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quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

Trump2 e as energias de origem fóssil


Por
Economista

A União Europeia sai destas políticas de Trump maltratada, por sua culpa, e só tem uma saída: apostar seriamente em ser autónoma. Para Trump, a UE não é um aliado, mas um cliente.



1. Os EUA são um grande consumidor de energias, ocupando desde há décadas o primeiro lugar mundial. Para além de maior consumidor, ocupa a primeira posição mundial na produção de petróleo e gás, sobretudo a partir do fracking – uma técnica de exploração de recursos minerais de elevado risco ambiental e geológico (contamina os lençóis freáticos, liberta elevado CO2 e consome muita água), o segundo lugar no carvão embora em perda relativa e uma elevada posição como produtor de energia nuclear e de renováveis. O “mix” produtivo apresenta um certo equilíbrio a nível federal, embora muito desigual consoante os Estados, devido a factores específicos locais e a opções diferentes de políticas energéticas.

O que Trump2 vai “acrescentar”?

2. Trump, no seu discurso de tomada de posse, veio declarar uma emergência nacional no campo da energia, o que abre as portas à intervenção nos seus vários domínios. Na produção para privilegiar esta ou aquela fonte que na sua lógica traga poder aos EUA, nas infraestruturas para avançar com novos terminais de exportação de GNL, no financiamento, para anunciar a redução de apoios à aquisição de veículos eléctricos e da subsidiação ao Investimento (sem contrariar os interesses de Musk), desferindo ainda um grande golpe na transição energética com a decisão de saída do Acordo de Paris.

Assim, reverte as políticas de descarbonização de Biden, embora muito incipientes e contraditórias por vezes, avançando com as perfurações na prospecção de recursos no mar litoral que estavam suspensas e no desenvolvimento do gás e petróleo de xisto. Aliás, nomeou para Secretário de Estado da Energia, Chris Wright, um empresário muito conhecido na defesa das energias fósseis. “As energias fósseis não estão na moda”, uma frase de Chris Wright que caracteriza bem o seu perfil. Deve saber do que fala, pois é um grande construtor de equipamentos para as energias fósseis e, em especial, para o fracking (exploração de petróleo e gás de xisto).

Mas retomando a sua frase, diz que não partilha o desinteresse dos investidores e que será sua missão como Secretário de Estado da Energia colocar as novas tecnologias ao serviço do aumento da disponibilização de recursos energéticos fósseis (petróleo, gás, carvão…).

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Para Trump2, a aposta na energia é necessariamente um imperativo que decorre da vontade dos grandes magnatas do seu séquito, nomeadamente os dos grupos tecnológicos, ligados ao digital e à IA, cada vez mais sedentos de electricidade.

A procura de eletricidade (e também da água) está a crescer no Mundo de forma “estonteante”, decorrente do consumo que as actividades da IA (Data Centers) em expansão requerem.

No discurso de abertura não ficou clarificada a visão de Trump sobre a nuclear, enquanto sobre as renováveis, a redução sobretudo nas eólicas offshore parece adquirida.

3. A energia nuclear está a tornar-se cada vez mais popular no Mundo, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), admitindo vir aí uma “nova era” e, porquê?

Começou-se a compreender que se trata de uma energia estável e confiável, “permite produzir grandes quantidades de eletricidade numa área limitada e usando relativamente poucos materiais”, é totalmente independente da meteorologia, ao contrário das eólicas e solar. Segundo Fatih Birol, Director Executivo da AIE, a nuclear desde 1971 evitou a emissão na atmosfera de 72 giga-toneladas de dióxido de carbono (CO2).

Presume-se que Trump não se opunha ao crescimento da nuclear que “na opinião, entre governos, grandes empresas de tecnologia e instituições e organizações internacionais, envolvidas na transição, com a notável exceção da Comissão Europeia, a energia nuclear está em ascensão” em todo o Mundo, segundo afirma a Transitions & Énergies (20 de janeiro 2025), na base de um estudo recente da AIE.

