Adsense

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Vazio

 

As eleições presidenciais são lá para Janeiro de 2025, mas o frenesi já começou com nomes lançados por um partido. Não sei se para queimá-los em lume brando ou se trata de uma pontual excitação política para marcar terreno ou para ver se têm pernas para andar! Seja qual for a intenção, considero extemporâneo tal preocupação. Por dois motivos: primeiro, porque distam dezessete meses do acto eleitoral; segundo, porque uma candidatura presidencial, embora nada a isso obrigue, deve emergir da sociedade, da iniciativa pessoal e não especificamente pela "bondade" dos partidos políticos. Após a assunção das candidaturas, aí sim, podem os partidos manifestar a sua adesão, de acordo com os seus posicionamentos ideológicos. Seria mais sensato, sustento, que assim fosse.



Porém, não é bem assim que funciona. Independentemente disso, o que desde há muito me preocupa, é a sensação de vazio quanto a pessoas de reconhecida credibilidade e idoneidade social, capazes de assumirem a mais alta função do Estado. Sobram algumas referências, é verdade, mas das duas uma: ou os partidos, por razões diversas, expurgam-nas de imediato ou são os próprios que se distanciam do pântano no qual atolaram a vivência democrática. Correr o risco de ser enxovalhado pelo radar dos interesses e do escrutínio da vida privada, é aspecto que o bom senso aconselha a não correr.

É certo que temos portugueses ao mais alto nível do exercício da política. Neste momento, António Guterres enquanto Secretário-Geral da ONU ou António Costa, brevemente, na liderança do Conselho Europeu. Mas falta-nos outros da estirpe de Mário Soares, Álvaro Cunhal até Adriano Moreira, cidadãos de percurso notável que já não se encontram no mundo dos vivos. É evidente que existem, na sociedade, figuras de topo, de indiscutível mérito, cultural e académico, em vários sectores, com opinião e sentido de serviço à comunidade, mas lá está, as trituradoras máquinas partidárias afugenta-as, não permitindo que contribuam de forma exemplar para o sucesso da sociedade. Creio que estamos a nivelar por baixo. É o banco de suplentes a funcionar.

Foi esta a sociedade que construímos, de uma forma afunilada, onde tudo começa e termina numa partidarite aguda. Hoje somos vítimas de uma clique que, genericamente, galopa no terreno dos interesses pessoais, de grupos mais ou menos fechados, e não no espaço de uma democracia aberta, livre e consistente. Dificilmente outro podia ter sido o resultado, quando a Escola, neste meio século de vivência democrática, não soube educar para uma cidadania activa e culta capaz de impor o respeito às organizações partidárias. 

Ainda sobre a Escola, cinquenta anos depois, a propósito dos últimos incêndios, chocou-me assistir à linguagem verbal de um entrevistado, cuja televisão não teve outro remédio senão legendar. O senhor pareceu-me ter menos de 60 anos, portanto, teria dez quando o anterior regime foi derrubado. Não me refiro às características regionais ou locais da fala, mas ao conteúdo e à capacidade de transmissão de um pensamento minimamente escorreito. Isso aprende-se, independentemente do concelho, freguesia ou sítio onde se vive.  Como é possível estarmos, ainda, nesse patamar da legenda para ser entendido.

Ora, as organizações partidárias andam a leste destes problemas, genericamente vivem viradas para si próprias, quando elas são importantes enquanto estruturas que emergem da democracia representativa. Como se lê na obra de Robert Michels [1911], Sociologia dos Partidos Políticos (1982), elas acabaram por sedimentar "numa estrutura altamente burocratizada, comandada por um conjunto de dirigentes profissionais muito mais preocupados com a manutenção das suas posições internas e com a sobrevivência da organização, do que com os objectivos políticos que inspiraram a sua criação" (...) "quem diz organização diz oligarquia", acrescenta Michels. 

Para reflectir!

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Fogos e os novos "lápis azul"

 

Caro presidente Dr. Filipe Gonçalves e toda a direcção da delegação na Madeira do Sindicato dos Jornalistas: parabéns. Parabéns pela coragem na denúncia de um "clima de pressões e restrições" no acompanhamento dos fogos florestais. Pressões que "atingem, também, os responsáveis pelos órgãos de comunicação social, que são pressionados a desmentir notícias que depois se confirmam serem verdadeiras".



