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segunda-feira, 18 de agosto de 2025

BRICS+ em movimento


Por
João Abel de Freitas,
Economista

A Declaração da última cimeira dos BRICS, este ano, destaca a reconfiguração da Ordem Internacional, consubstanciada na exigência de uma Governação Global mais justa e plural.



Antes da interrupção de Verão, razões várias nos impelem a falar dos BRIC/BRICs, BRICS e BRICS+. Uma simples referência a ligar aos dias de hoje, onde as incertezas económicas, ao lado de grande instabilidade política, se acumulam cada vez mais no Horizonte, para o que muito contribui a “imprevisibilidade” chantagista de Trump.

Os BRIC, a caminhar para a sua maioridade de existência informal, pois os contactos de arranque entre os países fundadores, Brasil, Rússia, India e China (BRIC) deram-se por volta de 2005/2006, conquanto a formalização do grupo só tenha tido lugar, em 2009, com a Primeira Cimeira de Ekaterimburgo, na Rússia.

Em 2011, de BRIC passou-se a BRICS, com a inclusão da Africa do Sul (South Africa), por sugestão da China de integrar o continente africano, para ampliar a representatividade geográfica e a diversidade cultural. E, 12 anos mais tarde, surgem os BRICS+, como resultado da 15ª Cimeira de Joanesburgo (22 a 24 de Agosto2023), que decide o alargamento, a partir de 1 de Janeiro 2024.

Muito tempo foi passando, com a economia mundial, aqui e ali, muito titubeante, a rodar sobre as Instituições (FMI e Banco Mundial), saídas da Conferência de Bretton Woods (Julho 1944), impostas pelos EUA, com a oposição do Reino Unido e seu representante, o economista John Maynard Keynes.

Assim, desde a Segunda Guerra Mundial, têm estas duas Instituições vindo a cunhar o andamento da economia mundial, com o dólar americano como moeda-rei.

No período anterior aos contactos entre os futuros BRIC, por vezes, também se escreve BRICs (este s é plural), ou seja, desde os finais dos anos 90 (século XX), o desempenho destas Instituições, com relevância para o FMI, não apresentava boas performances e, menos ainda, simpatia, apesar de, desde 1944, não haver equívocos dos interesses que serviam: o Ocidente, sob a tutela dos EUA. Daí, a sua imagem face ao restante Mundo, [hoje, denominado “Sul global”] ser deveras pouco apreciada. Mas quem tem poder militar vai impondo, a bem ou a mal, o mando do Mundo.

Quem não se recorda dos programas de Ajustamento Estrutural (chapa 4 do FMI), no “chamado apoio” aos países do então terceiro mundo e mesmo de países europeus em crise?! Portugal tem memória disso, até em períodos diferentes. Quem não se recorda da politização dos empréstimos de que beneficiavam, em condições e rapidez de concessão, os países mais afectos aos EUA!!

Mas pensamos que o demérito a sério, símbolo do maior descrédito, consubstanciou-se em duas situações em que a incapacidade institucional dos EUA, através dos seus instrumentos financeiros (FMI e BM), ficou bem demonstrada: a crise asiática (1997/8) e a crise dos “subprime” 2008.

Na crise asiática, com base na da Coreia não debelada, o Japão tentou avançar com sugestões de fortalecimento da missão do FMI na Ásia. Foi completamente trucidado pelos EUA que não aceitaram nenhuma das propostas, mostrando assim a sua incapacidade ou interesse em agir fora da esfera americana.

Na crise dos “subprime”, os EUA, através do FMI, mostram uma vez mais que não reúnem capacidade institucional para agir, dentro do seu próprio espaço, pois não atalhou, a tempo, uma crise gerada em torno do dólar, deixando-a alastrar à economia no seu todo, com maior ou menor impacto, consoante as condições das regiões e países.

Neste contexto, se constituem os BRICS em linha discordante com a Governação do Mundo, assente nas Instituições saídas de Bretton Woods e de algumas outras constituídas, posteriormente, como a Organização Mundial do Comércio, mas funcionando na mesma onda de defesa da economia do Ocidente, quando cada vez esta estava em perda contínua de representatividade na economia global.

Aparecimento dos BRICS

Há várias leituras sobre se os BRICS nasceram para reivindicar a partilha de poder na Governação mundial com uma representatividade correspondente à sua importância ou se como alternativa de, a prazo, construir um outro tipo de Governação, assente em novos princípios e Instituições.