Fatih Birol acrescenta que “mais de 70 gigawatts de nova capacidade nuclear estão sendo construídos em todo o mundo, um dos níveis mais altos dos últimos 30 anos, e mais de 40 países ao redor do mundo planeiam aumentar o papel da energia nuclear em seus sistemas de energia. Os reatores SMR [pequenos reatores modulares], em particular, oferecem um potencial de crescimento interessante. No entanto, os governos e a indústria ainda enfrentam alguns obstáculos significativos no caminho para uma nova era para a energia nuclear, começando com a entrega de novos projetos dentro do prazo e do orçamento, mas também em termos de financiamento e cadeias de suprimentos”.

4. A Agência Internacional de Energia reconhece que os EUA e a UE estão atrasados na indústria energética nuclear, sobretudo em termos de cumprimento de prazo de execução (7 anos de atraso) e de não cumprimento de orçamentos (2,5 vezes acima do planeado). São desvios inadmissíveis, difíceis de entender, enquanto China e Coreia do Sul cumprem, em média, o planeado.

5. No campo das relações económicas externas, Trump entrou em completa chantagem com a União Europeia, pois um dos seus grandes objectivos é a redução do défice comercial externo e então “impõe” ou mais aquisição de gás e petróleo, sobretudo de gás, ou taxas aduaneiras. Tudo indica que a UE vai entrar no aumento da compra de gás, aliás Von der Leyen já há muito aceita essa ideia, mas certamente as taxas também vão ser utilizadas, embora ainda não estejam definidas, pois segundo Trump, a Administração “não está ainda devidamente preparada”, ou seja, Trump está a pensar melhor a questão das taxas, pois a sua aplicação não é pacífica entre os grandes empresários, seus apoiantes. Os interesses nem sempre batem para o mesmo lado.

Falta-nos ainda muita informação para se apreender todo o alcance futuro. Mas, as energias fósseis são para explorar a fundo, o que poderá conflituar com a OPEP+, nada interessada em grandes aumentos de produção, nem baixa de preços. Na nuclear, as tendências de médio e longo apontam, no Mundo, para elevados investimentos e consequentes aumentos de capacidade com a China no comando. Nas renováveis sobretudo na eólica offshore reina uma não aposta.

A União Europeia sai destas políticas de Trump maltratada, por sua culpa, e só tem uma saída: apostar seriamente em ser autónoma. Para Trump, a UE não é um aliado, mas um cliente e enquanto a Europa não se convencer disso não rasga caminhos. Mas antes de tudo tem de se entender no seu interior, o que se torna difícil, numa Europa muito dividida, nas suas políticas como a da energia e face a Trump. Estamos perante uma União Europeia cada vez mais fraca, sem estratégia e sem dirigentes à altura. Visão e Capacidade para agir em falta. Uma União em grande défice, quando o Mundo está a mexer-se e não espera.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

sábado, 25 de janeiro de 2025

Tal como os chapéus... malas há muitas!

 

A Democracia, a verdadeira, precisa de ir à revisão. Tal como nós necessitamos, periodicamente, de um "check-up", de um exame profundo desde análises a "ecos" disto e daquilo. Precisamos de desnudar o regime de uma ponta à outra. Sem contemplações de danos colaterais. Se tal é possível, perguntar-me-ão, penso que sim. Haja vontade, já não digo por parte dos que exercem a política, mas pela pressão oriunda da sociedade. Embora, também seja verdade, uma significativa parte da sociedade se encontre capturada pelo sistema político. Há muitas dependências, muita engrenagem geradora de silêncios. Porque interessa ou porque o medo tomou conta das consciências.



De uma forma paulatina mas consistente, o regime produziu e fomentou monstrinhos, pessoas e instituições, que se espalharam de forma interligada e alinhados na obediência e na subordinação. Não existe patamar de intervenção política que não reflicta este sentimento.

Infelizmente o digo, entre um extenso rol de casos, tenhamos presente o esquisito jogo de influências diversas que, alegadamente, envolve o Senhor Presidente da República, refiro-me ao "caso das gémeas", o (a)normal número de arguidos no governo da Madeira até o último caso protagonizado por um deputado da Nação, suspeito de surrupiar malas em aeroportos nacionais. E no meio de tudo subsistem os conflitos de interesse que se tornaram normais, os alegados negócios onde, também alegadamente, sobra sempre para alguém, a economia paralela numa espécie de salve-se quem puder, os sistemas de saúde e de educação que soçobram, até a singularidade de indivíduos condenados e presos regressarem à actividade política como se nada tivesse acontecido.

Sem qualquer dramatismo ou sentimento de bota-abaixismo, até porque acredito na recomposição e regeneração dos processos, temos de assumir que resvalámos, deixámo-nos ir numa onda de muitos "falsos prestígios", de excelências medíocres e ausência de escrúpulos. Verdade, também, talvez para disfarce de culpas institucionais, a investigação criminal escuta de forma quase indiscriminada e abusiva, prende sem culpa formada, deixa escapar para a comunicação social o resultado de investigações em segredo de justiça, arruinando a imagem pessoal e pública de quem, até, pode ser inocente, mas que deixa em "paz podre" outros que a evidência, pelo menos parece, demonstra culpabilidades várias. É o resvalar de um outro pilar, o da Justiça, para uns, tendencialmente rápida e, para outros, ao jeito das pilhas "duracell", onde se encontram, pasme-se, políticos, juízes e procuradores. Vive-se no país da "casa dos segredos", dos futebóis, da mentira, do subterfúgio, das novelas embrutecedoras promotoras de distração e de muitos comentadores de gritante fragilidade conceptual e histórica.

O país está em causa, a precisar de um "chech-up", é certo, mas também uma Europa e o Mundo que estão neste declínio de figuras inspiradoras e de políticas que tenham em consideração novos equilíbrios sociais, que expurguem a má-fé, a podridão e o pântano, porque muito do que se passa está entregue a gulosos, especuladores e vendedores de sonhos. As "malas" dos interesses são grandes e nela cabem muitas outras "malas" médias e pequenas que rolam no tapete da desgraça colectiva.

Ilustração: Google Imagens. 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

O trumpismo e a "pilhagem que continua"

 

Interessa-me q.b. a história da tomada de posse de "sua excelência" Trump. Os americanos que o carreguem. Se lhes deram uma maioria em todos os patamares dessa espécie de "democracia", na dita pátria das liberdades que, pressupostamente, garante a viabilização de "sonhos", que convivam com as suas políticas e se amanhem.  



Aliás, ele está para ali a falar enquanto digito o meu pensamento. Palavras e posicionamentos que, de tanto repetidas, sei-as e domino-as de cor.

O que me preocupa, isso sim, é o "trumpismo", o "bolsonarismo", o "orbanismo", o "mileinismo", o "melonismo", entre uma série de tantos outros que por aí andam a brincar com a humildade e a tolerância dos povos. Preocupa-me enquanto movimento político, tendencialmente global, que estende tentáculos por todo o lado e cujo fim último é o controlo absoluto das sociedades. Preocupam-me as doutrinas deles saídas, situadas no espaço extremo-direitista, que buscam na insatisfação dos povos o alimento necessário para fortalecerem as suas riquezas, algumas assustadoramente pornográficas. Preocupam-me, por essa via, o cada vez maior desequilíbrio patente na humanidade, fruto do avassalador pensamento económico vigente, onde poucos dão conta do precipício, montado de forma paulatina e inteligente, de acordo com os interesses que caracterizam o que demais negativo tem o populismo enquanto corrente teórica. Preocupam-me, também, os sistemas políticos de poder rigorosamente nada democrático, as guerras de maior ou menor escala concebidas por tresloucados actos expansionistas e/ou geoestratégicos. Entre uns e outros que venha o diabo e escolha.

Para quê tudo isto, questiono-me, esta louca e esbanjadora corrida ao armamento arrasador de tudo, de pessoas e bens, para quê esta economia de guerra, esta aflição permanente onde se incorporam todo o tipo de desesperos, a pobreza extrema, fome, desesperança, eu sei lá sobre a infindável lista de desilusões e incapacidades para tornar a vida humana minimamente decente. 

Registei, em Novembro passado, num estudo da Hellosafe, que 10% dos mais ricos controlavam 76% da riqueza mundial e 50% dos mais pobres ficam com 2%. Segundo a Oxfam, em 2024, a riqueza combinada dos multimilionários, "aumentou, por dia, dois biliões de dólares (1,94 biliões de euros , o equivalente a 5,7 mil milhões de dólares (55,4 mil milhões de euros)". Isto é, três vezes superior ao ano anterior, o que levou aquela organização não-governamental a titular, no relatório apresentado em Davos, "A pilhagem continua". "Em 2024, havia em todo o mundo 2.769 multimilionários, em vez de 2.565 no ano anterior, e a sua riqueza combinada aumentou de 13 para 15 biliões de dólares (12,6 para 14,5 biliões de euros) em apenas 12 meses". Como e à custa de quê e de quem?

O que isto significa é que esta conjugada e intencional estrutura do poder económico está nas tintas para o Artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos". Culpados: primeiro, genericamente, os povos, na sua crónica incapacidade de ver longe e de, talvez por isso mesmo, ser presa fácil de quem os manobra à descarada e distribui migalhas; depois, a abdicação (e venda) por parte dos poderes instituídos, governamentais e partidários, na regulação de tudo quanto se manifeste desadequado; finalmente, uma mentalidade, para mim absurda, em gerar riquezas quase incalculáveis, quando para ser feliz nesta tão curta vida, não são necessários milhões. A ambição é salutar, obviamente, mas sempre com o sentido da medida.

A edição de hoje do "Público, assinado por Amílcar Correia e Nuno A. Coelho, é muito clara: "Trump e os mais ricos do mundo tomam posse dos Estados Unidos. Fortunas, donativos e conflitos de interesse. Donald Trump regressa a Washington com um elenco governativo sem paralelo na história norte-americana, com uma dezena de figuras no seu interior ou órbita imediata com mais de mil milhões de dólares em activo. À cabeça, Elon Musk. O homem mais rico do mundo, com uma fortuna estimada em 450 mil milhões de dólares, não integra formalmente a próxima Administração Trump mas terá a cargo um ambicioso projecto de reforma do Estado, acesso aos vários departamentos governativos e um gabinete nas imediações da Casa Branca".

Para o futuro fica a imprevisibilidade do novo inquilino da "Sala Oval". Para já, não deixa de ser preocupante que nenhum alto representante da União Europeia tivesse sido convidado para a cerimónia. Trata-se de um indicador muito importante. 

Retive do seu discurso, aqui e ali, lido com pezinhos de lã: "A idade de ouro da América começa agora mesmo" (...) Vamos ser uma nação como nenhuma outra, cheia de compaixão, coragem e excepcionalismo. Vamos ser prósperos, orgulhosos, fortes, e vamos ganhar como nunca ganhámos antes" (...) "A partir de hoje, será política oficial do governo dos Estados Unidos que existam apenas dois géneros: masculino e feminino e os militares que não quiseram tomar a vacina da covid-19 podem voltar ao serviço" (...) assegurou, também, que os EUA não vão deixar de usar combustíveis fósseis, pelo contrário". Tudo isto envolto em papel religioso: "Fui salvo por Deus para tornar a governar os EUA". Como   disse o comentador José Milhazes, este discurso é preocupante porque se compagina com o de Putin!  De facto, nem uma palavra sobre a Ucrânia. Ou, como comentou Clara Ferreira Alves, Trump discursou como um "evangelista iluminado".

Aceito que alguém ainda confira o benefício da dúvida. Não a concedo, porque andam, todos juntos, nos vários tabuleiros políticos, numa cruzada pelo domínio e espezinhamento dos povos! O ano de 2025 parece-me que tem tudo para ser muito complexo. Veremos.

Ilustração: Google Imagens.

sábado, 18 de janeiro de 2025

A MAIS AMPLA E BRILHANTE MENSAGEM DE ANO NOVO



Aconteceu Ano Novo na RTP/M!

Quando digo Ano Novo, quero dizer mais que novo ano, novo calendário, fogos fátuos, balonas e estrelas cadentes que saem do chão e mais depressa ao chão regressam. Aconteceu Ano Novo – verdadeiramente Novo! - na grande paisagem da Ideia, da Acção, da Saúde física e mental, da Crença, enfim, da Vida.

