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sábado, 31 de maio de 2025

Marcelo PR, o primeiro “telepopulista” a sério em Portugal


Por
Alfredo Barroso,
in Facebook,
30/05/2025
estatuadesal



O "beijoqueiro" em acção... Marcelo PR, o primeiro “telepopulista” a sério em Portugal e criador do caos onde irrompeu outro bem mais perigoso…


O 'telepopulismo” irrompeu a toda a força em Portugal com a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República. Ao pôr em prática aquilo a que chamou «política de afetos» – à falta de melhor criatividade, e de um módico de consistência e de substância políticas –, Marcelo PR tinha absoluta necessidade das televisões para explicar o que era, e para praticar, essa «política de afetos».

Consistia esta, essencialmente, em beijar, abraçar e em tirar ele próprio retratos (as famosas “selfies”) a todo o «bicho careta» que se acercasse dele, a quem passava a mão p’lo pelo e transmitia palavras, expressões teatrais, gestos de carinho, simpatia e solidariedade – e sobretudo de caridade beata – por aí se ficando, assim cumprida plenamente, aliás, superficialmente, a função de mera propaganda política e de satisfação da sua vaidade pessoal.

Marcelo PR fez durar a coisa o tempo suficiente para ser reeleito, ainda que com resultados bem aquém do que ele esperava obter. Mas o que mais o incomodou na primeira vez que decidiu dissolver a Assembleia da República, foi a maioria absoluta obtida pelo PS de António Costa, que lhe retirava o protagonismo. Por isso ameaçou logo – caso inédito e totalmente abusivo – que tal maioria só duraria enquanto Costa fosse Primeiro-ministro, ameaça que “caiu como sopa no mel” quando uma matrona PGR, para esquecer, aceitou referir que Costa também vinha ao caso, ainda que “à vol d’oiseau”, numa “investigação” em curso do Ministério Público.

Depois de balbuciar alguns protestos, dizendo que se demitia, mas que o PR devia convidar outro socialista pra o substituir, Costa “raspou-se” com grande ligeireza, para ir constituir em Bruxelas um triunvirato com duas fanáticas belicistas que muitíssimo mal têm feito à União Europeia, mergulhada numa guerra indireta contra a Federação Russa, na qual está empenhado um “clown”, o ucraniano Volodymyr Zelensky, político narcisista e oportunista altamente suspeito de corrupção (ver “Pandora Papers”) e grande protetor dos grupos armados neonazis entretanto incorporados no seu exército.

Cá pela pátria ficou Marcelo PR a “protagonizar”, como ele tanto gosta e já tardava. Mas bem depressa se pôs a dissolver, por mais duas vezes, a Assembleia da República, pondo o seu partido, o PPD-PSD, no poder, todavia disfarçado de AD e com um governo minoritário, e ao mesmo tempo dando um enorme impulso a um partido de extrema-direita, o CHEGA, que logrou obter 50 deputados em 2024, e 60 deputados em 2025, sob a liderança de um “telepopulista”, André Ventura, sem dúvida muito mais eficaz politicamente, e bastante mais perigoso, do que Marcelo PR...

quinta-feira, 22 de maio de 2025

O discurso da infâmia


Por
Nuno Morna, 
in Facebook, 19/05/2025), 
Revisão da Estátua

Num domingo à noite, febril, deitado de lado, com o coração aos gritos e a televisão ligada no volume errado.



Ontem à noite, o país sentou-se a ver o circo. Um circo de uma só figura, de um homem só, de um espetáculo monológico onde o palhaço também era domador, diretor, macaco amestrado, leão faminto e criança perdida que grita da plateia para que olhem para ele, só para ele, sempre para ele.

André Ventura falou. Falou como quem cospe. Falou como quem bate. Falou como quem quer ser amado mas só sabe odiar. E parte do país, a parte do país fatigada de esperar por Deus, ouviu. Ouviu como se ouve o padre numa missa a que se vai por obrigação, como se ouve a mulher que já não se ama ou o pai que já não se respeita. Ouviu com raiva, com cansaço, com culpa.

