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terça-feira, 29 de outubro de 2024

O desperdício de trunfos


Quando o exercício da política é levado a sério, e este a sério significa ao serviço da comunidade, desgasta de uma forma incontrolável. Só quem por lá passa! Deixa as marcas das preocupações diárias, as das incompreensões, as das percepções de andar a agitar, quase ingloriamente, uma bandeira de princípios, valores e projectos que poucos compreendem ou as circunstâncias e os egoísmos impedem de os compreender, enfim, essa amálgama gera um rol de preocupantes angústias sem fim. Um quadro que exige uma homeostasia, uma notável capacidade de equilíbrio interno face a todos os agentes stressores.



E um dia lá vem o aviso, a resposta do corpo, do aparentemente saudável, surge o alerta: cuidado, porque há limites. Não apenas no exercício da política, mas em todas as funções empresariais onde tudo é para ontem!

O alerta chegou-me, inesperadamente, há cinco meses. Agora, ao meu Amigo Dr. Carlos Pereira. Não deixou sequelas, mas o postal foi entregue com "aviso de recepção". Ontem estivemos ao telefone, numa amena cavaqueira, quase hora e meia. Foi muito bom o nosso diálogo sobretudo por saber que estava bem a caminho de uma plena recuperação. Ele que segue um bom regime alimentar e pratica o exercício físico como "pão para a boca"! Depois, fiquei para ali a pensar no Carlos. Pela minha cabeça passaram centenas de imagens e os sons de vários anos de luta pelas mesmas causas. Fui procurar textos que escrevi há dez anos. Dei com estes:

"(...) Fez a opção mais difícil. Compaginou a carreira profissional de Economista com a luta pelos outros, pela comunidade a que pertence. E o tempo tem, por um lado, lhe dado razão, por outro, a satisfação do reconhecimento público. Quem o ofendia meteu a viola no saco, foi silenciado pelos factos, pelo conhecimento e pela eloquência do seu discurso. Não escrevo assim porque sou seu amigo; escrevo porque reconheço as suas capacidades de liderança e a sustentabilidade da sua matriz política. Distingo o Carlos político como Homem de profundas convicções, de tolerância, de diálogo, que sabe escutar, que sabe se relacionar com as pessoas, de sorriso franco, de raciocínio rápido e de uma sensibilidade social que me entusiasma. (...)

O Dr. Carlos Pereira não é um político de aviário. Não apareceu porque estava a seguir na listinha dos "boy's" ou para contentar uma qualquer facção. A sua luta vem de longe, com muitas contrariedades pelo meio e muitas sacanices de gentinha sem escrúpulos que fizeram abalar a sua vida profissional. Por aqui, fecharam-lhe portas ao jeito de "para aquele nada". O poder, do tipo "duracel", foi mais forte e cumpriu, na íntegra, o que sempre, perversamente, soube fazer: "para os amigos tudo, para os inimigos nada e, para os restantes, aplique-se a lei". Carlos Pereira não se deu por derrotado e fez dessa tentativa de espezinhamento as forças necessárias para seguir o seu caminho profissional e o das suas convicções político-sociais. Tenho presente todas as suas lutas por uma sociedade melhor. Mas muito mais do que isso: tenho presente o político, que me habituei a seguir, que não fala de cor, que não manda para o ar umas frases feitas, antes estuda os problemas e apresenta soluções. Quando uns falam de assuntos que são de junta de freguesia ou de câmara municipal, ele fala do País e da Região nas vertentes política, económica, social e cultural que a todos afecta; quando uns prometem "Autonomia Sempre" quando, na verdade, devolveram-na ao Terreiro do Paço, Carlos Pereira fala do resgate da obra maior do 25 de Abril, a possibilidade de sermos nós, madeirenses, autonomamente, com responsabilidade, a desenharmos o nosso futuro; quanto uns falam de anos de experiência (sempre repetida, diga-se), Carlos Pereira apresenta-se com a experiência sempre actualizada e portadora de futuro; enquanto uns chegam ao parlamento nacional e piam muito baixinho (sempre voaram e piaram baixinho), Carlos Pereira apresenta-se contra toda a matreirice política, as sucessivas ofensas aos madeirenses, a incapacidade para resolver o drama da dívida, o aniquilamento da classe média e a pobreza que mata a democracia. (...)