Dir-se-á que sempre foi assim, que outros denunciaram e foram visados, só que chegou o momento de dizer basta. Gostaria eu ser formiguinha para ter a noção da realidade, das pressões e também ameaças, umas vezes produzidas de forma subtil, outras, descaradamente, sempre no quadro de um "lápis azul" dos tempos modernos.

Contornam a liberdade com traços engenhosos, quase sem deixar rasto, emergindo como santos de um processo prenhe de enganos. Julgam que todos estão à venda e que controlando-os conseguem sobreviver no pântano da política.

Está entranhado no modo de exercer a política. A muitos corre-lhes nas veias esse sentido de domínio, de perversão da democracia, por interesses pessoais e de grupo, atacando na causa, para que ninguém tome conhecimento da realidade. O lamaçal tem de ser escondido ou disfarçado aos olhos dos eleitores. Faz parte da engrenagem da "máfia boazinha". Neste caso, o que é patente ao comum dos cidadãos é o crónico desastre na floresta, mas aos olhos de uns quantos estamos perante um caso de absoluto "sucesso". Isto é, por um lado, evitam que os jornalistas descrevam a realidade, por outro, de megafone na mão, falam da excelência do trabalho feito. Esquecem-se que os jornalistas não são "pés de microfone"! 

Estou certo que não conheço "da missa nem a metade", melhor dizendo, o que por aí, intencionalmente, se esconde. Mas, porque nada é eterno, tenho a sensação que, um dia, na abertura dos armários ou dos "arquivos mortos" cairão, em catadupa, centenas de dossiês escondidos ou ignorados pela tal subtileza dos discursos ao longo de 48 anos. Trata-se de uma mera convicção minha a avaliar pelo "clima de pressões e restrições" agora claramente denunciados.

Pegando da expressão popular, quando se fala da noite de 31 de Dezembro e a propósito de algo que nos desencanta, noutros espaços políticos, estou certo que este governo não chegaria "a ver o fogo"! Porque dói ver tanta devastação e ter consciência das dezenas de anos para uma total recuperação.

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A Alice e os incêndios na Madeira

 


A percepção que tenho é que o Senhor Presidente do Governo Regional da Madeira quer demonstrar assertividade, todavia, em cada intervenção demonstra que se encontra num labirinto de difícil saída política. 

Evidenciando sinais de alguma perturbação pelos comentários pouco abonatórios que lhe têm sido dirigidos, socorreu-se do livro "Alice no País das Maravilhas" sobre a Rainha de Copas: "primeiro corta-se a cabeça e depois faz-se o julgamento". Se me tentam intimidar, se acham que eu vou ficar com stress por causa disto, estão enganados, acrescentou.

Pois bem, do mesmo livro devia o Senhor Presidente ter presente que a Alice perguntou ao Gato Cheshire... pode me dizer qual o caminho que eu devo tomar? Isso depende muito do lugar para onde você quer ir – disse o Gato. Eu não sei para onde ir! – disse Alice. Se você não sabe para onde ir, qualquer caminho serve.

Ilustração: Google Imagens

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Abutres e treinadores de bancada

 

De uma assentada o Senhor Presidente do Governo da Madeira despachou-nos para as Selvagens. Políticos e população foram embrulhados em "papel grosseiro" e aqui vai disto: minhas senhoras e meus senhores, mesmo os que me elegeram, calem-se porque são incultos, rudes e intratáveis. Melhor dizendo, nas suas palavras, uns são "abutres políticos" e, outros, "treinadores de bancada". Não percebem nada de fogos, muito menos de incêndios florestais. Já passei por muitos, dirá, o que poderia significar conhecimento através da experiência vivida. Pois, há quem diga que tem 20 anos de experiência (ou 20 incêndios), porém, na verdade, têm uma experiência repetida 20 vezes. O problema reside aí, quando a experiência não actualizada permite a continuidade dos erros!