Quem no-lo trouxe foi o Padre José Luís Rodrigues, secundado pela excelente condução do jornalista Paulo Santos que soube interpelar com mestria o distinto entrevistado, abrangendo uma polícroma diversidade de temas e problemas do mundo actual, desde as questões sociais às ideológicas e religiosas, com tal realismo e sensibilidade que parecia responder a todos e a cada um dos telespectadores que tiveram o privilégio de ver e ouvir a histórica entrevista do Pároco de São José, no Funchal.

Bem andou a RTP/M em abrir novos horizontes a crentes e não crentes, através da palavra lúcida, segura e transparente do padre romancista, poeta, contista e ensaísta, orador e blogger de merecido reconhecimento público. Ele identifica a metamorfose necessária à Igreja na Madeira, onde o imobilismo intelectual e o exibicionismo processional enfermam a religião católica nesta ilha, desde a hierarquia ao presbitério e aos fiéis em geral.

Corajoso e polémico para alguns, mergulhados que estão no obscurantismo oportunista, gerador de resquícios de poder anti--evangélico, o Padre José Luís Rodrigues nos dias que correm incarna a personalidade – também corajosa e polémica – do Papa Francisco, cujo lema pastoral é o de “UMA IGREJA EM SAÍDA” ao encontro da Humanidade, no seu sentido holístico, esteja onde estiver o ser humano.


Estamos perante um discurso intelectual e um programa comportamental idênticos ao de Jesus de Nazaré que, sem prejuízo da verticalidade da fé, pautou os seus actos pela horizontalidade humanista, tal como o saudoso Padre Mário Oliveira definiu quando titulou o texto eminentemente clarificador no seu livro “Do Cristão ao Humano”.

Ao mesmo tempo que nos congratulamos com a luminosidade esperançosa que o Padre José Luís Rodrigues jorrou jubilosamente na alvorada do 2025, fica-nos – a todos nós que queremos um mundo novo – fica-nos, sim, a mágoa e a desilusão de ver a hierarquia e a sua casta de mini-satélites subalternizarem, senão mesmo proscreverem, os lídimos valores representativos da genuína espiritualidade humana e cristã.

Força, Padre José Luís, deste amigo e veterano das mesmas causas, cientes que estamos de não poder salvar o planeta – nem o próprio Jesus o conseguiu – mas activos e conscientes de que, por nós, o mundo não andou para trás!

15.Jan.25
Martins Júnior

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Trump acelera perda de peso do dólar no mercado mundial


Por
João Abel de Freitas, 
Economista

A Europa está em má posição para responder, quaisquer que sejam os caminhos escolhidos pelos magnatas de Trump.



1. Inicia-se este artigo com uma afirmação bem conhecida: o dólar tem ainda um peso esmagador no sistema monetário internacional ou, em linguagem menos precisa, mas mais corrente, domina as trocas comerciais no mundo inteiro, de forma avassaladora. O que não estará tão interiorizado é a dimensão real da economia dos EUA posicionar-se muito aquém da intervenção internacional do dólar (embora continue como primeiro país em PIB corrente). Em valores aproximados, o dólar americano partilha em cerca de 80% das trocas e pagamentos mundiais, de forma desigual consoante os diferentes blocos económicos e Continentes, enquanto o PIB (nominal) rondará os 26%. Uma tamanha desproporção!

Como se encaixa este desajuste entre o desempenho do dólar americano (há outras moedas designadas de dólar) e a sua economia?

Não há uma resposta simples. Mas, a principal razão, entendo, assenta no seu poderio militar global e também na sua história política, embora, como mostra a história, este poderio à partida não seja sinónimo de ganhador, basta relembrar a guerra do Vietnam. Mas talvez seja de juntar, como vários analistas o fazem, o elevado prestígio das suas escolas de ensino superior, que atraem uma elevada percentagem de doutorandos e quadros técnicos estrangeiros, muitos deles regressando aos seus países para o desempenho de altos cargos na economia e gestão de empresas e na política. Países da dimensão da China, Índia, Brasil enquadram-se neste conjunto.

2. A importância do dólar na economia mundial tem uma história longa. Arranca com a Primeira Guerra mundial e segue um percurso de consolidação, embora aqui e ali objecto de controvérsia, como ficou célebre, na década de 60, na expressão de Giscard d’Estaing, o “privilégio exorbitante”, a respeito do dólar como moeda global dominante.