Confesso a minha profunda amizade por um político de mão-cheia. É o tipo de político que todos os dias "inventa coisas" para fazer. Não fica à espera da agenda ou do que a comunicação social vai transmitindo. Não anda atrás dos acontecimentos, antes posiciona-se na dianteira. Não fala por falar, não abre a boca porque tem de dizer coisas, antes estuda e vai direitinho ao âmago dos assuntos. Para mim o Deputado Carlos Pereira foi uma figura central do Parlamento madeirense. Foi criticado, eu diria miseravelmente bombardeado, ofendido e sofreu alguns assassínios de carácter, tudo porque estudou, como ninguém o tinha feito até então, entre outras, as contas da Região. Determinou o "buraco" financeiro, assumiu que andaria pelos seis mil milhões de euros e pouco tempo depois, confirmou-se a verdade: "a situação da Madeira é insustentável", disse-o o Dr. Vítor Gaspar, ex-ministro das Finanças. Foi uma questão de tempo e ficou-se a saber da história das facturas não reportadas. (...)"

Reli alguns excertos de textos divulgados há dez anos. É-me difícil entender como é que se dá cabo da principal referência do partido mais bem colocada para uma consistente alternativa de poder na Região. Ele e de outros de indiscutível valor académico e político. Relegado na Região, pasme-se, é hoje deputado por Lisboa. Lá, reconheceram o seu valor e aqui, lenta mas seguramente, excluíram-no. Até a designada "Autonomia 24", uma proposta de abertura à sociedade, implacavelmente, já foi devorada. Com um governo regional, onde metade são arguidos, assim se dá cabo da oportunidade de colocar em debate sério e profundo um novo projecto em favor do povo insulano. Há pessoas que não o merecem.

Rápida recuperação, meu distinto AMIGO.

Ilustração: Google Imagens.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Ridículo

 

Segui o essencial de uma entrevista ao Senhor Jorge Nuno Pinto da Costa. Já é a segunda vez que vem com aquela história da morte e de quem deseja ou não no seu funeral. E a TVI, em horário nobre, no decorrer de um espaço de informação, oferece aos espectadores a lengalenga de um cidadão, como se não tivesse assunto de maior relevância para abordar. 



Ora bem, todos sabemos que estamos de forma efémera na vida. Ninguém aqui fica para semente. E neste quadro tão simples, interrogo-me, o que nós, espectadores, temos a ver com esta espécie de "planeamento" da morte do Senhor Pinto da Costa? Nada. 

Foi um cidadão que, certamente, muito ofereceu ao Futebol Clube do Porto, por extensão a Portugal, que os outros devem ou não, de acordo com as suas apreciações, exaltá-lo ou olharem de esgueira, e mais nada. Que interesse é que tem esmiuçar o seu "plano de morte", de quem deve ou não estar presente nas cerimónias fúnebres, se já pagou o funeral, a cor azul que o cemitério deve ostentar, por aí fora... 

Há aqui qualquer coisa de estranho neste comportamento. O livro, com o título de capa "Azul até ao fim", surge debruçado sobre um caixão coberto com a bandeira do Porto. Só isto tem um traço macabro, sinistro que qualquer bom-senso devia evitar. O Senhor Jorge Nuno Pinto da Costa pode até estar doente, o que lamento, profundamente, que a sua avançada idade lhe dite que o fim se aproxima, mas como Herman imortalizou, "não havia necessidade"!

São sempre as pessoas que caracterizam o passado de cada um e que elogiam ou não. Quanto ao mentor desta história, penso que só lhe ficaria bem PERDOAR a quem considera que lhe fez mal ou não foi totalmente leal. Ele que, segundo afirmou, é Cristão e, semanalmente, participa nos actos litúrgicos da Igreja Católica, não devia expor-se a esta ridícula situação de uma historieta que, julgo eu, não entretém sequer a maioria dos adeptos.

Ilustração: Google Imagens.

PS fabricou o seu encurralamento


Por

O governo de Montenegro reúne condições para uma “governação” equilibrada, por algum tempo, embora com equipa ministerial fraca, sobretudo em ministérios-chave.



Este, um artigo, um tanto fora da caixa, pois não tenho por hábito entrar nas guerras e guerrinhas, entre políticos e partidos. No debate de ideias sobre políticas económicas e sociais, tendo em vista maior desenvolvimento e uma distribuição mais equilibrada da riqueza criada, procuro estar presente.