Não me vou arvorar em "treinador de bancada", mas leio muitos desabafos, técnicos e científicos, que nada abonam em favor da defesa da nossa "casa comum". Ainda ontem escutei uma notável entrevista ao madeirense Engº Doutor João Baptista (RTP-Madeira), ele que é apenas um ilustre da ciência, não um "abutre" ou "treinador de bancada", onde deixou a nu as crónicas vulnerabilidades da Região. Escutei, também, a voz autorizada e frontal do geólogo Dr. Raimundo Quintal, que não o tenho por "abutre" ou "treinador de bancada", apenas um estudioso destas matérias. E, entre muitas outras, ainda hoje, li uma declaração de Joaquim Jorge, fundador do Clube dos Pensadores, que fala de um presidente "com o seu lado errático e cabotino" (...) Este senhor é um "monstrinho" a pensar e a agir. Os madeirenses que se lixem (...)". 

Exclamo, enquanto espectador de bancada, o que são, afinal, 5 000 hectares ardidos! Coisa pouca, não é?


Ora, gritam os "treinadores de bancada" que "quem cospe para o ar..." está sujeito a apreciações, por vezes, muito negativas. É esse lado "errático", agora compreendo, que tem conduzido, ultimamente, a coros desagradáveis quando vai a um qualquer sítio. Quem faz do trabalho político uma quase profissão, devia ter sempre presente que o exercício da democracia deve descartar ofensas aos eleitores, mesmo que a sua opinião seja completamente divergente. Está, apenas, legitimado para governar, não para ofender. Mais abalizada ou não, os outros políticos eleitos (os tais abutres) e o povo em geral (os tais treinadores de bancada), têm o direito e até o dever de assumir, publicamente, o que pensam. Eles não são meras excrescências, enfim, "coisas que desequilibram a harmonia" dos governos tipo "duracel". É uma chatice confrontar-se com outras opiniões, mas é assim que a democracia funciona. Eles, os "abutres" e os "treinadores de bancada" não são enfeites nem jarrinhas encantadoras que legitimam um poder de quatro em quatro anos. Merecem respeito!

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

O que é que a Padroeira tem a ver com isto?

 

Nutro um profundo respeito por todos quantos veneram a Senhora Mãe de Cristo. Mas invocá-la "em vão" considero inapropriado e, sobretudo, oportunista. O Senhor Bispo pediu "protecção e ajuda aos que combatem os fogos na Serra de Água", a Senhora Presidente da Câmara, Drª Cristina Pedra, "que lhe dê forças (para continuar) a gerir bem" e o Dr. Jorge Carvalho viu ali "uma oportunidade para agradecer todas as dádivas que nos são concedidas". Espantoso!



O que é que a Padroeira tem a ver com isto, com as questões que pertencem às opções dos Homens? O que tem a ver, segundo deduzi, com um louco que lançou um foguete e provocou um incêndio? O que tem a ver, por exemplo, com a hipótese de construção de um parque de estacionamento no Largo do Colégio? O que tem a ver com a embrulhada em que se encontra o sistema educativo, insatisfatório para alunos e professores?

Será por culpa da Senhora que as árvores caiem e matam? Terá Ela culpa da corrupção dos Homens? No outro extremo, responsável pela pobreza, onde os pensionistas mais desfavorecidos, irão contar, dizem, com € 100 ou 200 Euros que sobram do banquete de outros? O que terá Ela a ver com os saneamentos dentro do mesmo partido ou com o desespero de quem precisa de uma consulta ou de um cirurgia? Será que tem responsabilidades por "permitir" disfarçados "monopólios" onde quase tudo gira em redor de meia dúzia? Terá alguma responsabilidade dos dois matutinos pertencerem ao mesmo proprietário? Será responsável pela existência de quase 30% de pobres que estendem a mão nas instituições assistenciais? Será responsável pela existência de mais de cinco mil jovens que não trabalham nem estudam? Será que é responsável pelos preços da habitação, pelos juros bancários, pela inflação provocada? Será que é a responsável pelo caos urbanístico, as perdas de água e pelo desperdício dos dinheiros públicos? Por aí fora... tanto e tanto que havia para desfiar? 

A Senhora não tem culpa pelo que Homens e Mulheres fazem. Nem Ela deseja, certamente, a estupidificação dos crentes. Por um lado, presumo, que a Senhora dispense agradecimentos de circunstância; por outro, que lhe peçam seja o que for. Simplesmente porque é o ser humano, no exercício da política ou não, que têm o supremo dever de cumprir a paz entre todos. Lembram-se do Sérgio Godinho...  "(...) Só há liberdade a sério quando houver... A paz, o pão, habitação, saúde, educação (...)". Não é a Padroeira a responsável por este desígnio, mas quem administra a res pública, desde a Igreja a todos os sectores e áreas da governação.