Disse que acabara o bipartidarismo. Disse-o como quem anuncia a queda de Roma, o fim dos tempos, a libertação do povo escolhido. E ali estava ele, o Moisés do populismo, de microfone à frente e a azia no bolso como quem esconde a vergonha, prometendo terra prometida a quem nunca teve jardim. Disse que a história tinha mudado, que agora o país era outro, um país dele, feito por ele, para ele, com ele ao leme e os outros calados, de joelhos, em silêncio. Ventura quer o país em silêncio. O país de joelhos. O país em medo. Ventura não quer governar. Ventura quer mandar. E o que há de mais grave é que há quem deseje ser mandado. Há quem precise.

O Chega não é um partido. É uma carência. Um sintoma. É o vómito do país que nunca curou a sua tristeza. Que finge que é alegre no São João, no Santo António, nas bifanas do domingo, nos copos do sábado, nas sardinhas do Junho. Mas que sangra por dentro. Que odeia por dentro. Que tem raiva de si, de tudo, de todos.

Ventura oferece isso: um inimigo. Um sentido. Um alvo. Se há um culpado, já não sou eu. Já não é o meu fracasso, o meu salário, a minha solidão. É o cigano, o negro, o comunista, o assistente social, o jornalista, o juiz, o reformado, o artista, o pobre, o estranho. Ventura dá um nome à frustração. E isso consola. E isso vicia. E isso mata.

O seu discurso foi uma lista de cadáveres simbólicos. “Matei o partido de Álvaro Cunhal”, disse, como se estivesse a caçar fantasmas no sótão. “Varreram o Bloco de Esquerda do mapa”, gritou, com o orgulho de quem limpa sangue do chão, e chama a isso arrumação.
Para Ventura, política é isso: uma limpeza. Uma desinfeção. Uma purga. Como se o país estivesse sujo e só ele, com a sua verdade puríssima, o pudesse lavar. E lavar com quê? Com insultos. Com medo. Com castigos. Com prisões perpétuas. Com castrações químicas. Com multas. Com violência.


E depois, claro, o momento cómico, se a comédia ainda tivesse graça. Atacou as sondagens. Sempre as sondagens. Sempre o mesmo coro: que o queriam calar, que o queriam derrubar, que lhe mentem, que lhe fazem armadilhas. Ventura não percebe que as pessoas votaram no seu partido com vergonha de o fazer, de o dizer às sondagens.

Ventura é o miúdo que jogava mal à bola e que ninguém quis na equipa e passou o resto da vida a sonhar ser capitão. E agora que lhe deram um apito, anda a expulsar todos os que correram mais depressa do que ele. Ventura não acredita em instituições. Acredita em si. Ventura não acredita em regras. Acredita no seu instinto. Ventura não acredita no país. Acredita no seu espelho.

E depois aquela frase. Aquela frase que soa a taverna com vinho barato e gritaria ao fundo. “A mama vai mesmo acabar”. Disse-o com o orgulho de quem faz justiça, mas com o tom de quem está habituado a mentir e a justificar-se com o cansaço. A mama vai acabar. A mama, quer dizer, o Estado. Os apoios. Os direitos. A solidariedade. Os serviços. A dignidade.

Ventura quer um país onde só os fortes sobrevivem. Onde quem não consegue, morre. Onde quem chora, se cala. Onde quem precisa, se esconde. Porque, para ele, a vida é uma luta de cães. E ele é o dono da trela.

Mas Ventura não quer que a mama acabe. Ventura quer ser ele a mamar. Quer o lugar do outro. Quer mandar nos subsídios. Quer mandar na televisão. Quer mandar na escola. Ventura quer mandar. Ventura quer mandar. Ventura quer mandar. E o país, esse país magoado, esse país velho que já não acredita em ninguém, esse país que se esqueceu como é que se luta, esse país votou nele como quem diz: “Toma, faz tu melhor”. E ele fará. Mas não será melhor. Será só mais triste. Mais cruel. Mais pequeno.

