por estatuadesal
Vicente Jorge Silva, in Público,
24/06/2018)
A Europa está cada vez mais dividida, por motivos vários e até nas páginas do mesmo jornal. Ontem, as páginas de Economia do PÚBLICO abriam com a reforma do euro (que "já não é só uma miragem mas ainda está longe") e as do Mundo com um novo episódio da crise migratória ("Há mais um barco com refugiados a testar a solidariedade europeia"). Ora, os dois temas, apesar das suas diferenças óbvias, são hoje politicamente inseparáveis.
O ensaio teatral da reforma da zona euro, com Merkel a seguir timidamente os passos de Macron – e mesmo assim provocando logo a reacção negativa de 12 países, comandados pela super-ortodoxa Holanda –, surge como uma tentativa de resposta e fuga do eixo franco-alemão a essa crise migratória, explorada de forma cada vez mais histérica pelos populismos em expansão através do continente (e agora encabeçados pela Itália). Merkel pretendia, desse modo, desviar as atenções do dossier mais explosivo e evitar o choque frontal com o seu ministro do Interior, refém dos cantos de sereia populistas, precipitando a queda do actual Governo alemão. Já Macron ter-se-á focado em demasia na reforma do euro, como notava Cécile Ducourtieux no Le Monde, enquanto a urgência está hoje na crise migratória. A verdade é que nem Macron nem Merkel têm respostas efectivas para essa crise e ambos cultivam uma estratégia de dissimulação, tentando esconder a migração com o euro (e mesmo assim lá estão a Holanda e os outros onze a resistir à reforma).
Pouco importa que os populistas dos diferentes quadrantes possam ter interesses nacionais contraditórios sobre a gestão da crise migratória, desde que os fantasmas por eles agitados sejam os mesmos. A irracionalidade não tem fronteiras, como vemos com o agravamento imparável da bestialidade de Trump face ao acolhimento das famílias de imigrantes (ele pode contradizer-se radicalmente entre dois tweets, como aconteceu agora mesmo sobre a Coreia do Norte, sem que a sua base de apoio fique minimamente incomodada, antes pelo contrário: quanto mais doido, melhor).
A guerra dos mundos está declarada entre a civilização e a barbárie, enquanto a Europa corre o risco de caminhar rumo à sua desintegração (económica mas sobretudo cultural), por mais persistente e genuíno que seja o voluntarismo europeísta que queiramos opor aos cépticos, derrotistas e populistas.
Ora, uma das razões fundamentais dessa desintegração reside, precisamente, numa dupla incapacidade: a de a Europa integrar os imigrantes e a de os imigrantes se integrarem na Europa (sobretudo depois da fractura provocada pelo islamismo radical e pelo terrorismo que aí obtiveram, por trágica ironia, uma grande vitória estratégica).
Por mais que se argumente a favor da hospitalidade com que deveríamos acolher os refugiados e imigrantes, nenhuma das fórmulas de integração propostas até hoje parece já funcionar, enquanto crescem os fenómenos de rejeição dos que procuram na Europa um novo horizonte para as suas vidas.
Atingimos uma linha vermelha face à qual não existem soluções satisfatórias, pelo menos enquanto a Europa permanecer dividida entre os que se fecham cada vez mais no interior das suas fronteiras nacionais e culturais e os que, em número cada vez mais reduzido, se mostram solidários com os protagonistas das tragédias humanitárias no Mediterrâneo.
Por outras palavras, este é o ponto nevrálgico da sobrevivência da Europa e para o qual nem Macron, nem Merkel nem nenhum outro líder (ou Governo ou instituição) estão hoje em condições de fornecer, para além de uma visão idealista e generosa, uma resposta pragmática consistente.
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