Como aqui se escreveu em tempos: “é o dólar que, na Segunda Guerra, ainda mais se reforça, inclusive pelos lucros das vendas de armamento e dos empréstimos financeiros aos seus parceiros e, depois, com o plano Marshall de apoio à reconstrução da economia europeia, acentua o estatuto de única moeda forte, substituindo, assim, naturalmente a libra nas suas funções, designadamente como moeda de reserva mundial e principal veículo de transação comercial e serviços”.

Mais recentemente, desde os fins do século XX/ inícios anos 2000, a controvérsia sobre o dólar como moeda global acentuou-se, assumindo várias frentes e iniciativas com maior ou menor sucesso. Podemos aqui incluir o lançamento do Euro que poderia ter tido um papel significativo e não titubeante, como tem sido o caso. Mas, sobretudo, o processo de desdolarização da economia mundial tem vindo, pouco a pouco, a ganhar consistência, designadamente sob o impulso da China, devido à sua ascensão na economia mundial.

A guerra da Ucrânia, com as sanções económicas indiscriminadas contra a Rússia, gerou um clima de desconfiança alargado, sobretudo em economias emergentes que tinham pouco a ver com a guerra. Os países do Sul Global reprovaram ou não apoiaram as sanções e mostram-se preocupados com potenciais represálias dos EUA, o que desencadeou certos movimentos como a recomposição das reservas cambiais dos seus bancos centrais (segundo o FMI 70% em 1990, 2ºT. 2024 58,2%) na tentativa de reduzir a dependência em dólares dos seus activos, bem como fomentou o aumento das reservas em ouro e a procura de meios alternativos de pagamento das trocas, expulsando/reduzindo o dólar de fatias já largas nas transações internacionais, p.e. áreas da energia e outras matérias-primas e mesmo na venda de equipamentos entre Brics e Brics e países terceiros.

E aqui, a acção dos BRICS tem contribuído para desenhar e desenvolver alternativas que vão consolidando “a expulsão” do dólar. Esta é uma tendência cada vez mais arreigada nos BRICS e com influência nas economias emergentes dos países do Sul Global.

Perspectivas com Trump

Ainda é cedo para identificar com rigor os efeitos das “políticas”, algo errantes, de Trump na esfera mundial.

Uma política protecionista é adquirida, mas o grau de proteccionismo ainda não é claro e até alguma comunicação social tem vindo a “adocicar” as taxas aduaneiras, alegando que vários dos conselheiros de Trump são mais generosos, defendendo “a selectividade das taxas” a áreas da defesa e soberania alimentar.

Sejam quais forem, não há dúvidas que uma guerra económica sobretudo entre EUA e China vai ser real. Segundo a informação dominante, a China tem vindo a preparar-se para essa guerra, tendo já definidas as linhas vermelhas de actuação futura.

Essa não é a realidade na União Europeia que tem dado pouca atenção às questões estratégicas, devido à grande instabilidade política em França e Alemanha, onde concentra a grande preocupação nos problemas nacionais. Por outro lado, países como a Áustria também não se encontram em bom momento político. Aliás, é difícil indicar um país europeu estabilizado. E, sem os países a funcionar, os órgãos da UE menos ainda fazem de útil.

A situação, na realidade, é a de uma Europa dividida, sem estratégia para responder às políticas de Trump. Dividida quanto à forma de encarar a dívida pública, onde é normal falar-se de “três Europas” (Norte, Sul e Leste), na energia nem é bom insistir na profunda divisão, no mercado comum financeiro que não existe e quanto ao Mercosul a situação é pública. E não vale carregar o ambiente com outros domínios de desentendimento que são muitos. Temos uma Europa desarmada de respostas.

Começa a vingar a sensação de que a União Europeia perdeu capacidade para enfrentar as fragilidades. Esta sensação é, em si, uma grande fragilidade. Claramente, os problemas globais nesta situação pouco contam e, alguns países tendem a entrar em negociações bilaterais com os EUA para resolver certas questões que são globais e há quem atribua dentro daquela máxima que “não há almoços grátis” que a visita muito recente de Georgia Meloni a Mar-a-Lago para um jantar pode “indiciar” esse caminho, o que levará outros países a tentar segui-la. Mas uma coisa é certa. A Europa está em má posição para responder, quaisquer que sejam os caminhos escolhidos pelos magnatas de Trump.