Talvez uma leitura não exclua a outra. O certo é que o Ocidente não admitiu partilhas, mesmo as mais normais, por exemplo, uma maior influência das economias emergentes no Banco Mundial ou a reforma do FMI, tornada necessária, com a crise dos “subprime”.

Não havendo abertura, naturalmente outros caminhos se impuseram. Os BRICS vão-se fortificando com suas análises e debates, na criação de comissões com vida própria produzindo propostas/recomendações e pela realização de uma Cimeira anual em que se procura integrar o trabalho desenvolvido nas diversas frentes.

No seio dos BRICS, a dinâmica de cooperação e debate tem criado um património comum de ideias, base e fundamentação de mudanças que vai materializando ou operacionalizando com mais ou menos dificuldades, até porque os BRICS desde início tinham definidos três grandes áreas de acção: “reforma das instituições financeiras internacionais; fortalecimento do comércio entre os países membros; promoção do crescimento económico sustentado e inclusivo”. A questão estava/está em “saber” consensualizar, entre países nada homogéneos, o modelo de os concretizar.

Não podemos deixar de referir o muito trabalho que levou à criação do Banco dos BRICS (Novo Banco de Desenvolvimento), em 2014 na Cimeira de Fortaleza, tornado operacional, em 2016, com sede em Xangai. Uma etapa certamente marcante da sua vida futura.

Importante ver se esta Instituição nasce diferenciada das congéneres ocidentais apenas por não ser de sua iniciativa, ou se foi além, desenhada com princípios diferentes mais favoráveis aos países emergentes?

Do que tem funcionado, são notórias as diferenças. Desde logo a composição do capital (igualdade nas quotas) e a concessão dos empréstimos com liberdade na definição de prioridades (contrariando os métodos FMI), o que tem suscitado uma enorme empatia pelos BRICS e, neste contexto, surgiu a figura nova de “país parceiro”, na Cimeira 2024, em Kazan, na Rússia. Mas atenção, falta muito a percorrer!

Este ano, sob a Presidência do Brasil, realizou-se a 17ª. Cimeira, em 6 e 7 de Julho2025, em situação algo complexa, no xadrez mundial. A Declaração, que marca sempre as Cimeiras não falhou tendo como destaque principal, o que não é estranho, a reconfiguração da Ordem Internacional, consubstanciada na exigência de uma Governação Global mais justa e plural, com ênfase na Modernização do Conselho de Segurança da ONU (exigência de novos países) e expresso repúdio dos ataques contra o Irão – país que integra os BIRCS+.

Hoje, vigora a tese de que os BRICS, como actor coletivo, têm vindo a ganhar poder no tabuleiro mundial o que, a prazo, os levará a influenciar mudanças determinantes na organização mundial da economia. Pena é que a União Europeia, mais uma vez, tenha claudicado perante Trump, de forma até pouco digna, sujeitando-se Von der Leyen a ir a um campo de golfe do próprio, quando as negociações exigiam formalidade. Desta forma perde lugar nesta disputa mundial.

Trump, por seu lado, está “a facilitar” este crescendo dos BRICS que cada vez mais se identificam com os interesses do “Sul Global” e estão a reunir em vários domínios condições de consolidação, como as terras raras, onde o Brasil vai entrar a marcar pontos, contribuindo para o reforço dos BRICS, e nas tecnologias de ponta. Tudo isto terá o seu tempo. Mas o Ocidente está, de facto, em causa, com um mundo multipolar a caminho.

sábado, 16 de agosto de 2025

Uma sociedade aprisionada é uma sociedade morta

 

Vivemos tempos conturbados de difícil e racional explicação, quando a vida, para todos, independentemente do local onde ela acontece, devia acrescer o sinal mais da felicidade. Do Norte ao Sul, do interior ao litoral. O poder a qualquer preço, em todos os patamares da vivência colectiva, a ganância, os lucros sem freio que sufocam os demais, os subterfúgios e os indetectáveis jogos de bastidores que passam longe dos olhares comuns, a extensa rede de influências arquitectadas pelos novos colonos, a perda da independência da comunicação social, muito quieta e dócil, por isso mesmo, suavemente promotora de uma notável inteligência na condução do interesse dos grupos dominantes, a gritaria em cima dos múltiplos palcos onde vendem ilusões, eu sei lá o que por aí anda, de alto a baixo, de leste a oeste... tal como uma droga que só atenua os efeitos à custa de doses mais elevadas.