O que me espanta não é Ventura. Ventura é uma personagem de novela das seis: previsível, mal escrita, exagerada. O que me espanta é o silêncio. O silêncio dos outros. O silêncio dos bons. O silêncio dos sérios. Dos que deviam estar ali, naquele exato momento, a dizer: basta. Mas estavam calados. Com medo de perder votos. Com medo de serem insultados. Com medo de não parecerem “populares”. E assim se mata uma democracia: não com balas. Com medos. Com cobardias. Com silêncios.

Este discurso, o de 18 de maio, de ontem, não foi um discurso. Foi uma bofetada. Foi uma noite de gritos num quarto fechado. Foi o início de qualquer coisa escura. E se não gritarmos agora, se não dissermos agora, alto e claro, que isto não é normal, que isto não é aceitável, que isto não é o país que queremos, amanhã já não poderemos falar.

E depois? Depois virá o silêncio. O grande silêncio. O silêncio dos cemitérios. E Ventura sorrirá. Porque não há nada mais cómodo para quem quer mandar do que um povo sem voz. E nós estamos perigosamente perto disso. Perto de calar. Perto de baixar a cabeça. Perto de desistir.

E quando isso acontecer, será tarde. Será sempre tarde.

Post scriptum: 
Estarei sempre do outro lado da barricada. Com todos os que são, efetivamente, pessoas de bem, não os que se dizem, mas os que o demonstram, com os que amam a liberdade sem adjetivos e a democracia sem asteriscos. No combate a todos os radicalismos, venham eles mascarados de justiça ou de ordem, de povo ou de nação.

No combate aos que aparecem para dividir, para semear o ódio, para apagar a pluralidade, para transformar o medo em política. No combate, sempre, à intolerância, a intolerância dos gritos e a dos silêncios cúmplices. Quero viver com a noção de que "Combati o bom combate", (2 Timóteo 4:7). Da minha parte, não esperem outra coisa. Nem agora, nem nunca.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

O IMI não é um imposto, é uma absurda renda municipal


Artigo 65º da Constituição da República: "1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar".



Os que puderam, os da designada classe média e média alta, aventuraram-se e não esperaram que fosse o Estado a resolver aquele direito. Procuraram a banca, contratualizaram por 15, 20, 30 e até 40 anos o pagamento dos empréstimos com juros, hoje, manifestamente pornográficos. Muitos compraram o solo, pagaram impostos, construíram e, todos os meses, têm um quantitativo a reservar que faz mossa nos limitados orçamentos familiares. Não obstante isso, de terem pago tudo, projectos, licenciamentos, encargos de construção, manutenção, etc., aparece o Estado, sorrateiramente, e zás, toma lá mais este imposto. Isto é, milhares ou mesmo milhões, fizeram um esforço, trabalharam muito, fizeram das tripas coração, privaram-se de muita coisa e, lá do alto, o olho atento e saqueador do governo, o olho abutre, cai sobre os cidadãos esmifrando-os ainda mais. Fará algum sentido, pagar uma renda ao Estado sobre um património que constitui um direito básico?

"Portugal, diz-nos o Economista João Rodrigues dos Santos, parece ter-se tornado especialista em prolongar a agonia fiscal dos seus cidadãos. O mais recente relatório do Instituto Económico Molinari e os cálculos da consultora Ernst & Young revelam que, em 2023, os portugueses precisaram de seis meses e treze dias de trabalho apenas para suportar os encargos fiscais. Mais de metade do ano para pagar o vasto espectro fiscal português." 

O IMI é dos impostos que considero absoluta e radicalmente indecoroso. Se a vida da maioria das famílias já é muito complexa, com esta "actualização" de 9,75% em 2025, tudo ficará pior. É que não se trata, na esmagadora maioria dos casos, de um qualquer luxo ou de uma segunda ou terceira habitação, trata-se, apenas, de uma necessidade básica prevista no quadro dos direitos constitucionais económicos, sociais e culturais. 


