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terça-feira, 31 de dezembro de 2024

2025


Alerta o provérbio: "De boas intenções está o inferno cheio". As "passas" engolidas, antes ou depois das badaladas que anunciam o novo ano, alinhadas uma por cada mês do ano, valem zero. Amanhã, já poucos se lembrarão das promessas ou dos desejos, pensados no meio da alegria, beijos e abraços, elevando na mão um Moët & Chandon ou um qualquer outro baratinho para fazer a vez. O fogo multicolor em cascata esmorecerá, a noite ficará negra e no lento acordar, estremunhado pelos vapores da véspera, sua excelência a rotina ditará a sua lei. A do mais forte, quero eu dizer.



É a lei do inferno, onde de nada valerão todas as boas intenções, umas mais familiares ditadas no alpendre do fogo, outras, na solenidade da Missa de Acção de Graças, onde também a Palavra pouco vale em função da práxis antecipadamente definida para Janeiro fora pelos ditos "donos disto tudo". 

O inferno é aqui, é real e convive ao nosso lado, todos os dias, azucrinando a vida sobretudo a dos mais vulneráveis. Os diabinhos que por aí andam, a solo ou em grupo, continuarão a atazanar, a molestar, a incendiar tensões sociais e a se divertirem, perante a impotência de quem podia ou devia assumir um audível grito libertador das muitas cangas, doce e inteligentemente colocadas. 

Contentam-se com frases sem o sentido da realidade: "(...) que não venha pior" e que "Deus nos ajude"! Palavras ditas e repetidas, que saem boca fora com a humildade de quem as profere, eu sei, só que tem sido sempre pior e Deus não tem ajudado. Nem tinha de ajudar, obviamente. É a comunidade ferida pelos algozes da vida moderna, os que atormentam e tornam a vida árdua e desequilibrada, disfarçados em enfeitados discursos, é essa comunidade que devia ser a obreira de uma nova ordem em todos os sectores, áreas e domínios da actividade política, económica, financeira, social, cultural e até religiosa. Só que não pode, por iliteracias diversas, também por comodismo, dependências, oportunismo, medo e um certo jeito para o desenrascanço, daí lhe reste empurrar as soluções para depois, talvez acreditando num qualquer "pai natal" inspirador e doador.

Ora, 2025 tem tudo para não ser um ano esperançoso, portanto, de nada valerão as "milagreiras passas". Olhemos para o mundo em acelerado declínio de princípios, valores, humanidade e responsabilidade; tenhamos presente as bombas que caem levando inocentes em guerras sem qualquer sentido e os incontáveis efeitos colaterais; face à descrença, tenhamos presente o crescimento dos agentes do populismo parasita; a corrupção geradora de arguidos e sentenças adiadas; os milhões de refugiados e migrantes; os ditadores que esmagam povos inteiros, mantendo-os amarrados ao círculo vicioso da pobreza; reflictamos sobre os países que já procuram "novos cemitérios como parte do seu planeamento de guerra" ou nas pessoas que estão a adquirir "bunkers" para autodefesa; o desenfreado negócio das armas e o poder do narcotráfico; a economia que tomou conta do exercício da política, subjugando-a e ditando a tal lei que meia dúzia impõe aos demais; uma União Europeia falida de referências políticas maiores e credíveis, nas quais se possa minimamente acreditar; olhemos, de passagem, para a banca conluiada, intencionalmente em rédea solta, explorando e roendo até ao tutano, nos juros e em taxas absolutamente pornográficas, não concedendo margem, entre outros, à esperança dos jovens à habitação; a fuga de jovens quadros para outros países; a proliferação de um mundo assimétrico, de riquíssimos e de pobres e paupérrimos; os crimes ambientais destruidores da vida; a violência doméstica causadora de tanta injustificável morte; a ânsia expansionista, a ganância e a vida dos outros que nada vale, quando atirada para as frentes de combate e morte anunciada; as palavras do Papa ou as do Secretário-Geral da ONU que ninguém escuta; tenhamos em atenção, dentro do país, os governos que continuam a cobrar injustificáveis impostos, mediocrizando a vida; estou a lembrar-me do ridículo imposto de selo, que tem origem em 24 de Dezembro de 1660, talvez como "prenda de Natal" ao povo; ou os insensatos valores, entre tantos e tantos outros, os do IMI que, depois de tudo ter sido pago, torna as famílias inquilinas de uma autarquia; ou, ainda, toda a carga fiscal que ronda os 38% ("Portugal parece ter-se tornado especialista em prolongar a agonia fiscal dos seus cidadãos. O mais recente relatório do Instituto Económico Molinari e os cálculos da consultora Ernst & Young revelam que, em 2023, os portugueses precisaram de seis meses e treze dias de trabalho apenas para suportar os encargos fiscais" - João Rodrigues Pestana, Economista, CNN); a sufocante situação fiscal que recai sobre o tecido empresarial e, juntando-se a tudo isto, sumariamente elencado ao correr do pensamento, a escola, transformada em armazém, castradora do pensamento livre e da cultura, onde, desde bem cedo, prevalece a resposta em detrimento da pergunta. Bem sabem por que assim a querem! Enfim... por aí fora, a lista de preocupações é longuíssima, agarradas umas às outras tal qual as cerejas. Até nuns míseros juros recebidos pelo investimento conservador num depósito a prazo, sorrateiramente, aparece o Estado e zás, passa para cá 28%! 