Inspirem-se na Mulher, mas não Lhe peçam nada. Nem Lhe agradeçam.

Ilustração: Google Imagens.

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Ir ao pote




 








Por
Carlos Matos Gomes,
in Facebook, 13/08/2024
A Estátua de Sal


Ir ao pote. O meu reino por um pote. Blair e Passos Coelho são políticos guiados pela mesma luz: ir ao pote. Tony Blair, o rosto da terceira via do socialismo, levou o Partido Trabalhista do Reino Unido ao governo e venceu mais duas eleições com a promessa de continuar a política da liberal Thatcher.



A Terceira Via tinha apenas um objetivo: chegar ao governo, que corresponde ao ir ao pote na frase de Passos Coelho na entrevista à RTP de 17 de Fevereiro de 2011, quando desencadeou a crise da recusa à última hora do PEC IV, que o levaria ao governo.

Tony Blair escreveu há dias um dramático artigo no jornal The Guardian, a espojar-se em público, pedindo aos militantes do Labour para não votarem no velho militante da ala esquerda, Jeremy Corbyn, que, ó céus, tem a ousadia de se afirmar defensor do socialismo! O t’arrenego de Blair é nojento, próprio de um verme, mas elucidativo: ” Se Jeremy Corbyn for líder, não será uma derrota como a de 1983 ou de 2015 nas próximas eleições. Isso significará uma enorme derrota, possivelmente a aniquilação. (…) A eleição para a liderança do partido transformou-se em algo muito mais importante do que a escolha do próximo líder. A decisão agora é sobre se o ‘Labour’ continua a ser um partido de Governo”.

Como se vê, para Blair, o caixeiro-viajante de Bush na guerra do Iraque, a questão não é de um partido, neste caso o Partido Trabalhista que ele pôs a “render” em proveito próprio, ter uma proposta política, uma visão do presente e um projeto para o futuro da sociedade, mas sim do grupo dirigente ir ao pote, de ter a possibilidade de continuar a ir ao pote, de ser governo para uns tantos se governarem.

É, em versão local, exatamente o programa de Passos Coelho e do seu grupo do PAF: fazemos tudo, vendemos tudo, prometemos tudo, não temos princípios, mas deixem-nos continuar com a mão no pote, a ser governo por mais quatro anos. É o grau zero da política, mas também da moral, da ética e, para os seus defensores, o grau zero do carácter.

É sobre esta forma de fazer política, de ter um Blair caseiro, que tratam as próximas eleições.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Autarquias: água, saneamento e resíduos sólidos

 


Uma breve nota (DN, 29 de Julho, páginas 4 e 5):

Queixam-se os proprietários de AL pelo facto de lhes ser aplicada a taxa de tarifa comercial no consumo de água. Não quero debater essa questão, mas sim um outro aspecto que abrange qualquer consumidor. Nessa peça jornalística é enaltecido que "a factura da água abrange o serviço de abastecimento de água, mas também de saneamento de águas residuais e de gestão de resíduos. No abastecimento de água, o custo depende do volume consumido, enquanto no saneamento e nos resíduos sólidos os valores a pagar são calculados num indexante do consumo de água, não sendo aferida a real utilização destes dois serviços".

Ora, o problema reside aqui, na indexação abstracta de serviços prestados em função de um outro onde existem registos mensais (consumo de água). Aliás, este assunto tem barbas. Há quase trinta anos que, recorrentemente, este tema consta das actas da Câmara Municipal do Funchal. À mesa das reuniões semanais de Vereação, bastas vezes equacionei a ausência de lógica nessa indexação. Considerei-a abusiva por múltiplas razões. Apenas um exemplo: um consumidor que mantenha um contrato com a autarquia e que tenha a sua casa sem utilização. Tem zero de consumo, mas paga "o saneamento básico e os resíduos sólidos" bem como uma absurda taxa de "disponibilidade de serviço" (saneamento € 1,84 + resíduos € 2,05 + disponibilidade de serviço € 3,85 = 7,74 + IVA / factura real). Em circunstâncias normais de consumo médio de água, aquelas três taxas podem somar mais que o próprio consumo de água. Podia aqui enumerar múltiplas situações que provam a injustiça da indexação.

