Adsense

terça-feira, 15 de novembro de 2022

O iminente desastre energético da Europa


Por
14 Novembro 2022

A ausência de uma estratégia europeia para a energia, que é o problema de fundo, vai manter-se por muitos anos, devido a divergências profundas entre França e Alemanha que ninguém tenta desbloquear.



Este título é roubado a um artigo recente de Jean Pisani-Ferry, um conceituado Professor de Economia na Universidade Sciences Po de Paris e na Hertie School de Berlim, publicado no Project Syndicate. Pisani-Ferry, economista francês, com vários livros e artigos sobre política económica e política europeia, foi fundador do Instituto Bruegel e seu presidente até 2013, além de Director de programa e ideias da primeira campanha presidencial de Emmanuel Macron (2017).

1. Se bem li o artigo, Pisani-Ferry manifesta uma profunda desilusão perante a incapacidade dos líderes europeus em se entenderem em matéria de energia. Ainda na cimeira europeia de 20/21, em Outubro, longas “conversas” mas decisões significativas, zero. Anunciaram “intensificar” as compras conjuntas de gás – tema, aliás, há muito proposto por Espanha –, decisão essa incapacitante pelas múltiplas reservas que contém, o que se traduziu até agora numa não concretização.

Refere que as desinteligências políticas na União Europeia são uma constante, mas aquando do Covid-19, França e Alemanha entenderam-se em três meses e, dois meses mais, os Estados-membros tinham acordado o sistema de empréstimos comuns e não houve problemas de maior com a compra conjunta das vacinas e a sua distribuição de forma equitativa, na base da população.

Quase nove meses após a invasão da Ucrânia, o problema arrasta-se e França e Alemanha “encarnam essa incapacidade de concordar com um regime comum”. Ora, nesta crise, “as divergências não se limitam apenas a declarações públicas e respostas possíveis. Os dados revelam enormes diferenças económicas substanciais entre os países-membros da UE”, refere Pisani-Ferry. Por exemplo, a inflação anualizada a Setembro último era de 6,2% em França e de 24,1% na Estónia.


Por outro lado, a Alemanha avançou com um envelope de 200 mil milhões de euros de apoio a famílias e empresas, decisão que chocou os parceiros comunitários. Esta medida é vista como uma quebra de solidariedade, porque desmesurada face à capacidade financeira dos outros países membros. Pisani-Ferry acrescenta que os comentadores têm razão: “esta decisão emite um mau sinal num mau momento, porque evidencia a ausência de uma estratégia comum”. Este pacote permite que os níveis de subsídios variem de menos de 1% do PIB na Suécia e Estónia até 7% na Alemanha.

Mas, em muitos outros domínios da energia, França e Alemanha estão de costas viradas. Na fixação do preço do gás para a produção de electricidade, por exemplo, a França apoia o chamado “regime ibérico”, em que o governo estabelece um limiar para o preço. A Alemanha opõe-se alegando que tal procedimento tornaria o gás mais caro para os industriais e geraria vencedores e vencidos nos Estados-membros.

Para Pisani-Ferry “estas respostas tão díspares não devem ser criticadas por uma questão de princípio, mas porque manifestamente desadequadas perante um choque comum”. Há um mercado de gás europeu aproximadamente unificado e, neste contexto, as respostas deveriam ser comuns, até porque as decisões de um Estado afectam quase em simultâneo os outros e quanto maior for o Estado, pior, acrescento.

A não definição de medidas comuns para as políticas energéticas acarreta pesados encargos financeiros, mina a desconfiança entre os Estados-membros e o risco do embargo de gás russo causar divisões profundas dentro da União Europeia (UE) permanece muito grave, admite Pisani-Ferry.

Vai este artigo à raiz do problema energético na Europa?

2. O entendimento entre os Estados-membros a que apela o artigo seria muito positivo para minorar a situação presente de descalabro dominante na Europa, onde cada país tenta “atacar” a realidade consoante pode. Mas não resolveria o problema de raiz.

A ausência de uma estratégia europeia para a energia, que é o problema de fundo, não é focada no artigo. Uma ausência que vai continuar por muitos anos, devido a divergências profundas entre França e Alemanha que ninguém tenta desbloquear, apesar das alterações substanciais entretanto determinadas pela guerra.

E, por outro lado, os principais dirigentes de órgãos comunitários pouco ou nada estão empenhados nessa situação, pois como escrevia há dias o “El Mundo/Madrid”, Ursula von der Leyen, Charles Michel e Joseph Borrell dedicam-se mais “a competir em fazer anúncios e representar a Europa no exterior”. O “Courrier Internacional” comenta esta notícia como uma saborosa análise de guerra do ego europeu.

3. Voltando à raiz da temática em análise, a ausência de uma estratégia para a energia na UE.

A transição energética que está na ordem do dia – estamos em plena COP27 que pouco vai acrescentar, até porque a Europa entra muito fragilizada com o estigma de que está a fazer tudo ao contrário do que defendeu na anterior (activação das centrais a carvão, hipótese de exploração do gás de xisto na Europa e ainda investimentos em gás natural fora da Europa) – tem como paradigma a substituição a prazo das energias de origem fóssil, que ainda representam uma quota muito elevada do consumo no mundo de hoje (75%), por não fósseis de baixa emissão de gás de efeito de estufa (GEE). É preciso um prazo robusto para que os investimentos se realizem (30/40 anos), período em que vão coexistindo os dois tipos de energia.

E isto com uma tripla finalidade: responder ao aumento de consumo de energia que o desenvolvimento social requer, descarbonizar as economias para responder à crise climática e, muito importante, permitir que a UE ganhe autonomia face às energias fósseis, de que tem fracos recursos, e aos outros espaços político-económicos. Ganhar uma posição própria num domínio ícone de soberania é fundamental para a consolidação da Europa como potência mundial. E sem esta transformação não adquire essa capacidade.

Constrangimentos culturais e interesses de grupos económicos estão a bloquear este caminho e a atrasar, com prejuízo, a elaboração de um plano à altura. Eis a grande questão. E aqui residem as grandes divergências que impedem, na Europa, bases energéticas comuns.

A solução consiste em articular energia nuclear e energias renováveis.

A França concilia e a Alemanha não concilia, estando o movimento dos verdes cindido. Há os que aceitam cada vez mais a nuclear, nomeadamente face aos progressos tecnológicos que têm reduzido o risco, e a ala que continua na sua condenação. Muita incoerência nisto, até porque a renovável eólica está a enfrentar sérios problemas de viabilidade. As renováveis per si, porque de produção intermitente, nunca deixarão de contar ou com as energias fósseis ou com a nuclear.

A energia nuclear, com os avanços tecnológicos e com a diversificação em curso, terá no futuro um papel cada vez mais importante, até porque os reactores, sobretudo os SMR, poderão vir a ter um papel crucial na dessalinização da água.

Há assim que avançar numa linha de fundo, reunindo energia nuclear e renováveis num mix que cada Estado-membro saberá qual o melhor para si, ou mesmo não investir na nuclear e importar quando necessária energia de outros países membros. Este é o caminho que, no actual contexto tecnológico, poderá dotar a Europa de grande independência no sector energético.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.


Sem comentários: