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terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Chicão: a retórica “sexy” do “carro vassoura da mudança


Por
Daniel Oliveira, 
in Expresso Diário, 
27/01/2020

A melhor forma de saber quem é Francisco Rodrigues dos Santos é ouvir o que dizia antes de ser candidato à liderança do CDS. E não é preciso recuar muito. Apesar de ser evidente que já era essa a sua ambição, ainda há um ano garantia que não estava no seu horizonte próximo o que aconteceu este domingo. Dizia que não tinha pressa. Entrevistei-o para o meu podcast há cerca de um ano. Tenho de dizer que ia com boas referências e fiquei surpreendido. Encontrei um gerador automático de citações, que pode impressionar pessoas com poucas leituras mas não revelou um conservador sólido. O problema não é ser demasiado jovem. Paulo Portas também o era. É ser demasiado jovem e estar muitíssimo longe de ser Paulo Portas.

 
Francisco Rodrigues dos Santos é aquele tipo de políticos que é muito eficaz a falar para dentro da sua própria bolha. Sempre que vocifera contra a direita “apaixonada pela esquerda” anima a cultura tribal e gregária da militância, dando uma ilusão de força que dificilmente funciona para fora. Nem mesmo neste tempo em que cavar trincheiras parece ser a única forma que sobra de fazer política. A enorme vaia a António Pires de Lima, comum em partidos que se enfiam na sua autossuficiência, é o retrato daquilo de que se alimenta o jovem e impreparado Chicão. Cultura que ele alimenta, mesmo que por uns tempos vá fazer a rábula da união de um partido que se adapta sempre aos seus líderes.
Mas a grande acusação que Francisco Rodrigues dos Santos tem a fazer ao seu próprio campo político é a de se ter transformado no “carro vassoura da mudança”. Para lá da retórica e do permanente apelo ao sectarismo identitário, o que fará Chicão para que isso deixe de acontecer? Baseio-me na entrevista que lhe fiz e que, recordo, tem apenas um ano.

Na economia, apesar de ensaiar uma música contra o neoliberalismo, defende o que o CDS sempre defendeu. Com exceção da defesa do Salário Mínimo Nacional, no que diverge de uma posição pontual da Juventude Popular que nunca foi acompanhada pelo partido, é defensor de leis laborais mais flexíveis, da entrada do ensino privado na rede pública que garante o ensino gratuito e até vê com bons olhos uma taxa plana de IRS que baixe radicalmente os impostos para os mais ricos, o que nunca poderia deixar de ter um efeito no Estado Social. Nesta matéria, nada o distingue das posições políticas dos seus adversário internos e do resto da direita. É até mais liberal do que Assunção Cristas e não menos do que Adolfo Mesquita Nunes.

Quando se chega à Europa, Francisco Rodrigues dos Santos volta ao mesmo artifício. A sua retórica é crítica do federalismo, sempre carregada de cores fortes e muitos adjetivos barrocos. Mas quando se vai ao concreto, define-se como uma terceira via entre o federalismo de Lucas Pires e o euroceticismo de Manuel Monteiro. Bem espremido, a posição exata do CDS de há muito tempo.
Chegado à ética política, é forte a falar do clientelismo. Mas, quando confrontado com o cadastro do seu partido, defende-o. Nem o caso da nomeação de Celeste Cardona para a Caixa Geral de Depósitos, totalmente deslocada para o seu currículo, foi capaz de criticar. Os grandes é que pecaram e os militantes do CDS colocados em lugares do Estado distinguiram-se pelo mérito. Nada de novo, portanto. Clientelismo mau é o dos outros.
Mas o mais importante é mesmo aquilo a que chamamos costumes. Até porque Francisco Rodrigues dos Santos recusa que o que separa a esquerda e a direita se resuma à “balança que mede o peso do Estado na economia, a mais ou menos impostos ou meramente numa folha de excel”. Quando olhamos para o embrulho ficamos assustados. As expressões que usa são fortes. A começar na utilização do termo “ideologia de género”, popularizado pelos sectores ultraconservadores e de extrema-direita e que, na entrevista que lhe fiz, percebi que ele julgava ser uma autodefinição da própria esquerda.

Não se entusiasmem, no entanto, os ultraconservadores. Mais uma vez, Chicão compra o verbo, não o ato. É contra o aborto mas não tem qualquer intenção de mudar a lei que o despenalizou. Porque é um conservador e as coisas estão bem como estão. É contra a instituição legal do casamento entre pessoas do mesmo sexo mas não pretende alterar uma vírgula na lei vigente. E até defende a descriminalização do consumo de droga, a que o CDS se opôs.