Obviamente que todos os serviços prestados têm de ser pagos. No caso da água, recurso onde se exige absoluto rigor, os preços devem reflectir essa preocupação pelo não desperdício, embora seja absurdamente alta a taxa de perdas por uma crónica falta de investimento. A 08 de Março de 2023, o anterior presidente da CMF apontava para 2025 que as perdas se cifrassem em 55%. Já os outros valores praticados por via da indexação enquadram-se no abuso. Não vou apresentar aqui uma solução, mas entendo que este assunto deve ser exaustivamente debatido, para que surja uma proposta equilibrada que satisfaça os consumidores quer os encargos da autarquia na parte do saneamento e da gestão dos resíduos sólidos. Quanto à taxa de "disponibilização de serviço", haja decoro!

Ilustração: Google Imagens.

Poderemos falar numa nova etapa na geopolítica?


Por
João Abel de Freitas,
Economista

O ambiente político internacional está a evoluir de forma menos favorável à guerra na Ucrânia. O ambiente na UE está a mudar e as perspetivas americanas não caminham em melhor sentido.



1. A comunicação social, portuguesa e estrangeira, não deixou de vincar durante alguns dias que, na conferência de imprensa de 15 de Julho, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, se mostrou a favor da participação da Rússia, na segunda Cimeira de Paz, a realizar a partir de Novembro, na Suíça.

A Rússia reagiu, de forma cautelosa, a este aparente convite da Ucrânia, através do porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que reafirmou: “A primeira cimeira não foi de todo uma cimeira de paz”. Há, então, que perceber o alcance de Kiev, antes de ponderar o tipo de resposta.

Por seu lado, os EUA afirmaram, de imediato, apoiar a decisão da Ucrânia expressando, contudo, a reserva sobre se Moscovo estará pronto para conversações.

Realce interessante não deixa de ser o do canal de televisão francês [TV5 (15/07)]: é a primeira vez, todavia, que Zelensky emite a ideia de discussões com a Rússia, sem retirada prévia da Rússia do seu território.

2. Rodando o “disco” um pouco para trás, deparámo-nos com Zelensky, poucos dias antes, em Maio, no período de preparação da 1.ª Cimeira que se realizou em 15 e 16 de Junho, no resort de Burgenstock Suíça, em perfeita negação: “não se pode sentar à mesa para falar com alguém cujo único objectivo é destruir-nos” e, neste sentido, também se encaixa um decreto (antes assinado) em que torna ilegais as negociações da Ucrânia com Moscovo, enquanto Putin estivesse no poder.

O que terá levado Zelensky a mudar repentinamente de registo?

3. O tema das negociações de Paz nunca foi pacífico, sempre esteve presente em pessoas e instâncias variadas, ao longo destes dois anos e cinco meses de guerra. Sempre se manifestaram vozes importantes, de várias instituições e países, a favor de negociações de Paz e, muitas vezes, se escreveu e fundamentou que interesses de toda a ordem, alheios à Ucrânia e Rússia, têm protelado a realização de conversações, análises e opiniões, estas pouco difundidas ou até, pelo contrário, ocultadas na comunicação social do Ocidente.

Logo nos primeiros dias após a invasão da Ucrânia, sucederam-se uns arremedos de negociações. Quem pressionou quem para as romper?!

No dia 11 de Novembro de 2022, em artigo de Peter Baker no “The New York Times” foi dada a conhecer a opinião do Chefe do Estado-Maior dos EUA que defendia as negociações com a Ucrânia para o fim da guerra, a que a Casa Branca mostrou resistência. Um choque frontal. Chefe de Estado Maior contra Presidente e seus conselheiros.

David Stone do Departamento de Estratégia e Política da Escola de Guerra Naval dos EUA há muito defende, nos seus escritos, que a guerra só acabará por acordo. Walter Down, Professor de Estudos de Defesa no Canadian Forces College, em Toronto, afirma que a “guerra tem de ser negociada”.

Alguns exemplos apenas de opiniões pouco divulgadas. Pelo contrário, enchem-se as primeiras páginas e os principais jornais televisivos com títulos de incentivos à guerra. Presentemente, com o sentir de algum cansaço social sobre as não saídas para esta guerra, começa a esboçar-se uma certa “descompressão” de notícias a este respeito.

