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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

"A FAVOR DOS EXAMES BASTA O SENSO COMUM E A IGNORÂNCIA" - ANA BENAVENTE


Por: Daniel Lousada
"Ouço Medina Carreira (1) chegado à educação por influência, talvez, das conversas com Nuno Crato [ex-ministro da educação], no tempo do “Plano inclinado da TVI24”, a defender do alto da sua sabedoria os exames, e dou por mim a citar Ana Benavente: “A favor dos exames basta o senso comum e a ignorância”. (2) “Uma dona de casa sabe – diz Medina Carreira – que a criança espontaneamente não vai trabalhar, não vai estudar. E se não vai estudar não vai aprender. E para que haja «pretexto» [a indicação das aspas é dele] para que a pessoa estude, há um exame”! [a exclamação é minha]. Não sou “dona de casa”. Não sabia que, tratando-se de estudo ou de trabalho, a espontaneidade não existe na criança! − azar meu. Mas sei que há duas coisas que podem levar uma criança a estudar: a curiosidade que lhe é inata e a leva, espontaneamente [Ah! afinal consegue ser espontânea], a procurar saber “o que é”, “porque é”... e por aí adiante; ou a promessa de um prémio ou castigo, a única forma de levá-la a estudar, contrariada, coisas que considera aborrecidas. E sei ainda que, se não vier a gostar do objecto que considera aborrecido e no qual não vê qualquer utilidade, dificilmente este virará assunto de que venha a saber o bastante. 