Belém fecha com ganhos e dor

1. No período negocial alongado, era difícil perceber se o PS e o PSD queriam ou não eleições, embora o cenário de eleições, pela não aprovação do OE2025, fosse um “produto político” de péssima qualidade para o País, da cozinha de Belém. Razão para dizer, com tão bons pastéis ao lado, Belém aprendeu pouco! Sei que os pastéis de Belém têm de se haver com a concorrência dos de nata da Aloma em grande forma, no cimo do pedestal. Pelo contrário, a cozinha de Belém não concorre com ninguém e, conclusão, em todas as frentes, só maus cozinhados.

Belém militou insistentemente pela aprovação do OE2025. Em toda a parte, lá estava o OE. Toda a gente entendia os desejos dessa militância: deixar os seus em postos queridos e tudo indica que, por ínvios caminhos, possa lá chegar – um presidente, um governo e, assim, varrer da história a candidatura de Belém a fabricante de “produtos dissolventes” de alta toxicidade.

Este folhetim diário de crises políticas, caso o OE25 não vingasse, iniciou-se com a ameaça de dissolução da AR, no discurso de posse de Marcelo a António Costa, caso este trocasse o Governo por um cargo europeu.

Costa chegou aí pelo seu próprio pé, não refém de Belém que sente o sucesso com dor, porque, para toda a gente ficou claro, que, em nada, interveio e, ainda, na obrigação de inverter a linguagem, para cargo “altamente prestigiante para o País”. Este “cozinhado”, com habilidades que também as houve, mas de outro nível, passou muito ao largo de Belém.

Marcelo Rebelo de Sousa, desde quinta-feira, deve andar a dormir melhor com a viabilização anunciada do OE25 por Pedro Nuno Santos e, na sexta, de certeza, regalou-se com as manchas cor-de-rosa das primeiras páginas de alguns matutinos.

As negociações Governo-PS

2. Nos dois artigos anteriores, falou-se das filosofias subjacentes ao IRS jovem e ao IRC, as duas “linhas vermelhas” do PS.

A situação do IRS jovem foi bem simples. O Governo desenvencilhou-se rapidamente, até porque estava ansioso de o fazer. Tantas as críticas que, de todo o lado, choviam, o melhor era encontrar uma saída airosa. E aproveitou a boleia do PS, bem a usando com habilidade, admitindo mesmo que, com as suas achegas, o modelo do IRS jovem ficava bem melhor. Ficou bem na fotografia ao dizê-lo e, com isso, marcou pontos. Já agora anote-se que se viu um PS um pouco descompensado e inábil na recolha dos dividendos.

No entanto, sobre o IRS jovem convém anotar a ausência de reflexão em vários domínios. Vejamos o futebol, que já beneficia de fiscalidade específica vantajosa, será abrangido por este pacote? Gyokeres é, assim, o jovem na berlinda pois, caso continue em Portugal por algum tempo, vai pagar menos imposto, mas muitos outros jogadores, os craques da selecção e dos clubes serão contemplados, pois quase todos estão nesta faixa etária (menos Cristiano Ronaldo) e, certamente, mesmo os que jogam no estrangeiro pagam algum IRS em Portugal.

A propósito do IRS jovem a minha atenção vai para o artigo do Público (14/04/2024) “o pensamento mágico sobre o IRS Jovem” do economista e Professor Ricardo Pais Mamede, cuja frase a lançar o artigo é uma ideia síntese do melhor: o problema do IRS Jovem não é apenas ser ineficaz nos objectivos que propõe atingir. São também os elevados custos que acarreta.

Quanto ao IRC, o PS não o soube agarrar como instrumento para robustecer as empresas. Não soube separar, de forma clara, os dois campos: o da taxa normal sobre os lucros que as empresas devem pagar, neste momento, 21% e o outro campo, as taxas a incidir na aplicação de lucros em investimentos, que potenciem a melhoria do tecido económico. O PS confundiu-se e acabou por assumir uma posição nada clara. Com efeito, ao admitir a hipótese de descida de um ponto percentual (21% para 20%), nega algo que dizia não aceitar, a descida transversal, por equivaler a libertar lucros indiscriminadamente para dividendos. Deu de bandeja ao seu interlocutor o comando do jogo, torpedeando a sua própria filosofia.

Outra coisa teria sido, abrir caminho para negociar a taxa normal sobre os lucros porque, na realidade, com as taxas e taxinhas autónomas que incidem sobre os 21%, para muitas empresas fica, na realidade, uma taxa pesada e as empresas têm toda a razão ao criticar a sobrecarga.

Tudo confuso e o governo, na versão final do Orçamento, ainda acrescenta mais um toque, deixando o PS sem rede. O PS alega que não houve acordo, mas socialmente ficou o registo de que não soube acrescentar argumentos convincentes.

Pedro Nuno Santos define-se

3. A posição do PS é, desde quinta-feira, a viabilização do OE25 pela abstenção. A confusão e a desilusão entre muitos dos seus apoiantes devem ter disparado. Pedro Nuno Santos que se saiu mal das negociações, volta a não se sair bem agora com os dois argumentos avançados, já muito gastos (eleições há sete meses e potenciais eleições sem clarificação do xadrez político). Sai deste processo com a imagem de quem sucumbiu em toda a linha: cedência a dirigentes do PS, defensores da abstenção, ficando estes fortalecidos, a comentadores, à direita, ao Presidente.

4. O PS entrou mal nas negociações ao colocar apenas estas duas linhas vermelhas e não também o plano macro onde se sabia que o governo iria desdizer tudo quanto disse na campanha eleitoral, como aconteceu. Essa foi a rede que faltou para sustentar uma posição final mais robusta. Segundo, era de prever que o Orçamento tivesse uma componente fortemente eleitoral para o que desse e viesse. Esta leitura do ambiente político deveria ter sido também tomada em conta no padrão negocial com o governo. Nada contra as negociações. Pena os motores não andarem aquecidos ao mesmo nível.

5. Pedro Nuno Santos por tudo isto deve sentir-se mal acomodado na sua decisão. Era legítima qualquer uma das opções: deixar passar ou o chumbo. O problema reside na fundamentação e ziguezagues ao longo do processo. Do quase impossível até aqui. A sua credibilidade ficou manchada e a sensação de que vem aí uma via-sacra dolorosa, um período longo de afastamento do poder, se alguma vez lá chegar.

O governo de Montenegro reúne condições para uma “governação” equilibrada, por algum tempo, embora com equipa ministerial fraca, sobretudo em ministérios-chave, aliás, a grande pecha de A. Costa que muito contribuiu para a sua queda.

Teme-se um deslize orçamental, apesar do elevado nível de cativações previsto no OE2025, muito acima dos valores do ano anterior. O país não ficará indiferente a todo este processo. Dividido ficou e mal informado continua, porque a discussão não entrou no fundo dos problemas. Aguardemos debate e conclusões na especialidade.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

OE2025, filosofias sobre o IRC


Por

Mais do que as taxas, o que conta mesmo é a estabilidade fiscal. Isto não significa que não se proceda a ajustamentos, nomeadamente no sentido da sua comparabilidade e compatibilidade com a Europa.



A ideia de que o imposto sobre os rendimentos das empresas (IRC) é um instrumento de primordial importância na captação de investimento já foi abordada neste jornal num artigo de opinião, aquando de divergências na praça pública, entre ministros do último governo de António Costa, sob o título “Por favor acertem a manga do casaco” (3 Outubro 2022), a propósito da “baixa transversal” versus “descida selectiva” no IRC.

Quem tenha acompanhado, minimamente, o processo de negociação da implantação da AutoEuropa, em Portugal, para apenas lembrar um grande e profícuo investimento estrangeiro, não ficou ciente de que as taxas de IRC, de então, eram entrave da decisão final. Certamente, um assunto abordado, mas não falado publicamente, pois estes tipos de investimento são alvo de negociação aturada num contexto de condições existentes ou a criar.

O que determina a realização do investimento é a garantia de que um conjunto de medidas de médio/longo prazo vai ser implementado, de forma a sustentar a sua viabilidade, quando comparado com outras localizações potenciais além-fronteiras. Medidas avulsas nada acrescentam, não levam a lado nenhum.

O panorama português

1. Em 2022, o número de empresas activas, registadas no INE, ascendia a 1 453 728.

Como se escreveu no artigo de Outubro de 2022: “um elevado número de empresas, num intervalo de 45% a 50% do total, consoante os anos, não paga IRC. Esta ordem de grandeza é uma marca das empresas portuguesas, desde há várias décadas, o que dá que pensar. Então as empresas não nascem para dar lucro?! Sabemos que há razões várias para uma empresa, num ou noutro ano fiscal, não gerar lucro. Mas tão elevada e persistente percentagem, ao longo de tantos anos, merece uma análise explicativa”.

Ou seja, estamos perante uma situação anómala continuada, problema que não tem merecido grande entusiasmo dos estudiosos nem a atenção dos políticos. A situação recente não se alterou, havendo indicação de que o número de empresas que pagam IRC até tem vindo a contrair-se, bem como o volume de receitas.

2. A taxa estatutária de IRC é, em Portugal, 21%. Mas há uma série de prestações autónomas que agravam esta percentagem de forma significativa. Também há situações de desagravamento. Para empresas de menor dimensão, a taxa de IRC desce para 17% para os primeiros 50 mil euros de matéria tributável. Existem também outras isenções e benesses que mesmo para os grandes pagadores de impostos, uma vez aplicadas, reduzem substancialmente a taxa efectiva paga, por exemplo, na banca.

Mas há uma outra questão estrutural a merecer reflexão profunda. Apenas uma ínfima parte das empresas (0,3%) é responsável por 48% da colecta do imposto (INE). Uma concentração excessiva que reflecte, em nossa leitura, uma dimensão produtiva enviesada, um mau sintoma da saúde do tecido económico-produtivo português.

Polémicas sobre o IRC

3. No panorama descrito, a descida indiscriminada do IRC apenas beneficia quem já paga imposto, ou seja, cerca de metade das empresas nada lucram porque estão fora e entre as que lucram os maiores benefícios vão cair nos grandes grupos e grandes empresas que concentram em si o grosso do pagamento de impostos e, sem qualquer compromisso de aplicação, os montantes da redução de taxa vai parar a dividendos para mais cedo ou mais tarde serem distribuídos.

Debatemo-nos assim com duas posições face à descida dos impostos, com alegação de argumentos de parte a parte. Quem defende a redução transversal da taxa sobre os lucros das empresas afirma que esta medida favorece e fortifica o tecido económico, nomeadamente atraindo investimento, sobretudo, o investimento estrangeiro. Estes argumentos simplistas encobrem uma realidade pois, quando muito, permitem espalhar dividendos sobre metade do tecido económico do País e nada se prova neste modelo uma relação causa-efeito sobre o investimento.

Se se pretende atrair investimento para Portugal, há que resolver, como se dizia no artigo mencionado, um pacote de condições, a que o Dr. Miguel Cadilhe, enquanto Presidente da API, chamou de “custos de contexto”. Com esta designação pretendeu chamar a atenção para múltiplos entraves que dificultam o regular funcionamento da economia, abarcando aspectos como a “rapidez e a clareza da justiça onde se encaixa também uma fiscalidade consistente e compreensível, e instituições velozes e transparentes com um atendimento eficaz e consequente”, entre muitos outros. Erradicar estes entraves, sem ser apenas no papel, isso sim cria condições de atracção do investimento.

Por outro lado, poderá equacionar-se uma descida da taxa de IRC com finalidades muito específicas que contribuam para o aumento da competitividade empresarial como a aplicação em investimentos ligados à inovação, investigação, requalificação humana, novas empresas, start-up, e porque não em áreas de promoção da cultura! Nesta linha de pensamento até se admite a redução para taxas muito baixas, consoante a qualidade do projecto. E, por este caminho, até se vai ao encontro de algumas das medidas preconizadas no relatório de Mario Draghi, recentemente apresentado à Comissão Europeia para uma Europa competitiva e que muita tinta tem feito correr.

Neste contexto, a descida selectiva do IRC faz muito sentido quando bem alicerçada em parâmetros claros e sem subterfúgios nas entrelinhas. Esta é a outra posição na qual me revejo. Não me choca que para aplicações em investimentos de ruptura se chegue a taxa zero.

Como se dizia no artigo de 2022, “esta forma de encarar a fiscalidade sobre o IRC, ao valorar pela positiva o perfil do investidor, reconhece a sua iniciativa e criatividade como benéfica ao desenvolvimento económico. Neste contexto, torna-se uma medida fiscal com fins próprios e meritórios e assume-se como recompensa à iniciativa criativa”.