Pode a população aspirar a um ano de 2025 com alguma esperança? Sejamos claros: não pode. O ano será, obviamente, de enormes preocupações. A não ser que cada um tome nas suas mãos o sentido da mudança. Que não se acabrunhe, decida não ser objecto de vexame e de humilhação e rompa com todos quantos persistem na existência de um país (e de um mundo) com mais direitos que justiça. Por isso, e tanto que fica por escrever, não esperemos por grande coisa nas bodas de prata deste Século XXI. Resta-nos, individualmente, lutar pela SAÚDE, o maior bem, porque tudo o resto é uma significativa incógnita.    

Ilustração: Google Imagens.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Pe. Jardim Gonçalves: uma vida inteira dedicada à luta por um mundo mais justo e fraterno


Nascido no Funchal em Janeiro de 1932, o madeirense Padre Agostinho Jardim Gonçalves foi indiscutivelmente uma das figuras mais marcantes da Igreja portuguesa, designadamente ao longo do século XX e do início deste.



Ordenado sacerdote em 1956, o pe. Jardim Gonçalves foi colocado como coadjuctor na paróquia da Vila de Machico, o que lhe permitiu um contacto directo com uma comunidade, simultaneamente rural e piscatória, profundamente marcada pelo feudal regime de colonia e pela dureza da faina marítima. Uma realidade sócio-económica assente na miséria e na exploração que determinaria a opção de toda uma vida: colocar-se ao serviço dos mais pobres e oprimidos na luta pela construção de um mundo mais justo e mais solidário.

No ano seguinte (1957) seria encarregue pelo então bispo da diocese, D. António Pereira Ribeiro de proceder à expansão da Acção Católica no meio rural, tendo, em 1959, como assistente da JACF, sido o principal dinamizador de um Encontro de Estudos dos diferentes movimentos da A. C. na Madeira que serviu para elaborar o retrato da realidade das condições de vida que enfrentavam as respectivas populações.

Seria na sequência da realização em Lourdes, em Maio de 1960, do Congresso do Movimento Internacional da Juventude Católica Rural (MIJCR), cujo tema de fundo foi “A Fome no Mundo nos seus múltiplos aspectos”, que o sacerdote madeirense haveria de ser convidado a abraçar um novo desafio: o de ser assistente nacional da Juventude Operária Católica Feminina (JOCF).



Mas antes ainda da partida para Lisboa, Jardim Gonçalves deixaria uma outra marca do seu dinamismo e criatividade, desta feita no jornal da diocese. Convidado pelo novo bispo, D. David de Sousa, para dirigir a redacção do “Jornal da Madeira” imprimir-lhe-á uma dinâmica reconhecida por todos, em particular pelo seu sucessor, o pe. José Manuel Paquete de Oliveira. Uma marca que, aliás, começara por deixar aquando da sua passagem pelo Seminário Maior do Funchal ao ser responsável, conjuntamente com o colega Arnaldo Rufino da Silva, pela introdução no mesmo de outras artes, designadamente do teatro e do ballet, para além da música.

