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terça-feira, 14 de novembro de 2023

Órgãos de Soberania sem sentido de Estado

 

Nota prévia
Estive fora do país, não acompanhei os recentes acontecimentos, portanto, o que aqui deixo enquanto breve reflexão, pode assentar em alguns aspectos que não consegui juntar ou compreender. De qualquer forma, o essencial da denominada "crise política" está na frente dos olhos de qualquer cidadão. 

Posto isto, parece-me óbvio que a situação que estamos a viver constitui uma consequência de muitas causas não equacionadas ao longo de muitos anos. Eu diria décadas. No nosso país falta-nos consciência cultural, rigor, disciplina conquistada pela compreensão das pessoas, brio, ambição, responsabilidade e noção de vergonha. Falta-nos escola séria que trave os oportunismos, a partidarite aguda, o dinheiro conquistado de forma fácil, os jogos subtilmente feitos nos bastidores, a ausência de uma mentalidade para aceitar lugares de gestão e administração sem que para eles as figuras estejam preparadas, política, científica e tecnicamente. As sucessivas gerações foram embrulhadas em definições dos manuais escolares, em testes e exames e o principal foi adiado, exactamente, a exigente formação do ser que não se coaduna com o ter a qualquer preço. Resvalámos sem sentido de responsabilidade e, muito menos, de Estado. Os princípios e os valores foram secundarizados e, portanto, desde os Órgãos de Soberania à comunicação social com a qual estamos confrontados, é evidente uma arrepiante "pobreza". Ninguém se safa neste processo que tem contornos dramáticos. Já lá vou ao cerne da questão. Nada que a Democracia não atenue, é certo, mas que é preocupante, obviamente que é.



Na decorrência deste estado de coisas é comum ouvir-se: "à política o que é da política e à Justiça o que é da Justiça". O drama é que se assiste a uma subversão dos dois espaços de intervenção que conduz a que ambos funcionem quase em roda livre. No exercício da política são evidentes os traços do poder pelo poder e, na Justiça, as costelas partidárias parecem levianamente claras. Na política há muitos erros de casting, prevalecendo as afinidades e as cumplicidades dos vários corredores, do que propriamente a preocupação na busca de cidadãos de notória qualidade e respeitabilidade social; na Justiça, pergunto, o que dela dizer, quando Procuradores e Juízes se envolvem em situações condenáveis; quando, entre outros aspectos (muito graves) investigações em "segredo de Justiça" circulam na comunicação social desde transcrições integrais de escutas, até os próprios interrogatórios dos juízes aos eventuais arguidos. Chega-se ao ponto de prender para investigar! A Justiça, em qualquer patamar, desejável seria que fosse discreta, profunda e célere, mas não, o cidadão confronta-se, sim, com o espectáculo mediático, com as estações de tv sorrateiramente "convidadas" a acompanhar as buscas, por exemplo! 

Ora bem, em meia-dúzia de dias, pasme-se, o Ministério Público fez cair um governo, levou o Presidente da República a marcar eleições legislativas e manchou, profundamente, a imagem de figuras que, até prova em contrário, devia ser protegida. Entretanto, caiu por terra uma investigação megalómana, baseada em supostos indícios, o que constituiu, segundo um advogado comentador, a uma "derrota profunda" do Ministério Público. Que não foi a primeira. Tenho presente o que, recentemente, fizeram ao Dr. Rui Rio! E agora, é lícito que se pergunte: que consequências resultam para os "investigadores" a consequente responsabilidade de vários meses de instabilidade e de um acto eleitoral (que tem os seus custos) do qual pode, eventualmente, redundar numa composição da Assembleia da República que torne o país ingovernável durante meses? A Senhora Embaixadora Ana Gomes assumiu que parte da opinião pública "desconfia que isto pode (configurar) ser um golpe de estado judicial". Não deixa de ser interessante esta posição, pois aquilo que alegadamente pode traduzir é uma alegada instrumentalização partidária do Ministério Público que coloca em causa a estabilidade do País e a própria credibilidade externa. E perante tantos e tantos casos, estranhamente, a Senhora Procuradora Geral da República continua a passar entre os pingos da chuva! Que raio de poder este ao qual ninguém põe um travão. E isto nada tem a ver com um quadro de Órgãos de Soberania. Tem a ver com os pressupostos de um regime democrático.

No meio disto, também o Senhor Presidente da República, pela sua postura hiperactiva, não soube esperar e zás, procurou o caminho mais fácil sem ter em conta as consequências. Teria sido, presumo, muito mais sensata a indigitação de um novo primeiro-ministro. Uma nova figura que, certamente, a partir do cansaço da população relativamente a tantos casos embaraçosos, nomearia um governo formado por pessoas respeitáveis, credíveis e impolutas. Evitaria eleições, respeitaria os eleitores que votaram na actual maioria absoluta e evitaria, também, uma certa paralisação do país nos próximos meses. Por uma questão de bom-senso numa altura que a esmagadora maioria dos indicadores económicos são muito favoráveis. Um futuro governo pode, até, vir a governar com um Orçamento que não foi da sua responsabilidade!

Mas há fome de poder. Há uma necessidade de dar gás a um jornalismo pouco cuidado, ávido de sangue e sôfrego pela anormalidade, de tal forma que as suas audiências se mantenham no topo. E os Órgãos de Soberania, espantosamente, vão nisto. O estado a que isto chegou merece uma profunda reflexão.  

Ilustração: Google Imagens - Público.

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