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quinta-feira, 25 de abril de 2024

Presidente da Comissão Europeia em mar revolto


Por 
João Abel de Freitas, 
Economista

Von der Leyen está metida num processo de contornos claramente duvidosos, de contratação pela UE de um seu correligionário de partido, o eurodeputado Markus Pieper, a quem atribuiu um alto cargo bem remunerado.



Entre 6 e 9 de Junho, vão ser eleitos os 720 deputados do Parlamento Europeu. A presidente da Comissão europeia, Ursula von der Leyen, manifestou vontade, junto do seu grupo parlamentar europeu –PPE –, de continuar a liderar a Comissão por mais cinco anos.

Até aqui, tudo legítimo. Porém, face a acontecimentos vários e de natureza diversa será que reúne condições para o cargo?

Notas retidas da comunicação social para um melhor juízo

1. Ursula von der Leyen deveria esforçar-se por apresentar um núcleo de ideias fortes de credibilização dessa vontade e uma análise crítica sobre os domínios que correram bem e menos bem no seu primeiro mandato. Muitos foram os que correram menos bem na política, gestão e estratégia, devido ao seu apego sectário aos interesses económicos e políticos do seu país de origem, a Alemanha, com relevo para a energia e à sua manifesta dependência acrítica dos EUA, designadamente, a aceitação sistemática de sanções económicas desadequadas aos interesses europeus, mas benéficas aos EUA.

Von der Leyen apresentou-se na Roménia, em Março último, na reunião do PPE, onde a sua candidatura foi apresentada e aclamada, com um discurso vazio e, quando uma ou outra ideia surgia era de colagem à direita radical (grupo Meloni) como o tema da imigração, onde até o PSD português se demarcou dessa posição.

2. Acontece que, nos últimos tempos e, sobretudo, nos últimos meses, a vida de Von der Leyen, na Comissão, não anda a correr-lhe de feição.

Para além do “Pfizergate”, suspeitas de corrupção e conflito de interesses em torno da compra de vacinas, aquando da Covid-19, situação em investigação na Procuradoria Europeia, surge o “Piepergate” a ensombrar ainda mais a sua imagem. É motivo para referir o velho ditado: “uma desgraça nunca vem só”!

A presidente Von der Leyen está metida num novo processo de contornos claramente duvidosos (há quem denomine “escândalo”), de contratação pela UE de um seu correligionário de partido (CDU alemã), o eurodeputado Markus Pieper, a quem atribuiu um alto cargo bem remunerado – o de representante da Comissão Europeia para as Pequenas e Médias Empresas (PME). O processo, conhecido na comunicação social como “caso Piepergate”, tem sido comentado em vários jornais, incluindo o “Expresso” (10 abril 2024).

Markus Pieper foi o escolhido, apesar de haver outras duas candidaturas, com melhor avaliação para o cargo, nas três comissões de selecção, sendo uma de consultores externos. A diferença de pontuação não era assim tão somenos, mas da ordem de 30%, segundo revela “La Matinale Européenne”.

Markus Pieper não era um eurodeputado qualquer, mas o secretário da delegação da CDU alemã no PE, um político de peso com influência no seio da democracia-cristã alemã e no próprio PPE.

3. As entorses de processo são de elevada monta e pouco se compreende a cooperação extrema de Ursula von der Leyen, a não ser lendo os jornais. E, aqui, podemos evoluir para uma “teoria de compra” de elevado cargo político bem remunerado.

Enquadramento mínimo do processo

4. A criação do cargo foi anunciada por Von der Leyen, no seu discurso institucional da União, em Setembro de 2023. Poucos dias depois, é aberto concurso, fixando-se o dia 25 de Outubro como data limite para a entrega de candidaturas.

Apresentam-se: Markus Pieper, eurodeputado da CDU alemã, Martina Dlabajorá, eurodeputada europeia liberal da República Checa e Anna Stellinger, directora geral adjunta da Confederação das empresas suecas, encarregada dos assuntos internacionais e europeus.

Depois do crivo nas comissões de selecção, as três candidaturas são convidadas para uma outra entrevista com Von der Leyen, o comissário Thierry Breton, responsável pelas PME e Johannes Hahn (comissário da Administração), equipa escolhida pela presidente da Comissão.

Na base da entrevista, Breton recomenda Martina Dlabajova para o exercício do cargo. Alguns dias mais tarde, na reunião do colégio de comissários de 31 de Janeiro de 2024, estando Breton ausente em missão, nos EUA, Von der Leyen avança com a nomeação de Markus Pieper para representante da Comissão Europeia nas PME.

Refira-se, segundo escreve “La Matinale Européenne”, o que está em causa é uma troca de apoio ao segundo mandato de Von der Leyen. Thierry Breton foi apanhado de surpresa na volta dos EUA.

Uma parte do Colégio de Comissários, quando tomou conhecimento deste processo sui generis, decidiu contestar abertamente a decisão de Ursula von der Leyen, através de carta (27Março 2024) a exigir uma reanálise da situação. Entretanto, a candidata checa também apresenta recurso.

Todos estes procedimentos, uma vez conhecidos, aliados a outros comportamentos políticos recentes de Von der Leyen nomeadamente as posições de exagero de defesa de tudo quanto vem de Israel colocam Von der Leyen em situação muito crítica. E, assim, é de se interrogar como pode Von der Leyen continuar na corrida a um segundo mandato?

Será mesmo que o PPE, face a todos estes imbróglios, arrisca continuar a apoiar Ursula von der Leyen, correndo o risco de uma derrota no futuro Parlamento Europeu quando foi eleita para o anterior mandato pela margem de 12 votos apenas?

O que farão agora os partidos portugueses, PSD e CDS? Não está em causa a origem partidária de Ursula von der Leyen, pois sendo o PPE o grupo esperado como o mais votado tem esse direito de proposta.

Finalmente, a 16 de Abril último, o eurodeputado alemão demite-se no dia exacto em que ia assumir o cargo, porque é desautorizado no PE por uma votação maioritariamente contra a sua nomeação (382-144). Que enxovalho político para Von der Leyen!

Neste processo de nomeação e de ‘desnomeação’, as acusações mútuas também ocuparam grandes espaços na comunicação europeia, nomeadamente na francesa, dada a denúncia do comissário francês, responsável pelas PME.

Os deuses devem estar loucos

5. Quando a situação política europeia está a rumar fortemente para a direita radical, situações como esta são uma via verde. Os laivos de corrupção e influência são fortes e a solução só pode ser o afastamento da candidatura de Von der Leyen. Vários nomes correm nos meandros dos jornais.

Que haja bom senso para credibilizar a próxima Comissão Europeia, tanto mais que vêm aí tempos difíceis! Não é imaginável ver, lado a lado, nos comandos do Mundo Ocidental, Von der Leyen, depois de imagem tão degradada, e Trump. Mas tudo pode acontecer. A acontecer tudo isto, não passa de uma “comédia”, deprimente e triste. Um retrocesso. Como diz o filme: “Os deuses devem estar loucos”.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

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