Circunscrevendo-me ao espaço onde nasci e vivo, este quadro que me entristece e desencanta, que flui e é audível à boca pequena, não tem pintores e pinceladas novas onde sobressaia uma matriz porventura inspiradora e de esperança. Foi desenhado há muito por um mestre e ajudantes que reproduziram experiências passadas. Um projecto de sociedade egoísta, desenvolvido com tintas e pincéis baratos. Criaram apenas um exemplar, bastou-lhes isso, e multiplicaram-no e distribuíram-no pelo casario ao jeito do "Menino da Lágrima". O "dramatismo" dessa pintura, situado entre o melancólico e o conformado, qual metáfora, assemelha-se a esta realidade social. O "quadro" está em todo o lado, dito por outras palavras, toda a sofisticada engrenagem política conhece o sistema, autocensura-se e sabe quanto os pintores, eu diria mentores, desejam e apreciam os comportamentos adequados, sempre em tons saudosistas, antes "A bem da Nação", hoje, "A bem da Região".

Ora, quando uma sociedade chega a tal estado de dependência e medo, de despersonalização, de incultura no sentido mais vasto do termo, incapaz de cruzar a informação e ter opinião sustentada, quando perde o sentido crítico, baixa os ombros e curva a cerviz demonstrando, através do voto, incapacidade para colocar em sentido os vários poderes, sejam eles quais forem, parece-me óbvio que tudo se transforma num pântano onde, paulatinamente, vão despontando e se reproduzindo pintores secundários, os seguidores sem história e memória. Como se isso não bastasse, a enxurrada do tempo acabou também por levar muitos homens e mulheres, outrora figuras genuínas na luta de importantíssimas causas, à conversão ao eucaliptal, ao mundo dos silêncios que secam o pensamento e trazem no seu bojo o tal conformismo. Capitularam e tornaram-se funcionários rendidos à liturgia do "Menino da Lágrima". 

Um distinto Amigo, já falecido, um dia, numa daquelas noites onde as palavras escorriam ao sabor dos pensamentos, disse-me com um tom de humor corrosivo que o caracterizava: "se o Al Capone regressasse, a primeira pergunta que faria talvez fosse esta: como conseguem fazer tanto sangue sem um único tiro?" E, mais adiante, complementou: o problema não está nos túneis das importantes obras concretizadas, mas nos túneis que fizeram na cabeça das pessoas". Adormeceram-nas, injectando elevadas doses de verdade única que pulverizaram o pensamento livre e assertivo.

Ora, distante dos horrores da guerra, entre outras, desse vergonhoso genocídio que um dia será severamente punido, presumo, apenas por mera imagem, eu diria que, por aqui, construíram, intencionalmente, muitas "faixas de Gaza". Não há tiros, mas silêncios comprados; não há destruição do património, mas há um claro aniquilamento da liberdade de cada um. Estão na "faixa" porque nunca o poder foi tão verticalizado e "docemente" autoritário. Diariamente, oleiam a máquina e apertam os parafusos que o tempo desgastou! E a máquina, embora velha, continua a triturar. Tempos houve que, apesar de condicionamentos vários, os partidos políticos de projecto conseguiam apresentar figuras de reconhecida idoneidade política e respeitabilidade social, pessoas livres sem réstia dessa tenebrosa palavra: medo. Hoje, escasseiam. Há partidos políticos que definham, vários foram arredados na Assembleia enquanto espaço de debate e proposta; a quase totalidade das freguesias é dominada por uma única fonte de pensamento; os municípios, idem; as casas do povo e o associativismo em geral capturado; a escola, enquanto espaço de aprendizagem para a vida democrática, científica e profissional, a escola que devia respeitar sonhos e talentos, está enredada na burocracia que prende e esmaga, numa asfixiante e cinzenta hierarquia sem rasgo que sobrevive de expedientes e da subtil perseguição; a galinha dos ovos de ouro está em dramática convulsão apesar dos títulos de destino de excelência... dizem que conquistados. Tudo isto, enfim, entrou naquilo que designo por uma normal anormalidade. Tudo se aceita, tudo é tolerado e tudo se verga à "torre de marfim". 

De facto, não é aceitável que o regime democrático assim funcione. Há razões substantivas, de raiz histórica, que explicam  o percurso de cinquenta anos de paciente apresamento da consciência colectiva. E o perverso objectivo, pacientemente, foi conseguido. Resta saber, como sair desta sofisticadíssima e condicionadora engrenagem que não se compagina nem com a liberdade, nem com o crescimento, nem com o desenvolvimento sustentável, tampouco com a Democracia. Uma sociedade aprisionada é uma sociedade morta.

Ilustração: Google Imagens