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segunda-feira, 31 de março de 2008

MADEIRA: Desporto às Avessas


… não constitui vocação de um governo, ainda para mais de uma região ultraperiférica, limitada e assimétrica em múltiplos aspectos, económicos, sociais e culturais, desenvolver projectos que visem, prioritariamente, a sua representatividade externa, deixando a população, como os estudos indicam, distante de um bem educativo e cultural.

Ouço e leio, de quando em vez, discursos laudatórios à política desportiva do Dr. Alberto João Jardim. Do acompanhamento e análise da situação que há longos anos faço, eu diria quanto infundadas são tais manifestações de exaltação política. É que, passados trinta anos, o desfecho tinge-se de cor negra. Da complexidade da teia construída não é fácil dissecá-la. Alguns números, porém, satisfarão a eventual curiosidade do leitor:

1. Aplicações orçamentais no desporto nos últimos sete anos (euros):

2001 – 21.887.292,00
2002 – 21.890.008,00
2003 – 24.145.144,00
2004 – 39.939.234,00
2005 – 22.856.491,00
2006 – 27.752.244,00
2007 - 34.321.971,00 Total: € 202.792.384,00

2. Taxa de participação desportiva:

Segundo os dados do último estudo, 77% da população com idades compreendidas entre 16 e os 74 anos de idade, não têm qualquer tipo de actividade física. E mesmo os 23% que dizem desenvolver alguma prática física ou desportiva, pelo menos 8% não são regulares.

3. Participação desportiva na relação entre o sistema educativo e desportivo:

O Sistema Educativo, onde o Desporto Escolar se inclui, movimenta cerca de 3.500 alunos, o que significa cerca de 7,9% da população escolar. No ano lectivo anterior estiveram matriculados 43.823 alunos de todos os graus de ensino diurnos, à excepção do pré-escolar e creches. No Sistema Desportivo, concretamente no Desporto Federado, na época de 2005-06, registou-se a participação de 16.546 praticantes nas categorias análogas ao desporto escolar. Isto significa que onde era imprescindível ter muitos praticantes a Região tem poucos e onde deveriam existir poucos, porque o federado é sobretudo qualidade, regista muitos.

4. Desporto federado – relação entre sexos:

Dos 16.546 registados, 71,14% são masculinos e 28,86% são femininos. Acresce uma outra curiosidade: no federado, enquanto prática qualitativa, 32,5% pertencem à categoria dos seniores e 33,64% ao conjunto das categorias de iniciados, juvenis e juniores. Isto é, há quase mais seniores que o somatório das três categorias anteriores que são de formação de praticantes.

5. Financiamento:

Curiosa, também, a relação existente entre o Sistema Educativo e o Sistema Desportivo. Em 2006 foram atribuídos, fundamentalmente para benefício directo do sistema desportivo, 27,7 milhões de euros; à prática desportiva regular das escolas pouco mais de 500 mil euros.

6. Representação da Madeira nos quadros competitivos nacionais:

Para competir ao mais alto nível o associativismo desportivo da Região necessitou, em 2005/06, de contratualizar 266 atletas continentais e estrangeiros.

Face aos números que caracterizam a situação, obviamente nos aspectos mais relevantes, deduz-se que a Madeira tem um desporto às avessas. Trata-se de um desporto ao serviço da política e não de um desporto ao serviço da educação e do desenvolvimento. Tanto assim é que em 2005/06 o governo da região assegurou 1.493 representações individuais e colectivas nos planos nacional e internacional, o que significa cerca de 150 participações mensais, valor este a multiplicar pelo número de atletas que cada representação contempla.
Ora, o que hoje se exige é, portanto, uma profunda reflexão política sobre o financiamento da prática desportiva, desde logo se se justifica um leque de 54 modalidades dependentes do erário público bem como de 170 clubes e associações subsidiodependentes distribuídos por 54 freguesias. Numa Região, acrescento, cujo orçamento não tem capacidade de resposta relativamente a outras prioridades sociais e culturais. Apenas um exemplo: a Madeira, numa população de 245.011 habitantes, regista, oficialmente, 50.000 pobres e uma taxa de analfabetismo de 12,7% (2001).
Impõe-se, assim, a necessidade de operar uma rotura na mentalidade imposta pelos sucessivos governos da responsabilidade do Dr. Jardim. Desde logo porque à Região Autónoma da Madeira compete criar as condições para a execução de uma política de generalização, crescimento e desenvolvimento da actividade física e desportiva. Não lhe compete, pois não constitui vocação de um governo, ainda para mais de uma região ultraperiférica, limitada em múltiplos aspectos, económicos, sociais e culturais, pobre e assimétrica, desenvolver projectos que visem, prioritariamente, a sua representatividade externa, deixando, como os estudos indicam, a população distante de um precioso e imprescindível bem educativo e cultural. Trinta anos depois!
Opinião publicada no Jornal A Página da Educação. 2006/07.
Este e outros artigos em http://www.apagina.pt/

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