É por isso que António Nóvoa, parafraseando Alain, (3) diz que os “melhores professores são aqueles que conseguem que, no fim, o aluno goste daquilo que, no princípio, não gostava nada”. Um aluno até pode estudar apenas porque há exames, a fugir do castigo ou atrás da recompensa,(4) mas se não encontrar um sentido maior no decurso do trabalho de aprendizagem, esquecerá tudo na primeira oportunidade.
Eu domino um determinado conhecimento a partir do momento em que consigo demonstrar a mim mesmo e aos outros que domino, através dos usos que faço dele, falando e escrevendo sobre ele. A avaliação dos alunos, colocada nestes termos, é apenas e tão só a verificação de um facto: o aluno sabe [e ele e os outros sabem que sabe] ou não sabe. É claro que os testes [tipo de provas com que se fazem os exames] podem ser úteis para ajudar verificar este facto [para ajudar, insisto]. E podem igualmente ser úteis no desenvolvimento de competências que necessitam de treino para serem dominadas – como é que um aluno aprende a dominar o algoritmo da multiplicação? Treinando, testando a sua habilidade. (5) Mas se eu juntar estes testes a outros testes num exame, para saber quem responde acertadamente a mais perguntas num determinado espaço de tempo, não é saber, se o aluno sabe ou não, que eu quero: quero é saber quem consegue fazer melhor o percurso, nas condições que eu imponho! Colocado desta o forma, o exame assemelha-se a um concurso onde o “rigor”, expresso em pontos, se mede com o cronómetro na mão. E qual é o mal? Nenhum. As crianças até gostam de concursos. Gostam de comparar, com colegas e amigos, algumas das suas habilidades. Aliás, os professores das “classes” dos mais pequenos tiram partido do gosto que as crianças têm por estes jogos, e ensinam-nas a jogá-los, a superar os seus limites, colocando-lhes desafios. Mas ver quem consegue dar rapidamente a resposta ou chegar ao resultado mais depressa, não é o mesmo que querer saber se sabem ou não sabem, para ajudá-las a superar as dificuldades que, eventualmente, sintam.
António Nóvoa, em entrevista concedida a “Carta Educação” [www.cartaeducacao.com.br] defende que as avaliações padronizadas, aplicadas para que os conhecimentos entre estudantes, ou os resultados das escolas, ou países, possam ser comparados, “são instrumentos muito pobres que pouco dizem sobre a vida escolar e o trabalho dos alunos. Mas não os podemos ignorar, por duas razões. Primeira, porque apesar da sua pobreza, têm uma grande visibilidade e podem ajudar a desencadear uma reflexão útil. Segunda, porque influenciam profundamente a maneira como a sociedade e os próprios alunos, vêem a escola e os professores, o que é importante para a criação de um melhor ambiente educativo”. Contudo, desencadear uma reflexão útil e promover um melhor ambiente educativo, não significa promover a separação de uns quantos, quando não é útil fazê-lo.
Os primeiros anos de escolaridade correspondem a uma fase muito exigente – é verdade! E decisiva, também, para o êxito das aprendizagens futuras. Daqui o rigor que deve acompanhar o ensino nesta fase [acompanhar o ensino – insisto], só possível com uma avaliação que se aproxime o mais possível do retrato das aprendizagens dos alunos. Quer dizer, avaliação serve a aprendizagem e o ensino; quando não, apenas serve para fazer comparações ao serviço de falsos conceitos de exigência. À avaliação basta-lhe ser o que é: verificação de factos, como ficou dito atrás. E quando se ouve falar de rigor, igualdade, justiça... [tudo termos que o senso comum gosta de associar aos exames e seus instrumentos de medida!], o mais certo é porque alguém quer saber quem está na frente e merece chegar aos lugares que dão direito a taças e medalhas! A exigência de rigor, do ponto de vista do exame de avaliação, não é determinada pela necessidade de saber o que o aluno sabe, mas pela necessidade de impor barreiras. E eu só encontro uma situação em que este tipo de avaliação pode ser útil: quando é preciso seleccionar [porque as vagas naquela faculdade não dão para todos e é preciso fazer escolhas] e não temos outro instrumento para fazê-lo com critérios mínimos de justiça. (6) Ora, nada disto é necessário com as crianças mais novas. E seleccionar ou excluir não serve a sua educação, bem pelo contrário. Não coloquemos barreiras num tempo em que o que importa é abrir horizontes.
Sabemos que é nestas idades que as crianças estão mais despertas para aprender. Só temos, então, que aproveitar essa disponibilidade para fazê-las crescer, não contaminando o seu trabalho de aprendizagem com repelentes, como penalizar os seus erros com “avaliações” de que nada aproveitam [apenas ensinam que errar é errado e o melhor é não arriscar], em vez de aproveitar os seus erros para fazê-las avançar no conhecimento. “Imagine-se uma mãe a sujeitar o seu filho a um exame de linguagem, que castigasse as suas dificuldades de pronúncia... Com medo de arriscar, que criança aprenderia a falar?”(7)
Não sou dos que embarcam no argumento de que as crianças stressam com exames. “Os miúdos de hoje, salvo algumas exceções que confirmam a regra, não stressam com estas coisas. Mas stressam os seus professores, qual treinador que se sente responsável pelos ‘desaires’ da sua equipa. Vai daí, corre o risco de se comportar como tal: vai atrás de saber como joga a equipa contrária (informa-se sobre a história das perguntas de exame) para treinar os seus jogadores (alunos) a marcar e a fugir das marcações (a responder à letra). Ensina a jogar, é certo, mas ensina a jogar daquela forma que o adversário lhe impõe que jogue. Ensina a responder a perguntas mas, pressionado pelos ‘resultados’, relega para segundo plano o desenvolvimento da capacidade de fazê-las”, (7) e com as quais desenvolve o seu sentido crítico e espírito inventivo. Sejamos exigentes, não neste ou aquele saber, mas na apresentação da criança ao mundo, iniciando-a no que o mundo tem para lhe oferecer: na pintura, na música, nas ciências, nas artes dramáticas, na leitura e na escrita por prazer. Sejamos exigentes sim, mas não condicionemos a aprendizagem das crianças com perguntas de exame, que dizem muito pouco do aluno e do trabalho da escola, num tempo em que o que mais importa é não deixar morrer o prazer de aprender. Mas isto, como defende Ana Benavente, exige-nos que pensemos um outro tipo de escola, e que tardamos em pensar.
NOTAS:
1. Programa “Olhos nos olhos” de 19.01.2016, da TVI24, so- bre “Avaliações no ensino bá- sico”, com a presença do ex- ministro da educação e presi- dente do CNE, David JUSTINO.
2. in “Exames para que te quero” [www.Publico.pt] Estou ten- tado em defender que o senso comum anda ao arrepio da opinião pública [hoje tenden- cialmente a única publicada] e vice-versa.
3. Diz ALAIN que “difícil é conduzir os homens a agradarem-se no fim com aquilo que no princípio não lhes agradava nada” [citado por António NÓVOA em “Pedagogia: a terceira margem do rio”. CNE 2010
4. Será este o efeito mobilizador dos exames, de que fala o ex- ministro da educação, e presidente do CNE, David JUSTINO, no debate com Medina CARREIRA?
5. Neste caso, estes testes não são apresentados apenas como testes: testam a nossa habilidade neste ou naquele tipo de conhecimento, ao mesmo tempo que nos ensinam, pelo treino, a dominá-lo.
7. Daniel LOUSADA, “Exame da 4a Classe: evitar um debate armadilhado”. https://sites.google.com/site/agoragaia/opiniao-artigos/sobre-a-escola-da-nossa-saudade 2 www.agoragaia.blogspot.pt

Artigo de opinião publicado por Daniel Lousada no blogue "agoragaia", aqui transcrito pela importância da sua reflexão.

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