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sexta-feira, 18 de novembro de 2022

"Estudo sobre a pobreza avança este ano". Que pobreza política!

 

Trata-se de uma investigação, dizem, para "conhecer a fundo a realidade social da Região". Isto é espantoso! Dezoito meses para estudar o drama. Não é espantoso, pelo menos para mim é ininteligível, inexplicável e muito obscuro.



Desde o longínquo ano de 1976, há 46 anos, que a Região é, estatutariamente, Autónoma, com Estatuto próprio, Assembleia e governo próprios. Significa isto que ao longo de quase cinco décadas, existem secretarias regionais, direcções regionais e muitos, muitos mesmo, directores e chefes, directamente ligados aos assuntos sociais, e muitos outros, com responsabilidades indirectas, embora não menos importantes. 

Para além dos órgãos de governo próprio, juntam-se os das autarquias, as casas do povo, a própria Igreja Católica (e outras) com toda a sua rede de proximidade e de apoio claro e inequívoco junto dos mais vulneráveis, o Banco Alimentar, as diversas instituições que, discretamente, apoiam os das margens e, como se tudo isto não bastasse, ao longo de 46 anos, repito, foram sucessivamente produzidos e publicados indicadores estatísticos transversais. "(...) Em 2020, por exemplo, na Região Autónoma da Madeira, a taxa de risco de pobreza ou exclusão social foi de 32,9% (...)". Mesmo assim, ao que parece, não é conhecida a "realidade social da Região".

Eu sei que houve um tempo que a Madeira foi "apresentada como Região rica (consequência de um PIB irreal) e que, por isso mesmo, fez com que tivesse perdido o estatuto que a colocava em Região Objectivo 1, passando para Objectivo 2 e, por isso mesmo, tenha perdido, nesse tempo, 500 milhões de Euros". Em 2010 escrevi sobre este assunto. Eu sei que houve um tempo durante o qual foi negada a necessidade de instalação do Banco Alimentar. Eu sei que houve um tempo em que foi negado um apoio regional aos mais vulneráveis. Eu sei, também, que tudo se faz para esconder a miséria e as desigualdades que chocam e que o discurso político, sistematicamente, pinta de cores garridas aquilo que é tendencialmente negro. Vive-se muito das aparências, de uma comunicação social que não escarafuncha e, pior, de túneis intencionalmente construídos na cabeça das pessoas. Eu sei que o receio existe (ia dizer medo) e daí que, para muitos, o aforismo faz sentido: "mais vale um "euro" na mão que dois a voar". Enfim... o silêncio.

Perante este quadro, concluo, das duas uma: ou é gritante a ausência de consistente e permanente estudo e planeamento ao conjunto do tecido social, ou os pobres têm dado jeito. É lógico que se pergunte, como e com que critérios têm sido atribuídos os subsídios e todos os apoios previstos nos sucessivos Orçamentos de Estado. Certamente, presumo, que há estudos e critérios! Ou será que não existem?

Leiam, por favor, antes de mais, tudo quanto escreveu o Dr. Alfredo Bruto da Costa (1938-2016), doutorado com uma tese no domínio da pobreza, tendo sido, ainda, coordenador do estudo: "Um Olhar Sobre a Pobreza". Tive a oportunidade de escutá-lo em diversas ocasiões, uma delas, em 2010, aqui na Madeira. Escrevi sobre o seu testemunho:

"(...) "a causa da pobreza não está nos pobres", está nas mudanças sociais que são de natureza política. "Tudo o que seja combate à pobreza mantendo o padrão da desigualdade" não tem sentido, pois apenas mantém tranquila uma parte da consciência. Mais, ainda, a solução não está na CARIDADE. É uma palavra que não gosto. Respeito e muita consideração nutro pelas mais diversas instituições que combatem a pobreza, de dia e de noite, respeito o notável trabalho das paróquias que matam a fome e esbatem casos muito sérios de carências várias, mas entendo também que não é pela via da caridade que os problemas se resolvem. É pela via política, com deliberações que "ofereçam o peixe, mas também a cana", em simultâneo, como salientou o Professor Alfredo Bruto da Costa. A "caridade" deve ser o fim da linha, o ataque às margens, para quem mergulhou tão fundo que experimenta dificuldades em se erguer. A caridade não resolve, a prazo, problema algum, apenas se destina a esbater os erros dos políticos. O governo tem de se convencer que a "armadilha da pobreza é a armadilha das desigualdades" e, portanto, na esteira do que disse o Professor, não se pode cair no círculo vicioso de que "os pobres são pobres porque são pobres", antes "os pobres são pobres porque os ricos são ricos".

Dezoito meses para estudar o drama social na Madeira. Inexplicável este empurrão para a frente dos problemas que são de ontem e que são de hoje.

Ilustração: Google Imagens.

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