Por
Daniel Oliveira,
in Expresso,
04/01/2020
Augusto Santos Silva disse que a gestão em Portugal é “fraquíssima”. Todos os estudos o demonstram. Temos os gestores com menor formação da Europa (mais de metade não têm o ensino secundário) e o hábito de colocar os “primos” no Estado resulta de uma cultura nacional, fortemente presente no sector privado, e não de uma idiossincrasia da gestão pública.
Arriscar-me-ia a dizer que a qualidade média dos gestores evoluiu menos do que a qualidade média dos trabalhadores. E também isso ajuda a explicar porque é que as nossas empresas não conseguem absorver o brutal investimento público feito em formação.
O problema é que a afirmação do ministro ignora o contexto. E o contexto é uma realidade económica e monetária que desincentiva as exportações, uma estrutura empresarial composta por pequenas empresas sem massa crítica e gestão realmente profissionalizada e um pequeno grupo de grandes empresas concentrado na prestação de serviços pouco qualificados e protegidos da concorrência. Sobram umas ilhas de excelência que nos dão alguma esperança mas não chegam para contrariar esta realidade. Porque não são os gestores que definem a realidade que temos, é a realidade que molda os gestores que temos. Não é por acaso que os “empreendedores” que merecerem maior admiração mediática são distribuidores e importadores de bens alimentares, administradores de bancos falidos e CEO de empresas em regime de semimonopólio. E, no entanto, os gestores das empresas do PSI-20 ganham 52 vezes mais do que os seus trabalhadores. Em 2014 era só 33 vezes mais, mas a recuperação económica chegou aos gestores sem passar pelos “colaboradores”. Os mesmos que exigem contrapartidas para o aumento de um salário mínimo indigno. Os mesmos que desconhecem qualquer cultura de concertação social — não me esqueço de uma conversa que tive com um importante empresário que se orgulhava de nunca ter falado com um sindicalista. O episódio da funcionária do Pingo Doce da Bela Vista, obrigada a urinar na caixa porque não a deixaram ir à casa de banho, ainda é um lamentável retrato do nosso atraso. Mas, mais uma vez, relações laborais primitivas são um retrato de uma economia pouco qualificada. E se o futuro está no turismo de massas isto não mudará.
O problema da afirmação de Santos Silva é a habitual facilidade em tratar atrasos estruturais do país, com causas complexas e responsabilidades dispersas, como falhas de um grupo específico. Mas não é nada que não tenha sido feito em sentido inverso. Quando Belmiro de Azevedo disse que “o problema é que os atores políticos têm que ser de uma qualidade diferente da média atual” ou Alexandre Soares dos Santos acusou “todos” os políticos de só estarem “a pensar nas eleições” ninguém se indignou por estarem a denegrir injustamente os políticos. O que eles disseram é tão verdade e tão redutor como o que foi dito por Santos Silva. Porque em vez de se concentrarem nas debilidades sociais, económicas e políticas do país preferiram falar de um grupo específico. Num caso, causou polémica e acabou em pedidos de desculpa, no outro foram aplaudidos pelo desassombro. E já nem falo de todas as vezes que se sublinha, sem qualquer sobressalto, a falta de qualificação dos trabalhadores. Ao que parece, os gestores são as novas vacas sagradas.
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