O que vai acontecer ao dólar, não em termos de câmbio mas de desdolarização neste contexto?

Muitos cenários são possíveis. Mas uma situação é certa, no domínio das trocas mundiais antecipam-se alterações significativas em termos de preços e quantidades transacionadas. E, assim, face à tendência em curso de encontrar alternativas para a substituição da intervenção do dólar uma baixa previsível da participação dos EUA nas transacções mundiais só vai emagrecer o papel do dólar. Com “as ameaças” avançadas de Trump ao Canadá, ao Panamá e à Gronelândia, o ambiente mundial só pode piorar, avancem ou não essas ideias pouco viáveis.

A desconfiança irá evoluir em crescendo e o dólar ainda irá reduzir mais o seu espaço, o que, em todo este contexto, é deveras positivo para um maior equilíbrio internacional.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

A Escola não é um Spa

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Energia: Suécia furiosa com a Alemanha


Por

O próprio Tribunal de Contas Europeu tem apontado várias incongruências ao Pacto Verde de transição, a diversos níveis, incluindo o tecnológico.



“Je suis furieuse contre les Allemands”, palavras de Ebba Busch, Ministra sueca da Energia e Indústria, numa conferência de imprensa a 19/12/2024, largamente referidas na comunicação social europeia. Para Ebba Busch, a política energética (Energiewende) da Alemanha é irresponsável e injusta, porque sobrecarrega as famílias e empresas suecas (e europeias, acrescento eu) com os seus preços elevados de electricidade, os chamados “preços alemães”, que os europeus têm de pagar, quando, no seu território, muitos países produzem-na a custos bem mais baixos.

Isto acontece porque a União Europeia está interligada em rede, possibilitando, deste modo, um equilíbrio alisado entre a oferta e a procura, a nível de todo o espaço europeu, com um regime de formação de preços estabelecido no mercado por grosso, no mínimo discutível (?) e desadequado que se repercute numa prática de preços elevados de electricidade, em benefício da Alemanha.

A Suécia é o segundo maior exportador líquido de electricidade para a União Europeia (o primeiro é a França) e, quer um quer outro país têm um mix de produção conjugada de hídrica, nuclear e renovável, que lhes permite produzir a custo mais baixo e de forma regular (não intermitente). São também países de baixa emissão de gases com efeitos de estufa – CO2, enquanto a Alemanha é o pior da Europa.

2. A Alemanha, a principal economia europeia (por enquanto?!) apostou numa política energética de abandono da nuclear, iniciada com Merkel na sequência de Fukushima, reconhecida hoje como uma aposta falhada, inclusive por instituições e partidos da própria Alemanha, mas que nunca corrigiu como outros países o fizeram, entre eles, a Suécia.

Pior, esta política estendeu-se à União Europeia por imposição da Alemanha, e, hoje, continua com defensores ao nível da Comissão Europeia, com dois Comissários, assumidamente antinucleares, sendo um, o Comissário Europeu para a Energia, o dinamarquês Dan Jorgensen, que tem tentado dificultar quando não boicotar os países que não apostam cegamente nas renováveis (eólica e solar) como ainda recentemente aconteceu com a França e continua a pôr entraves a projectos da Aliança Nuclear Europeia, aliança essa maioritária, em termos de número de países, no seio da energia e reconhecida pela anterior Comissão de Ursula von der Leyen, para a qual foram aprovadas medidas, sobretudo no tocante a Investimentos em SMR (reactores modulares de pequena dimensão) a concretizar até 2030.

Neste contexto, é perfeitamente entendível e merecida a expressão de zanga profunda da ministra sueca, porque não é justo que suecos e restantes europeus paguem “preços alemães” por teimosia dos lóbis das renováveis que nem as necessidades da Alemanha conseguem satisfazer, em dias sem sol e sem vento, como ultimamente tem acontecido e continuará a acontecer, se a teimosia continuar e a UE não corrigir o rumo, apostando numa estratégia óbvia para a energia, em que a nuclear tenha o espaço que lhe compete. São estas decisões/falhas de fundo que levaram a UE a perder competitividade à UE e a entrar em declínio continuado no contexto mundial.