Por exagero, é como ir ao supermercado, colocar no carrinho de compras uma série de produtos essenciais, pagar o IVA e, depois, em função do valor anual de compras, voltar a pagar um qualquer imposto. Isto é, voltar a pagar aquilo que já foi pago e com imposto! O IMI deixou assim de ser um imposto, mas uma descarada renda. Grosso modo, quem pagar € 500,00 de imposto, mensalmente, sabe que tem uma renda de € 41,60! Paga para habitar o que é seu, contrariamente ao direito consignado na Constituição da República.

Com muito boa vontade e uma incomensurável tolerância, posso aceitar o estabelecimento de uma moderada contribuição municipal, sobretudo se forem explicados e sensíveis os retornos dessa contribuição. Da forma como tudo acontece, não, constitui um roubo, um descaramento, uma pirataria legal. Os valores que hoje estão em causa são obscenos. Pedir a uma família que tem um orçamento limitado, que aceite de sorriso largo o IMI, é de mandar os seus mentores a um lugar que eu cá sei! Não há memória de tanta "espoliação pública legal", um saque diário perpetrado por governantes insensíveis. 

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

A propósito da Spinumviva e de Cavaco Silva: "Por qué no te callas?"


Talvez seja por uma necessidade de protagonismo, de se manter com a cabeça fora de água, talvez! Há pessoas assim, que não têm noção que, tendo um percurso considerado meritório para alguns, absolutamente detestável para outros, não conseguem perceber que tudo tem o seu tempo e que eles já tiveram o seu. Continuam com aquele desejo de estar sentado na primeira fila, como se a sua presença e sobretudo a palavra tivessem um significativo peso na opinião pública. Falo do Professor Cavaco Silva. Pior, ainda, é que aparece sempre com um certo espírito destrutivo, com lições de moral que não pegam, quando o seu passado exigiria recato. Aos 86 anos, com uma vida de décadas preenchida pelo exercício da política, sempre que aparece, a memória traz-me o Rei Juan Carlos I de Espanha, quando se dirigiu ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, durante a XVII Conferência Ibero-Americana, realizada na cidade de Santiago do Chile, em 10 de novembro de 2007: "Por qué no te callas?"



De Cavaco lembro-me de ter recusado uma pensão vitalícia ao Capitão de Abril Salgueiro Maia, mas ter concordado com uma pensão a dois ex-inspectores de PIDE; lembro-me, ainda, de ter dado um severo golpe nos sectores das pescas e da agricultura e, mais tarde, enquanto Presidente da República, ter dito que Portugal devia apostar nestas atividades, quando foi ele que as matou. E tenho presente o facto de não se ter curvado perante a morte do Nobel da Literatura José Saramago. E era Presidente da República. 

A propósito desta figura que um dia disse que "nunca se enganava e raramente tinha dúvidas", regressei a um texto que publiquei a 10 de Outubro de 2013, na sequência de um notável trabalho do Jornalista Filipe Santos Costa, divulgado na revista do Expresso, de 18 de Maio de 2013, pág. 37/41, sob o título: Quando Paulo Portas escrevia que Cavaco "merecia um estalo". Guardei-o e ontem voltei a lê-lo. Deixo, com a devida vénia ao Expresso e ao jornalista, uma passagem onde se refere a Cavaco Silva: "Egocêntrico", "arrogante", "vaidoso", "teimoso", "ambicioso", mais dado a teimosias do que a convicções. Pensa que a direita tem de o venerar. Tem dias de imitação de ditador. É um homem ordinário".

