Para certos "humanos" pouco valor tem a vida dos outros. Arrepia e dói, bem por dentro, a ausência de sinais de humanidade. O valor da vida diz-lhes muito pouco a avaliar pelas declarações que produzem. Ainda ontem escutei aquilo que não pensava ser possível. Em um sinal de revolta interior, levantei-me e refugiei-me em uma leitura que não tinha acabado. Com um ar pretensamente sereno, Trump, aquele que desvalorizou a epidemia, ao nível de um frustrado capitão de nome Bolsonaro, assumiu que se o número de mortos nos EUA for entre 100.000 e 200.000, tal significará que "nós, no geral, fizemos um trabalho muito bom". É o dólar a falar mais alto relativamente à vida.
Deveria penitenciar-se perante o seu povo pelo facto de ter desvalorizado a pandemia e assumir que, neste momento, tudo estaria a fazer para corrigir o erro primeiro. Lamentavelmente, não foi por aí. E estou a ser tolerante. Porque mesmo que o argumento tivesse sido o da ausência de informação atempada e adequada, o que àquele nível é indesculpável, se tivesse estatura moral, deveria ter renunciado ao mandato, fazendo o "mea culpa" face à tragédia. Mas, enfim... Trump poderia até estar convicto que esta seria mais uma "gripezinha", porém, em circunstância alguma, desvalorizá-la, por respeito à vida do povo que lidera. Comportou-se como um humanóide, bípede, com olhos, nariz e boca, não como um ser racional dotado de inteligência.
Esta arrepiante pandemia que nos consome, que nos atira para o isolamento e medo, que provoca o pensamento e a necessidade de tudo rever, que nos obriga a colocar em cima da mesa as razões mais substantivas da nossa colossal fragilidade, vale zero para essa espécie de "chefes" políticos, mistura de ignorância com arrogância.
Ele que deveria suscitar o debate sério e profundo sobre a falência da saúde nos Estados Unidos, reflectida no facto de "30 milhões de pessoas não possuírem seguro médico, e outros 40 milhões só terem acesso a planos deficientes, com a exigência de pagamentos complementares e seguros com custos de tal forma elevados que só podem ser utilizados em situações de extrema gravidade, de acordo com a Kaiser Family Foundation, uma organização dedicada a pesquisar questões de saúde pública", não, preferiu, com total desumanidade, olhar para morte de 100 ou 200 mil concidadãos como se se tratasse de 100 ou 200 dólares na sua recheada carteira de negócios! E há quem o aplauda.
E não é só ele. Um outro imbecil, Jair Bolsonaro, expulso do Exército, portador de um vergonhoso currículo, elevou os decibéis da sua monumental ignorância altifalante para dizer ao mundo que o brasileiro é resistente a infecções, já que "pula no esgoto e nada acontece". Nem percebeu que tal declaração constituía uma afronta à ciência em luta contra o tempo, como colocava a nu as graves assimetrias do seu próprio país! E há quem o aplauda.
Entretanto, porque o momento assusta, sigo as imagens que me entram de forma fria e cruel casa adentro, assisto ao desespero nos hospitais e nos espaços improvisados, a uma morte a cada trinta segundos, a milhares de caixões levados do palco de uma guerra global contra um inimigo invisível e assaltam-me, por isso, tantas perguntas sobre a complexidade das causas da gradativa situação autodestrutiva do Homem, sobre este Homem e a Natureza, sobre a desmedida correria pelo dinheiro, sobre a louca ambição do ter relativamente ao ser, sobre uma economia de sentido único, sobre uma Educação redutora que, intencionalmente, conduz a múltiplas iliteracias, sobre as doentias mentalidades imperialistas, sobre os dados da pobreza mundial em um planeta que oferece riqueza e, no meio de tudo isto, sobre a existência de poderes fabricados, onde os estadistas e os Seres Humanos bons (os verdadeiros líderes) são engolidos pelas máquinas políticas que colocam os medíocres na condução das sociedades.
Não sei se o Mundo mudará depois da pandemia. Tenho muitas e sérias dúvidas. Prevalecerá, certamente, a continuidade do mundo conhecido e esta vivência dramática que estamos a sentir, constituirá um mero episódio, venham ou não a morrer 100, 200, 500 ou mesmo um milhão de seres humanos. O vil metal continuará a dominar.
Ilustração: Google Imagens.
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