Por
João Abel de Freitas,
Economista
O ambiente político internacional está a evoluir de forma menos favorável à guerra na Ucrânia. O ambiente na UE está a mudar e as perspetivas americanas não caminham em melhor sentido.
1. A comunicação social, portuguesa e estrangeira, não deixou de vincar durante alguns dias que, na conferência de imprensa de 15 de Julho, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, se mostrou a favor da participação da Rússia, na segunda Cimeira de Paz, a realizar a partir de Novembro, na Suíça.
A Rússia reagiu, de forma cautelosa, a este aparente convite da Ucrânia, através do porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, que reafirmou: “A primeira cimeira não foi de todo uma cimeira de paz”. Há, então, que perceber o alcance de Kiev, antes de ponderar o tipo de resposta.
Por seu lado, os EUA afirmaram, de imediato, apoiar a decisão da Ucrânia expressando, contudo, a reserva sobre se Moscovo estará pronto para conversações.
Realce interessante não deixa de ser o do canal de televisão francês [TV5 (15/07)]: é a primeira vez, todavia, que Zelensky emite a ideia de discussões com a Rússia, sem retirada prévia da Rússia do seu território.
2. Rodando o “disco” um pouco para trás, deparámo-nos com Zelensky, poucos dias antes, em Maio, no período de preparação da 1.ª Cimeira que se realizou em 15 e 16 de Junho, no resort de Burgenstock Suíça, em perfeita negação: “não se pode sentar à mesa para falar com alguém cujo único objectivo é destruir-nos” e, neste sentido, também se encaixa um decreto (antes assinado) em que torna ilegais as negociações da Ucrânia com Moscovo, enquanto Putin estivesse no poder.
O que terá levado Zelensky a mudar repentinamente de registo?
3. O tema das negociações de Paz nunca foi pacífico, sempre esteve presente em pessoas e instâncias variadas, ao longo destes dois anos e cinco meses de guerra. Sempre se manifestaram vozes importantes, de várias instituições e países, a favor de negociações de Paz e, muitas vezes, se escreveu e fundamentou que interesses de toda a ordem, alheios à Ucrânia e Rússia, têm protelado a realização de conversações, análises e opiniões, estas pouco difundidas ou até, pelo contrário, ocultadas na comunicação social do Ocidente.
Logo nos primeiros dias após a invasão da Ucrânia, sucederam-se uns arremedos de negociações. Quem pressionou quem para as romper?!
No dia 11 de Novembro de 2022, em artigo de Peter Baker no “The New York Times” foi dada a conhecer a opinião do Chefe do Estado-Maior dos EUA que defendia as negociações com a Ucrânia para o fim da guerra, a que a Casa Branca mostrou resistência. Um choque frontal. Chefe de Estado Maior contra Presidente e seus conselheiros.
David Stone do Departamento de Estratégia e Política da Escola de Guerra Naval dos EUA há muito defende, nos seus escritos, que a guerra só acabará por acordo. Walter Down, Professor de Estudos de Defesa no Canadian Forces College, em Toronto, afirma que a “guerra tem de ser negociada”.
Alguns exemplos apenas de opiniões pouco divulgadas. Pelo contrário, enchem-se as primeiras páginas e os principais jornais televisivos com títulos de incentivos à guerra. Presentemente, com o sentir de algum cansaço social sobre as não saídas para esta guerra, começa a esboçar-se uma certa “descompressão” de notícias a este respeito.
Poderemos falar numa nova etapa na geopolítica?
4. Novas evoluções, nem sempre no melhor sentido, estão a desenhar-se em múltiplos ambientes. Uma sondagem na Ucrânia de 15/07/2024 inserida no ZN, um meio de comunicação ucraniano, apresenta os seguintes resultados:
44% dos ucranianos são a favor de negociações sobre o fim da guerra com a Rússia.
35% contra.
21% não têm opinião definida.
Em 3/07/2024, o grupo de reflexão pan-europeu (European Council on Foreign Relations) anunciou que os europeus se inclinam para o cenário de solução da guerra negociada, concluindo mesmo que 40% acredita que a guerra só acabará mediante negociações.
A guerra na Ucrânia, desencadeada pela Rússia, vai quase a meio do terceiro ano de ofensiva militar, sem que nenhum dos protagonistas tenha obtido uma vantagem estratégica no terreno.
No entanto, a Associated Press em notícia de 18/07/2024 considera que, na visão analítica da comunicação social norte-americana, os próximos dois, três meses poderão ser complexos para Kiev, pois o seu exército necessita de tempo para repor os stocks esgotados.
A Alemanha, por seu lado, anuncia reduzir para metade a ajuda militar concedida à Ucrânia já em 2025, mesmo com a possibilidade de chegada de Trump2.0 nas eleições de Novembro. De acordo com a Reuters, a ajuda alemã será reduzida para 4 mil milhões de euros em 2025. A Alemanha justifica esta sua posição, alegando que espera da Ucrânia capacidade de satisfazer a maior parte das suas necessidades militares com os 50 mil milhões de dólares em empréstimos dos activos russos congelados.
5. O ambiente político internacional está a evoluir de forma menos favorável à guerra na Ucrânia. O ambiente na União está a mudar. Uma nova composição do Parlamento Europeu onde ganharam peso forças políticas com relações amigáveis com a Rússia, para além da própria população estar cansada e, em certos casos, rejeitar privilégios europeus concedidos a produtos ucranianos na entrada nos mercados da União, situação muito sensível nos produtos agrícolas.
Na Europa ainda, a situação em França de grande incerteza política e enfraquecimento no contexto europeu, grande aliado da Ucrânia, também não favorece.
6. As perspectivas americanas não caminham em melhor sentido. Se Trump2.0 se tornar realidade, o ciclo geoestratégico passará a ser outro. Neste contexto, como interpretar o telefonema de felicitações Zelensky-Trump por este ter sido empossado candidato pelos republicanos à Casa Branca? Deve ser visto como um ajeitamento “diplomático-interesseiro”?!
Com Trump2.0, as agulhas mudam mesmo. O inimigo político geoestratégico não é a Rússia. O foco está na China. Aliás, Trump mostrou bem isso, no seu primeiro mandato, e mais ainda agora o será, pois, os EUA não têm pejo nenhum em recorrer a todos os meios para suster os avanços económicos e tecnológicos da China, na sua disputa pelo domínio a prazo da economia do Mundo.
Estamos numa guerra de posicionamentos (de donos da guerra), caso Trump chegue a Presidente. Poderá caminhar-se para um acordo de interesses e a guerra entrar em fase de resolução ou derivar ao encontro de outro dono, a Europa, cujas consequências merecerão uma profunda reflexão? Não sei se “a queda” de Biden melhorou ou piorou a situação. Sei apenas que as incertezas persistem, apesar do Partido Democrata americano estar a concentrar-se em torno de Kamala Harris e a aumentar as dificuldades da entrada de Trump2.0.
A Vice-Presidente reúne alguns trunfos para a luta política – mais juventude, vivacidade argumentativa, simpatia, passado jurídico consistente e posições políticas de vistas largas – o que pode levar a uma inversão da situação e de valores, se esses trunfos penetrarem a tempo na sociedade americana, pois de repente, como assinala o “Courrier International” de 24 de Julho, “é Trump (agora) quem aparece velho e confuso”.
O combate eleitoral vai ser bem renhido e só o dia 5 de Novembro de 2024 acabará com estas dúvidas, não deixando, por isso, de constituir um marco de referência no Mundo.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.
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