O problema de fundo é grave

3. As sucessivas Comissões Europeias, desde o tempo em que Merkel decidiu sair da energia nuclear (houve uma onda, então, por toda a Europa, até Macron alinhou na redução da energia nuclear em França para substituir por renováveis), são corresponsáveis por toda esta estratégia de tragédia para a competitividade da União. As culpas maiores recaem, contudo, nas últimas Comissões que se demitiram de ter pensamento sobre a energia, apesar das boas achegas que a Ciência, entretanto, tem acrescentado, no sentido da escolha de outros caminhos. A Alemanha não mudou, os lóbis das renováveis instalaram-se e, até à data, domina a orientação das renováveis, apesar das provas de que não resolvem a situação. Para as eleições de Fevereiro, as expectativas de reviravolta apresentam-se favoráveis.

Lendo, com cuidado, o estudo do think tank Bruegel, de Bruxelas, pró-europeu, publicado em 2 de Dezembro 2024, sob o título: Uma estratégia de investimento para manter o Pacto Ecológico Europeu no bom caminho, deduz-se que a Europa não tem recursos financeiros para implementar a transição energética (tecnicamente discutível como refere o Tribunal de Contas e vários especialistas da matéria), traçada por Ursula von der Leyen em Julho de 2021.

O estudo, na prática, contém uma denúncia do mau desempenho da Comissão, embora não tenha sido essa a intenção do Bruegel. Mas, ao afirmar que a UE não tem capacidade financeira para despender os custos reais da transição energética de cerca de 1,3 triliões (trilions, francês) de euros por ano até 2030 para atingir a meta climática definida de redução de emissões de 55% e de 1,54 triliões/ano de 2031 a 2050 para atingir a neutralidade carbónica, não há outra leitura possível. Aliás, está escrito: “a Europa não está no caminho certo para atingir as suas metas climáticas”, apontando uma resistência à descarbonização cada vez mais forte e o esgotamento de meios financeiros quer ao nível da União Europeia quer dos Estados-membros.

A resistência das populações é cada vez mais forte porque ao Pacto Verde europeu se associam o aumento sucessivo de preços da energia e a noção de que as complicações recaem sobretudo sobre a vida dos mais pobres e com muitas empresas de diversos sectores a atravessarem profundas crises, encerramento e/ou deslocalização para outros países. Por outro lado, a ameaça de desemprego é uma realidade em empresas ícones da indústria europeia (química, automóvel, metalurgia, etc.) que estão a encerrar em vários países europeus. Numa outra frente, os agricultores estão em luta contra o Pacto Verde há muito tempo e agora, de novo, o Mercosul veio despoletar uma situação de concorrência desleal, ajudando a consolidar ainda mais essa resistência de rejeição.

Finalmente, o próprio Tribunal de Contas Europeu tem apontado várias incongruências ao Pacto Verde de transição, a diversos níveis, incluindo o tecnológico. A juntar, especialistas há que têm atacado a Comissão Europeia de não ter quantificado, deliberadamente, os verdadeiros custos do Pacto Verde por temer a rejeição de um programa debilmente fundamentado e dispendioso.

Situação a nível global

4. O modelo económico subjacente a esta transição energética está em causa pelos seus efeitos designadamente a grande desindustrialização que tem vindo a provocar, desde há anos. Como saída tem sido avançado o mito da “reindustrialização” que não está a acontecer porque lhe faltam as bases e os consensos.

Sem um largo consenso, no campo da energia, base de tudo, (a energia tem de ser encarada não como um simples ramo da economia, mas como algo instrumental para toda a economia) não há saída, até porque a UE tem vindo a perder vantagem em várias frentes (tecnologia e inovação) e se não acomoda o essencial dificilmente arrancará. E as instituições da União Europeia não estão a dar grande contributo até porque os desentendimentos entre si são muito profundos embora mais ou menos velados. Dirigentes europeus capazes (pensamento, conhecimento e acção) é o que faz falta porque, na realidade, não os há.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025