
João Abel de Freitas,
Economista
Tememos, face ao que se passou nas recentes eleições nacionais, em que se falou de tudo menos dos problemas reais do País, que o mesmo venha a acontecer nas eleições para a UE.
Em eleições passadas, os partidos portugueses, candidatos ao Parlamento Europeu, pouco de concreto nos informaram do seu pensamento sobre o que a União Europeia (UE) deve fazer como Instituição, no plano mundial e na relação com cada Estado-membro e, sobre o trabalho a desenvolver por cada partido no sentido de pressionar a UE a avançar no caminho que defende.
Não foram capazes de ultrapassar as meras tricas internas e nada nos elucidaram sobre os múltiplos problemas que a UE atravessava e menos ainda se iriam com a nova representação ir além de uma mera presença no Parlamento.
Tememos, face ao que se passou nas recentes eleições nacionais, em que se falou de tudo menos dos problemas reais do País, que o mesmo venha a acontecer nas eleições de Junho próximo para a União Europeia.
Centrar as discussões no cerne dos problemas da Europa é determinante para Portugal e restantes Estados-membros, pois a Europa está numa encruzilhada muito perigosa, uma das mais complexas porque tem passado, um início de ciclo de empobrecimento e de potencial desaparecimento de empresas e indústrias estruturantes da sua economia, como o automóvel.
A União Europeia atravessa uma crise de desespero profunda, em vários domínios e vários países, graças a decisões e políticas profundamente desajustadas ao longo dos tempos ou por ausência de políticas e medidas nos devidos momentos.
A União Europeia a perder o pé
1. O mundo agrícola
No mundo agrícola, a contestação é enorme. Os tractores nas ruas são a imagem perfeita, assistindo aos agricultores europeus múltiplas razões de raiva e protesto. A cedência que alguns governos têm feito vão no sentido de tentar baixar a chama e não de a apagar com a solução dos problemas.
O presidente Macron, ainda recentemente, prometeu acabar com a suspensão dos direitos aduaneiros sobre o frango ucraniano que a UE decidiu, logo após a invasão da Rússia. Uma exigência do mundo agrícola francês, decisão essa que, aliás, só enche os bolsos do grande exportador de Kiev, Yuriy Kosink e dos grandes importadores franceses, prejudicando os médios e pequenos agricultores e o consumidor em geral, pelo aumento de preços.
Analistas referem que a principal razão desta tomada de posição é política, estancar a progressão de Marine Le Pen no “roubo” do voto do agricultor francês.
Já na Polónia o problema maior para os agricultores tem sido os cereais a preços muito inferiores, tanto assim que bloquearam na fronteira a entrada de mais de dois mil e quinhentos camiões.
E se saltarmos para outros países, estes e outros problemas estão na origem da contestação global dos agricultores europeus aos seus governos e à União Europeia. Para vários analistas, isto traduz um cansaço das pessoas face aos efeitos da guerra da Ucrânia e, pior, uma rejeição generalizada à sua entrada futura na UE, pelo temor da maior produtividade da agricultura de Kiev.
E o problema de fundo é esse mesmo. As sucessivas reformas da PAC poucas melhorias têm trazido a acréscimos de rendimento dos agricultores europeus. Daí que a PAC mereça uma profunda refundação.
2. A desindustrialização
Num outro domínio, o da industrialização, a Europa atravessa uma fase muito crítica, com vários setores em afundamento, já em curso ou a curto/médio prazo, como o automóvel.
O símbolo desse afundamento, como bem refere o jornal britânico, “The Times”, é o de um navio cargueiro a aportar em Vlissingen, na Holanda, em 21 de fevereiro de 2024: “A chegada de sua carga deve marcar a abertura de um novo capítulo na supremacia industrial da China ou o início de uma guerra comercial”.
O cargueiro transportava “7.000 carros elétricos destinados aos mercados europeu e britânico”, diz o jornal. O navio pertence à BYD, a empresa chinesa que destronou a Tesla, ao se tornar o maior fabricante mundial de carros elétricos. A BYD ainda sofre de alguma falta de notoriedade na Europa, mas o grupo chinês tem vindo a trabalhar o mercado europeu, nos últimos meses, no sentido de o conquistar. E como está tecnologicamente à frente e o preço é imbatível, a remodelação da “paisagem europeia do automóvel” está à vista, reduzindo fortemente a sua produção.
De novo com o “The Times”, como competir com os fabricantes chineses e, em particular a BYD, que “encontraram a receita para produzir mais e a um custo mais baixo do que todos os [seus] concorrentes?” (…) “Os modelos de entrada [da BYD] são vendidos na China por pouco mais de £ 8.000, enquanto os britânicos têm de pagar cerca de 40.000 libras pelo Tesla mais barato”.
Não vai ser fácil segurar uma indústria que representa na Europa cerca de 7% da economia e emprega 13 milhões de pessoas, quando a própria Europa decretou o fim das vendas dos veículos a combustão para 2035, sem antes ter colocado no terreno uma política sustentada de mudança.
Não é com as denúncias de Bruxelas de subsídios ocultos pela China, em que tanto se empenhou a Comissão Europeia, em finais de 2023, que o automóvel europeu vai sair da crise em que está a mergulhar. Diferentes passos são necessários: acordos entre empresas europeias do automóvel e parcerias sólidas com países terceiros, sobretudo nos minerais críticos e baterias.
Ouçamos o que nos disse Carlos Tavares, gestor português, CEO da Stellantis, grupo criado entre a italiana Fiat e a francesa PSA, à Bloomberg Television, em Fevereiro último: “Estou perfeitamente ciente de que, no futuro, as empresas que não forem capazes de resistir à concorrência chinesa se colocarão em dificuldade” e já antes avisara: a indústria automóvel europeia caminha para um “banho de sangue”, se não reagir a tempo.
E aqui estamos de forma tardia e cada vez com menos meios para reagir, perante uma indústria essencial à Europa que, se falhar na sua reestruturação e entrar em recessão profunda, é um duro golpe na economia.
Mas a desindustrialização não pára aqui. Temos a química em que sobretudo a Alemanha não está bem. Os seus grandes grupos estão em franca perda e a deslocalizar para fora da Europa. E aqui o grande problema é o custo da energia que subiu proveniente das sanções aplicadas à Rússia, tendo os empresários alertado os políticos para o embate de certas tomadas de decisão que estavam no horizonte próximo por pressão dos EUA. Como avançaram, sem alternativas, é o afundamento.
A Europa foi a mais atingida. O alvo, a Rússia, até melhorou, pois, diversificou os mercados de exportação e indiretamente continua a exportar para a Europa, agora em melhores condições de preços. A sua economia, segundo o FMI, até cresce no mundo, acima da europeia (3% em 2023, 2.6% em 2024 e 1.1% em 2025).
São factos perturbadores a merecer um empenho de reflexão e o tempo até às eleições europeias de Junho parece-nos uma altura oportuna. A crise avança de forma lenta, mas persistente e precisa de ser estancada, sob pena de um afundamento a prazo da Europa.
P.S. 10 de Março. Com resultados parciais, a situação é bem complexa. AD ganha com margem estreita. Esquerda acusa uma profunda derrota, o que Marcelo sempre desejou, intervindo na campanha até ao fim nesse sentido. Finalmente, a extrema-direita instala-se no regime folgadamente. Instabilidade é o que nos espera.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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