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sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Vazio

 

As eleições presidenciais são lá para Janeiro de 2025, mas o frenesi já começou com nomes lançados por um partido. Não sei se para queimá-los em lume brando ou se trata de uma pontual excitação política para marcar terreno ou para ver se têm pernas para andar! Seja qual for a intenção, considero extemporâneo tal preocupação. Por dois motivos: primeiro, porque distam dezessete meses do acto eleitoral; segundo, porque uma candidatura presidencial, embora nada a isso obrigue, deve emergir da sociedade, da iniciativa pessoal e não especificamente pela "bondade" dos partidos políticos. Após a assunção das candidaturas, aí sim, podem os partidos manifestar a sua adesão, de acordo com os seus posicionamentos ideológicos. Seria mais sensato, sustento, que assim fosse.



Porém, não é bem assim que funciona. Independentemente disso, o que desde há muito me preocupa, é a sensação de vazio quanto a pessoas de reconhecida credibilidade e idoneidade social, capazes de assumirem a mais alta função do Estado. Sobram algumas referências, é verdade, mas das duas uma: ou os partidos, por razões diversas, expurgam-nas de imediato ou são os próprios que se distanciam do pântano no qual atolaram a vivência democrática. Correr o risco de ser enxovalhado pelo radar dos interesses e do escrutínio da vida privada, é aspecto que o bom senso aconselha a não correr.

É certo que temos portugueses ao mais alto nível do exercício da política. Neste momento, António Guterres enquanto Secretário-Geral da ONU ou António Costa, brevemente, na liderança do Conselho Europeu. Mas falta-nos outros da estirpe de Mário Soares, Álvaro Cunhal até Adriano Moreira, cidadãos de percurso notável que já não se encontram no mundo dos vivos. É evidente que existem, na sociedade, figuras de topo, de indiscutível mérito, cultural e académico, em vários sectores, com opinião e sentido de serviço à comunidade, mas lá está, as trituradoras máquinas partidárias afugenta-as, não permitindo que contribuam de forma exemplar para o sucesso da sociedade. Creio que estamos a nivelar por baixo. É o banco de suplentes a funcionar.

Foi esta a sociedade que construímos, de uma forma afunilada, onde tudo começa e termina numa partidarite aguda. Hoje somos vítimas de uma clique que, genericamente, galopa no terreno dos interesses pessoais, de grupos mais ou menos fechados, e não no espaço de uma democracia aberta, livre e consistente. Dificilmente outro podia ter sido o resultado, quando a Escola, neste meio século de vivência democrática, não soube educar para uma cidadania activa e culta capaz de impor o respeito às organizações partidárias. 

Ainda sobre a Escola, cinquenta anos depois, a propósito dos últimos incêndios, chocou-me assistir à linguagem verbal de um entrevistado, cuja televisão não teve outro remédio senão legendar. O senhor pareceu-me ter menos de 60 anos, portanto, teria dez quando o anterior regime foi derrubado. Não me refiro às características regionais ou locais da fala, mas ao conteúdo e à capacidade de transmissão de um pensamento minimamente escorreito. Isso aprende-se, independentemente do concelho, freguesia ou sítio onde se vive.  Como é possível estarmos, ainda, nesse patamar da legenda para ser entendido.

Ora, as organizações partidárias andam a leste destes problemas, genericamente vivem viradas para si próprias, quando elas são importantes enquanto estruturas que emergem da democracia representativa. Como se lê na obra de Robert Michels [1911], Sociologia dos Partidos Políticos (1982), elas acabaram por sedimentar "numa estrutura altamente burocratizada, comandada por um conjunto de dirigentes profissionais muito mais preocupados com a manutenção das suas posições internas e com a sobrevivência da organização, do que com os objectivos políticos que inspiraram a sua criação" (...) "quem diz organização diz oligarquia", acrescenta Michels. 

Para reflectir!

Ilustração: Google Imagens.

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