E de Carlos Esperança, relembro, por outro lado, um seu texto: ele "remói ódios e cogita vinganças" (...) O homem que foi catedrático por decreto, benevolência do Prof. Alfredo de Sousa, PM por intriga dentro do PSD, e PR por arranjo, na vivenda de Ricardo Salgado, esqueceu o passado obscuro para dizer que há "deterioração da qualidade da nossa democracia" (...) "A democracia em Portugal está amordaçada", (...) aquele que um dia inventou escutas para combater o PM, que nunca lhe perdoou perder o vencimento de PR, quando o Governo decidiu a não acumulação de ordenados e pensões, e estas eram mais avultadas, tropeça na gramática, na ética e na cultura, mas não se esquece de bolçar o ódio à democracia. Para ele os adversários são inimigos. (...) Quem permutou a modesta vivenda Mariani por um terreno para construção, onde já se erigia a luxuosa vivenda Gaivota Azul, na praia da Coelha, recebeu mais valias de ações não cotadas da SLN/BPN, dava faltas injustificadas na universidade pública e aulas na privada, faltas que o ministro Deus Pinheiro relevou, esqueceu os negócios que fez, os meios de pagamento que usou e coisas essenciais que o deixaram sob suspeita de ser contemplado pela generosidade de Oliveira e Costa (...)".

Tudo isto que aqui trago tem a ver com um seu recente artigo sobre aquilo que considerou como a "Devassa da vida privada", relativamente aos negócios do candidato Luís Montenegro. A Tal Spinumviva. Cruzei a sua posição com o artigo de João Miguel Tavares, (Público) onde o articulista fez o contraponto: 

"(...) Os negócios activos de um primeiro-ministro em funções não são vida privada. Isto é uma avaliação ridícula; é conversa de laranjinha fanático; e fica muito mal ao mesmo Cavaco Silva que em tempos achou Oliveira e Costa, Duarte Lima e Dias Loureiro políticos espectaculares, fazer esta defesa totalmente descabelada daquilo que foi um comportamento eticamente inadmissível por parte de Luís Montenegro no caso Spinumviva — mesmo que consideremos que esse comportamento não justifica a queda do Governo. Não é só André Ventura que desprestigia as instituições. O artigo de Cavaco fez o mesmo".


Em Setembro de 2023, o jornalista Luís Osório, referindo-se a Cavaco Silva, escreveu:

"É uma pessoa pouco recomendável (...) voltou a aparecer. Às vezes, um livro. Outras vezes, um ajuste de contas. Contra pessoas, contra a esquerda, contra a má moeda, contra qualquer política menos ele próprio – o homem não se cansa de ajustar contas com o seu ressentimento (…) Para diabolizar António Costa. Para espetar uma faca no pobre Rui Rio. Para dar prova de vida. (...) "O homem que beneficiou de alguns privilégios conhecidos, mas que continua a pairar como se lhe devêssemos alguma coisa, como se lhe tivéssemos de ir comer à mão. (…) O homem que não fez nenhuma declaração aquando da morte de José Saramago, nem uma palavra. Uma vergonha, uma canalhice. Porque Cavaco era Presidente da República"!

Finalmente, há uma carta do Economista Carlos Paz que caracteriza bem esta figura. Deixo aqui o endereço:

Ilustração: Google Imagens

terça-feira, 6 de maio de 2025

Empresas europeias defendem retoma da importação de gás russo


Por

As empresas da UE defendem soluções alternativas e menos caras para recuperar a sua dinâmica competitiva. Olham para a dependência real do GNL dos EUA como um risco acrescido.



1. Algumas revistas e jornais europeus têm vindo a alertar com insistência para a dependência excessiva do gás dos EUA, situação gerada com a guerra da Ucrânia (Fev2022), onde a Europa começou a substituir o fornecimento, via gasodutos, de gás russo bem mais barato, pelo GNL (gás natural liquefeito) oriundos do Qatar e, em especial dos EUA, a preços bem mais elevados.

Como várias vezes se alertou, aqui, a Europa, devido a sanções económicas mal concebidas, mais idóneo seria dizer-se de seguidismo, porque se limitou a seguir, sem pensamento próprio, as decisões políticas do governo Biden (EUA), salta de uma dependência energética para outra, sem benefícios alguns. Bem, pelo contrário, com perdas avultadas e efeitos gravosos nos custos das empresas e despesas das famílias. Não podemos esquecer. O preço médio da energia na UE mais que triplicou em termos relativos.

As consequências não se fizeram esperar. Elevada perda de competitividade das empresas europeias, deslocalização [diferenciada, segundo os países-membros, consoante a sua incidência nas indústrias química e metalurgia, sectores energia-intensivos] para outros países com custos baixos de energia, efeitos no bem-estar das famílias, pela redução dos níveis de aquecimento e do uso do ar condicionado, provocando um número de mortes significativo na Europa (umas centenas de milhares) e, ainda, aumento da poluição devido à reanimação das centrais a carvão.

2. A problemática energética foi, desde o início, um dos maiores problemas, levantado pelas empresas do sector químico e petroquímico à Comissão Europeia, aquando da aplicação das primeiras sanções económicas à Rússia, onde a redução da compra de hidrocarbonetos era um dos focos-chave, alegando, o que era óbvio, os efeitos na economia.

A UE não levou em conta a posição das empresas, antes atrelou-se à linha política dos EUA que reunia condições bem diferentes da Europa para seguir aquela política: produção de gás, efeito reduzido no preço e ainda o mercado europeu de gás que se lhes abria.

Algo está a mudar…

3. Perante as consequências por demais evidentes, está a assistir-se a uma viragem firme, traduzida em opinião pública. O que vai daí resultar? Muitas incertezas, quase todas dependentes do desfecho a prazo da guerra da Ucrânia.

Escreve a revista Transitions & Énergies de 19/04/2025: “Para não perder o que resta de sua competitividade industrial e não depender exclusivamente de seus suprimentos de gás dos Estados Unidos e do Catar, os atores econômicos e políticos europeus (tradução brasileira), estão agora considerando abertamente que o gás russo pode ser um mal necessário de alguma forma. Não seria de forma alguma uma questão de se aproximar do regime de Vladimir Putin e importar quantidades de gás comparáveis às que existiam até 2021. Mas, no caso de uma paz aceitável entre a Ucrânia e a Rússia, isso significaria diversificar as fontes de fornecimento de gás natural aos países da União. Resta apenas conseguir chegar a acordo sobre uma estratégia a nível europeu que combine segurança energética e credibilidade geopolítica”.

As empresas da UE defendem soluções alternativas e menos caras para recuperar a sua dinâmica competitiva. Olham para a dependência real do GNL dos EUA como um risco acrescido pelo eventual uso indevido de Trump na sua errância no jogo das tarifas aduaneiras. E, neste contexto, apontam que, embora numa proporção diferente, da de antes da guerra, é de retomar o abastecimento russo.

Escreve a revista citada que, há um mês, em conversa, Patrick Pouyanné, CEO da Total Energies, explicou: “Eu não ficaria surpreso se dois dos quatro gasodutos (fossem) colocados de volta em serviço, não quatro em quatro”. Para Patrick Pouyanné, a indústria europeia não tem chance de ser competitiva, sem um certo nível de fornecimento de gás russo, por meio de gasodutos, que permita que ele seja pago a preços muito mais baixos do que o GNL.

“Não há como competir com o gás russo com GNL de qualquer lugar”, disse Pouyanné e, recentemente, acrescentou à agência Reuters: “Temos que diversificar nossas fontes de abastecimento, pegar muitas estradas e não depender de uma ou duas delas… A Europa nunca mais voltará a importar 150 mil milhões de metros cúbicos da Rússia como fazia antes da guerra … mas apostaria talvez em 70 mil milhões de metros cúbicos”.

Registamos este depoimento, mas muitos mais dirigentes de grandes, médias e pequenas empresas defendem esta opinião.

Passado este tempo, existe um reconhecimento de que as sanções económicas pelo menos no tocante ao gás foram um erro colossal. Agora, até já se pode exprimir esta opinião, sem se ser “molestado” de pró-Putin. Agora, são os políticos europeus defensores destas posições tão abertamente contestadas, que se sentem incomodados por haver tantos a dar voz e a se oporem ao tipo de sanções, orientadas, então, pelos interesses americanos.

O apagão ibérico

Nos países da União, a situação continua complexa. As necessidades de gás natural não desaparecerão por magia. A estratégia alemã de transição energética (Energiewende), que privilegia as energias renováveis intermitentes (eólica e solar), continua a dominar e persiste as tentativas de a impor a todos os países da UE pelas instituições europeias.

