Li e lembrei-me dos tempos da guerra colonial, na Guiné, daqueles tempos de Guiléje, do célebre "corredor de Guiléje", ali mesmo junto à fronteira com a Guiné Conacry. Quando éramos atacados, nas cercanias do arame, despejávamos fogo, muitas peças de artilharia, porque a superioridade de fogo tentava esmorecer aqueles que eram tidos por "inimigos", ao mesmo tempo que a superioridade estridente, tendencialmente, atenuava a nossa própria tensão. Esta realidade que vivi cola-se ao discurso político do senhor deputado Dr. Carlos Rodrigues (PSD), figura que não tinha nascido aquando do auge da guerra e apenas dois aninhos à data do 25 de Abril. Certo é que, ao longo de muitos anos, ouvi discursos absolutamente descabelados, porém, este, está entre os mais grosseiros e grotescos de um passado de 42 anos de Autonomia.
Foto ASPRESS/DN-Madeira |
O senhor deputado, depois de uma despropositada citação de António de Oliveira Salazar, dirigiu-se ao Primeiro-Ministro e a Carlos César líder parlamentar do PS na Assembleia da República.
Do Dr. António Costa falou de "oportunismo e desfaçatez (...) que a sua verdadeira natureza é ardilosa, manipuladora, conspirativa, manhosa e matreira (...) é a personificação da esperteza fugaz e saloia que glorifica o embuste e a artimanha como formas de vida e de acção (...) um usurpador inveterado, um oportunista sem paralelo (...) é um divisionista, segregacionista, com um discurso perigoso (...) recorrendo a mentiras, falsidades, manipulações e aleivosias. É a perfídia em todo o seu esplendor (...) é grosseiro, presunçoso e ainda vem exigir que nos retratemos pela mais do que acertada reacção à sua desengonçada e trôpega atitude. (...) é o descaramento descontrolado, a desfaçatez despudorada e o cinismo desavergonhado (...) é um verdadeiro prestidigitador, um mágico de feira popular". (...) E teve, nesta investida, a colaboração do seu sátrapa de estimação. O mais notável alpinista social e político da história democrática portuguesa. O seu líder parlamentar, Carlos César. (...) Madeirenses e açorianos sabem muito bem qual o tratamento correcto a aplicar a traidores desbocados e sem princípio. (...) Foram quase 600 anos de extorsão contínua, de exploração intensiva, em que a Região Autónoma da Madeira foi, sistematicamente, espoliada e saqueada pela metrópole insensível que jamais demonstrou qualquer tipo de consideração pela grave situação e pelas miseráveis condições de vida dos madeirenses (...). Os senhores devem-nos não um pedido de desculpas, mas um abandono imediato e definitivo da vida pública, pelo menos no que à Madeira diz respeito".
Alguns colegas de bancada esboçaram sorrisos à medida que o fogo saía, outros, pelas imagens, estou certo, sentiram-se politicamente envergonhados. E se esta é a minha convicção, não estarei longe que milhares de madeirenses e porto-santenses não assinam por baixo intervenções desta natureza. Simplesmente porque no exercício da política não vale tudo. Li e guardei um texto de Eugénio Guerreiro (imaginem, do Jornal de Angola) que se questionava: "Será mesmo que não há limites para a acção política e o discurso dos nossos actores políticos? E que limites são estes para além do que é apregoado pela Lei? A Ética, certamente. A História também". Nem mais. Necessário se torna conhecer a História, assumir um comportamento ético e demonstrar elevação, eu diria EDUCAÇÃO. Porque, por maiores e mais sustentáveis que sejam as razões que assistam a um dos lados, o político tudo perde quando entra pela via da língua suja, da ofensa, do metralhar de palavras acintosas, intencionalmente procuradas no dicionário vilipendiador.
Sinceramente, não sei o que alguns pretendem com aquele tipo de provocação. Inclino-me para uma leitura enquadrada em um certo desespero político, onde, perdidos a remos e a velas, a língua afiada dos velhos tempos tende para pior, exactamente, como na guerra, na tentativa de uma superioridade de fogo que atenue a tensão. Só pode ser isto. E no meio dos "morteiros" que, certamente, passam por cima de S. Bento ou rebentam por perto do soldado de artilharia, quem sofre é a toda a Região. Não por represálias, porque acima do governo da República estão outros Órgãos de Soberania para além do escrutínio diário da comunicação social, mas porque não ajudam na negociação de dossiês que ultrapassam a esfera de competências dos órgãos de governo próprio da Madeira. Aquele tipo de discurso foi um chão que deu uvas (se alguma vez deu!), ou, melhor dizendo, de tanto repetido, muitos sabem o que gasta a dita casa. Uma casa que, muitas vezes desprestigia a Democracia, e que não se dá ao respeito, daí que, questione, poderá merecer um olhar de aceitação? Quanto muito de comiseração.
Escreveu Alexandre Cristo, Observador: "A qualidade de uma democracia republicana mede-se, entre outras vias, pelo comportamento dos seus representantes, tanto governantes como parlamentares. Isto porque os nossos regimes liberais não são apenas compostos de regras, leis, instituições, freios e contrapesos. O cumprimento da lei não chega – de nada servem as regras e as instituições se umas não forem cumpridas e outras não forem respeitadas, mesmo quando assim a lei o permite. Os regimes liberais distinguem-se, para além da forma de governo, pela sua dimensão moral. Estão suportados em pilares éticos e são mantidos por quem acredita nos valores da liberdade, igualdade, justiça, dignidade humana, diversidade, tolerância. E, como tal, a credibilidade de um sistema político perante os cidadãos assenta, também, no reconhecimento do respeito por esses valores por parte dos seus representantes – e não, somente, no cumprimento da lei e das regras, pois algo ser legal não significa que seja ético".
Por aqui fico.
Ilustração: Google Imagens.
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