Tirando esta exceção, Francisco Rodrigues dos Santos é muito firme na condenação do que se fez mas totalmente demissionário na possibilidade de o desfazer. Sobretudo nas questões de costumes, que aparentemente o diferenciariam das correntes mais liberais do partido (na economia são totalmente confluentes). Discorda de Adolfo Mesquita Nunes em muitas coisas mas, aparentemente, isso não terá qualquer consequência prática, porque não vale a pena tocar no que já mudou. Está resolvido, disse. O que quer dizer que a expressão “carro vassoura da mudança” lhe assenta como uma luva. Mais a ele do que a outros: pelo menos os liberais do CDS concordam com aquilo que não querem mudar e querem mudar aquilo de que discordam.

“Não seremos políticos que aparentam uma grande firmeza nas suas palavras e revelam uma imensa fraqueza quando têm de enfrentar as consequências dessas mesmas palavras”, disse o novo líder do CDS no seu discurso de Aveiro. Foi isso mesmo que encontrei na entrevista que lhe fiz. Da crítica à moleza dos seus opositores internos, tudo se lhe aplica. Sobra a retórica que os congressistas terão achado “sexy". E até o discurso conservador meteu na gaveta quando sentiu que isso lhe poderia retirar votos no congresso.

E porque é assim o novo líder do CDS? Porque Chicão é daqueles políticos que prefere apanhar o ar que se respira em cada tempo em vez de ser ele a definir esse tempo. E o ar do tempo, na direita, faz-se de uma retórica cada vez mais forçadamente radicalizada para travar uma extrema-direita que assim se vê legitimada. Mas o novo líder do CDS, apesar dos tons contrastantes do seu discurso, não tem um rumo estratégico para o CDS. Apenas aproveitou uma profunda crise do partido, repetiu as frases da moda no seu campo político e nem sabe ao certo como ser consequente com elas. O discurso conservador de Chicão é como o discurso revolucionário do PCP: não vale nada para além da estética. Como se percebeu no seu discurso inaugural, o vazio de novidades programáticas para o país é preenchido por chavões e decibéis que simulem uma mudança gritada.
O extremismo retórico de Chicão tem, no entanto, consequências. A facilidade com que abre a porta à proximidade a fenómenos como Bolsonaro, tratando-o como “desbocado” mas “desempoeirado” (ouvir mesma entrevista), e a dificuldade que tem de se distanciar de figuras como Salvini, denuncia até onde pode ir o seu oportunismo político. O objetivo é óbvio: vir a combater o crescimento político do Chega. Chicão partilha com Ventura algum radicalismo discursivo, com diferenças que não desprezo. Mas, acima de tudo, partilha uma enorme facilidade em radicalizar o discurso muito para além das suas convicções profundas, como fica evidente quando se tenta espremer qualquer consequência das suas posições. Só que tem, sobre o seu novo concorrente, uma enorme dificuldade: carrega um partido com contradições e uma história que o impedem de ser consequente. É verdade que o CDS é plástico. Tende a moldar-se às novas lideranças e isso explica a forma como é ciclicamente abandonado por camadas de pessoal político. Mas, ainda assim, há uma tradição que dá ao CDS um peso que não lhe permitirá ser um Chega soft.
Mal sai do discurso sem contraditório para animar uma sala de indefetíveis, Chicão é uma imitação frágil do que já existe, cheia de adversativas confusas e posições de princípio inconsequentes, que não servirão para travar nada. Quanto muito, servem para segurar o pouquíssimo que resta ao CDS e que esteve neste congresso, totalmente alheado do resto do país. Serve para o CDS se acantonar numa identidade que nunca foi a sua. De resto, sobra a personalidade de um líder sem currículo, sem consistência e sem palco no Parlamento. E com uma direção que junta o refugo não utilizado por Portas, o regresso dos mortos vivos de Monteiro e as viúvas de Ribeiro e Castro. Tudo em versão estagiária.
A sua eleição revela um CDS impressionável com jogos pirotécnicos, abandonado por aqueles que lhe davam massa crítica e desesperadamente à procura de um buraco onde se sinta confortavelmente pequeno. Um buraco que, ainda por cima, já está ocupado.

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