Admite-se, de forma generalizada, que estas energias intermitentes (sozinhas e em dimensão exagerada) não são solução idónea (independentemente dos erros de gestão da rede que houve) e terão contribuído de diversas maneiras (produção e sobretensão nas redes de alta tensão) para o apagão ibérico.

Hoje, na EU, há uma maioria de países a favor da energia nuclear, só que os serviços da Comissão Europeia continuam a reboque da posição alemã e com muitos apoios de Comissários em exercício a dificultarem avanços ponderados.

Com as perspectivas de elevados consumos de electricidade, no curto e médio prazos, designadamente pelo surgimento das várias actividades económicas ligadas à IA, a União Europeia corre sérios riscos de perder mais uma vez a oportunidade de estruturar uma política energética dinâmica e, daqui a uma dezena de anos, vir a aparecer um novo relatório Draghi a constatar que a Europa, afinal, se afundou no contexto mundial porque, depois de numerosos alertas, continuou a persistir no erro sem encontrar o caminho certo para a energia.

A UE não consegue chegar a entendimento neste domínio-base. Os jogos e interesses dos lóbis são muitos e contraditórios e anulam-se e quem perde está à vista. As vítimas dos apagões e das perdas de competitividade na Europa.

O apagão ibérico deu-nos uma amostra (triste) bem clara dos erros de fundo da União Europeia na energia. A ciência existe. A política é que baloiça e os interesses se digladiam.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Debates e notas!

 

Nos recentes debates políticos, uma grande parte das vezes, face ao que dizem os painéis de comentadores, fico com a ideia que eu e eles não vimos o mesmo debate. Não apenas sobre o que dizem, mas pelas famigeradas notas que atribuem. Ainda não percebi se, para uns, a escala é de 0 a 10, para outros, é de 0 a 20! No mesmo debate e painel, um pode atribuir a nota 5 e outro 15 ou mais. Uma disparidade que, depois, converte-se em comentários diametralmente opostos.



É evidente que todos, por mais que afirmem a sua independência, transportam culturas, histórias de vida, percepções, autores de livros que leram, crenças, estilos, posicionamentos políticos (também votam) e até, o medo de ser rejeitado em função de para quem trabalham. E tudo isso acaba por ter influência quando seguem um debate e se pronunciam sobre o que assistiram. Sei que é assim, porém, isto deixa-me, eu não diria com uma certa angústia, mas ligeiramente irritado, porque, repito, fico a pensar se assisti às mesmas respostas.

O problema é que, aos olhos dos menos bem informados, essas notas e apreciações acabam por afectar e moldar posteriores decisões individuais. Hoje, a influência que exercem em redor do debate político já não é, sequer, subtil ou invisível, é descarada e está a tornar-se numa poderosa força que, no essencial, visa gerar a dúvida ou mesmo transportar a consciência para aquilo que desejam que o povo seja e não aquilo que as convicções e apreciações individuais ditam. Matam o sentido crítico e perde-se a autonomia de pensamento, sobretudo se esta não está alicerçada em princípios e valores estruturados. Concomitantemente, a consequência conduz a um nocivo efeito de rebanho, pela insistência e pela persuasão. 

É óbvio que ninguém está imune a influências de todos os tipos, daí que, neste contexto, especificamente ao jornalista ou ao comentador, não lhe peço a verdade, mas que seja honesto com a sua verdade. O problema está nas pontas soltas que deixam pelo caminho, nos pequenos deslizes, no tom de voz, na comunicação facial e postural, nas atitudes, nos enquadramentos e narrativas inquinados, onde se percebe, com relativa facilidade, onde querem chegar e ao serviço de quem estão. Preferia que assim não fosse, apenas, genericamente, autênticos e honestos na comunicação verbal e não verbal.

E quanto às notas... deixem isso para os espectadores e leitores, face à tamanha discrepância entre uns e outros.

Ilustração: Google Imagens.