IRC estável e filosofia própria, um trunfo competitivo

4. Mais do que as taxas, o que conta mesmo é a estabilidade fiscal. Isto não significa que não se proceda a ajustamentos, nomeadamente no sentido da sua comparabilidade e compatibilidade com a Europa. Na realidade, algumas prestações autónomas merecem ser repensadas. Aliás, sendo 21% uma taxa média na UE fica penalizada com as prestações autónomas.

Não faz sentido, porém, descer o IRC sem objectivos claros, podendo até mais esta medida vir a repercutir-se no desequilíbrio das contas públicas, pois pode contribuir para a redução das receitas e periclitar o equilíbrio conseguido, nestes últimos anos, uma aposta que urge defender pelos efeitos altamente positivos que tem tido sobre a economia a todos os níveis e de modo evidente nas relações com o exterior.

Manter o equilíbrio das contas públicas é uma garantia para o bom posicionamento da economia portuguesa no contexto europeu e mundial. Assim, o OE2025 não deve enviesar estas regras. Aplicar receitas sem fins determinados é uma política inapropriada, pois em nada contribui para a progressão da economia, antes pelo contrário, introduz maiores desigualdades económicas no País. Estamos perante filosofias de IRC divergentes, antagónicas entre si, servindo finalidades e interesses diferentes. O problema está na escolha.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 1 de outubro de 2024

O PR e a democracia





Por
Carlos Esperança,
in Facebook, 
26/09/2024
    estatuadesal 


Por entre vichyssoises, passeios noturnos ao Beco do Chão Salgado, gelados e moscatel quente, o dissolvente PR arruinou irresponsavelmente as instituições democráticas.



Sabia que o crescimento robusto da economia e a folga orçamental do Estado podiam prorrogar o poder ao PS por mais uma legislatura e conduzir o PSD ao declínio. E, não lhe permitindo o ego a irrelevância a que a maioria absoluta do PS o remetera nos anos que ainda faltavam para o fim do seu mandato, entrou em desespero.

Há de ter estudado todos os cenários e espreitado todas as oportunidades, mas nem os incêndios anuais lhe permitiam demitir mais um ministro! Destruiu na praça pública o ministro Galamba e, até aí, falhou, graças à determinação do PM de não lhe tolerar a calúnia dizendo ao País que era positiva a sua avaliação e o mantinha no Governo.

De cabeça perdida, com o poder efetivo de que dispõe, dissolveu mais uma vez a AR. E conseguiu o que pretendia:

Alterou a correlação de forças entre a esquerda e a direita e entregou as comemorações do 25 de Abril a quem a data nunca entusiasmou, a Saúde a quem nunca quis o SNS, as vias férreas a quem prefere o betão, e tudo o mais que é possível privatizar.

Tem agora um Governo e uma maioria para si e, pela primeira vez, depois de oito anos, o PSD a ocupar os altos cargos do Estado de que estava sôfrego após tão longo jejum.

Já mostrou que detém o poder. Nem disfarça quando revela que já tem o perfil para o/a novo/a PGR, … e que é ele quem o/a nomeia, o Governo só propõe.

O Governo mantem-se em campanha eleitoral, não vá o Diabo tecê-las, e quer para si a estabilidade que o PR comprometeu no seu aventureirismo. E ambos procuram tornar irreversível o golpe que alterou a geometria partidária.

Nem a Constituição respeitam na regulamentação da lei da eutanásia porque, para eles, a CRP é só um conjunto de normas a violar à medida dos seus interesses e preconceitos.

O PR e o Governo sabem que o OE/25 será viabilizado, mesmo que o PS não ceda à sua chantagem. O Chega não quer novas eleições porque perde demasiados deputados para o PSD. Ventura, se não der o dito por não dito, viabilizando agora o Orçamento, fá-lo-á depois, com ou sem Montenegro, com metade dos deputados.

A democracia sofreu um rude golpe e pode não se ressarcir dos golpes deferidos a partir de Belém pelo último e pouco recomendável inquilino.

A correlação de forças permitirá a continuação de um governo de direita e a eleição do futuro PR escolhido por Marcelo e Montenegro, salvo se for Passos Coelho a avançar, levado aos ombros por Ventura sem que o PSD se possa opor. E tem cadastro suficiente!