Poderemos falar numa nova etapa na geopolítica?

4. Novas evoluções, nem sempre no melhor sentido, estão a desenhar-se em múltiplos ambientes. Uma sondagem na Ucrânia de 15/07/2024 inserida no ZN, um meio de comunicação ucraniano, apresenta os seguintes resultados:

44% dos ucranianos são a favor de negociações sobre o fim da guerra com a Rússia.
35% contra.
21% não têm opinião definida.

Em 3/07/2024, o grupo de reflexão pan-europeu (European Council on Foreign Relations) anunciou que os europeus se inclinam para o cenário de solução da guerra negociada, concluindo mesmo que 40% acredita que a guerra só acabará mediante negociações.

A guerra na Ucrânia, desencadeada pela Rússia, vai quase a meio do terceiro ano de ofensiva militar, sem que nenhum dos protagonistas tenha obtido uma vantagem estratégica no terreno.

No entanto, a Associated Press em notícia de 18/07/2024 considera que, na visão analítica da comunicação social norte-americana, os próximos dois, três meses poderão ser complexos para Kiev, pois o seu exército necessita de tempo para repor os stocks esgotados.

A Alemanha, por seu lado, anuncia reduzir para metade a ajuda militar concedida à Ucrânia já em 2025, mesmo com a possibilidade de chegada de Trump2.0 nas eleições de Novembro. De acordo com a Reuters, a ajuda alemã será reduzida para 4 mil milhões de euros em 2025. A Alemanha justifica esta sua posição, alegando que espera da Ucrânia capacidade de satisfazer a maior parte das suas necessidades militares com os 50 mil milhões de dólares em empréstimos dos activos russos congelados.

5. O ambiente político internacional está a evoluir de forma menos favorável à guerra na Ucrânia. O ambiente na União está a mudar. Uma nova composição do Parlamento Europeu onde ganharam peso forças políticas com relações amigáveis com a Rússia, para além da própria população estar cansada e, em certos casos, rejeitar privilégios europeus concedidos a produtos ucranianos na entrada nos mercados da União, situação muito sensível nos produtos agrícolas.

Na Europa ainda, a situação em França de grande incerteza política e enfraquecimento no contexto europeu, grande aliado da Ucrânia, também não favorece.

6. As perspectivas americanas não caminham em melhor sentido. Se Trump2.0 se tornar realidade, o ciclo geoestratégico passará a ser outro. Neste contexto, como interpretar o telefonema de felicitações Zelensky-Trump por este ter sido empossado candidato pelos republicanos à Casa Branca? Deve ser visto como um ajeitamento “diplomático-interesseiro”?!

Com Trump2.0, as agulhas mudam mesmo. O inimigo político geoestratégico não é a Rússia. O foco está na China. Aliás, Trump mostrou bem isso, no seu primeiro mandato, e mais ainda agora o será, pois, os EUA não têm pejo nenhum em recorrer a todos os meios para suster os avanços económicos e tecnológicos da China, na sua disputa pelo domínio a prazo da economia do Mundo.

Estamos numa guerra de posicionamentos (de donos da guerra), caso Trump chegue a Presidente. Poderá caminhar-se para um acordo de interesses e a guerra entrar em fase de resolução ou derivar ao encontro de outro dono, a Europa, cujas consequências merecerão uma profunda reflexão? Não sei se “a queda” de Biden melhorou ou piorou a situação. Sei apenas que as incertezas persistem, apesar do Partido Democrata americano estar a concentrar-se em torno de Kamala Harris e a aumentar as dificuldades da entrada de Trump2.0.

A Vice-Presidente reúne alguns trunfos para a luta política – mais juventude, vivacidade argumentativa, simpatia, passado jurídico consistente e posições políticas de vistas largas – o que pode levar a uma inversão da situação e de valores, se esses trunfos penetrarem a tempo na sociedade americana, pois de repente, como assinala o “Courrier International” de 24 de Julho, “é Trump (agora) quem aparece velho e confuso”.

O combate eleitoral vai ser bem renhido e só o dia 5 de Novembro de 2024 acabará com estas dúvidas, não deixando, por isso, de constituir um marco de referência no Mundo.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.