Pouco tempo depois da sua chegada a Lisboa, o Pe. Jardim Gonçalves passaria a desempenhar as funções de assistente nacional da LOC e da LOCF (os organismos operários adultos da A. Católica). Funções que exerceria nos anos 60 e 70 com indiscutível brilho e qualidade e que acabariam por serem reconhecidas internacionalmente. Primeiramente, no período de 1967 a 1970, como assistente europeu eleito do Movimento Mundial dos Trabalhadores Cristãos (MMTC), a que se seguiu a sua nomeação pela Santa Sé como primeiro assistente-geral do referido Movimento (MMTC), entre 1968 e 1974. Tarefas que acumularia com as que detinha a nível nacional.

A importância que essa actividade representou na sua vida, levaria Jardim Gonçalves, em Novembro de 2011, numa entrevista concedida à Agência Eclesia, por ocasião da comemoração dos 75 anos da LOC-MTC, a assumir: “Foi através da JAC e da JOC que descobri o mundo e fiquei a saber que a sociedade não era bem aquilo que nos diziam ser como expressão de comunhão e solidariedade”.

Destaque que atribuiria, por outro lado, ao Concílio Vaticano II, iniciado em 12 de Outubro de 1962, no pontificado de João XXIII e continuado e concluído pelo seu sucessor, Paulo VI. Em Dezembro de 2005, no jantar que há anos junta mensalmente em Lisboa os madeirenses radicados na capital, Jardim Gonçalves confessaria: “Descobrimos que havia outra hipótese de viver a religião sem o politicamente correcto da altura”, lamentando, porém: Nunca se quis ir mais além, pisar o risco e tirar as conclusões todas. Deixamo-nos ficar pelo meio caminho”. Uma leitura que significativamente é partilhada pelo actual Papa Francisco ao considerar que as reformas do Concílio ainda não foram totalmente assimiladas. Curiosamente, o seu próprio antecessor, Bento XVI afirmou que existe um Concílio virtual, que ficou famoso nos media, e o Concílio real que ainda precisa de ser aplicado.

Seria, de resto, no decorrer do Concílio Vaticano II que foi criado em Portugal, o Centro de Cultura Operária (CCO), para cujo desenvolvimento e afirmação foi determinante o apoio internacional, quer ao nível económico quer de solidariedade.

Num texto publicado no livro “A Igreja no Mundo Operário – Contributos para a História da LOC e da LOCF -1936-1974”, o Pe. Jardim Gonçalves destacaria importância das “relações internacionais” ao nível europeu na actividade da LOC, sublinhando: “O sindicalismo livre, o associativismo plural, os novos direitos sociais, tudo isso se convertia numa miragem para onde a LOC se virou, admirativa do que se ia desenvolvendo nesses países”. Jardim Gonçalves acrescentava que essas relações permitiram também “dar a conhecer no exterior a injustiça e os malefícios do regime totalitário vigente em Portugal e revelar a existência no nosso país de militantes operários cristãos, reunidos na LOC e que se debatiam pela defesa dos trabalhadores, contrastando com a cumplicidade da respectiva Igreja hierárquica”. E, não menos importante, adiantava ainda, gerar “plataformas de solidariedade e colaboração que vieram a ter particular expressão na acção da LOC/LOCF face ao fenómeno da emigração portuguesa clandestina, do crescente número de refractários à guerra colonial e na criação e apoio do Centro de Cultura Operária, criado em 1963, em Lisboa”.

Jardim Gonçalves envolver-se-ia em outras iniciativas de natureza cívica, quer durante a ditadura do Estado Novo, quer no período democrático.

Foi, por exemplo, um dos 48 cidadãos que constituíram a Comissão Nacional de Socorro dos Presos Políticos (CNSPP), criada a 31 de Dezembro de 1969. Uma Comissão suprapartidária, composta por muitos cidadãos independentes, de partidos políticos e por outros ligados às diferentes organizações que compunham a oposição ao regime – integravam-na 9 padres católicos e um protestante. No grupo dos católicos, contavam-se ainda, entre outros, Frei Bento Domingues e os então sacerdotes José Felicidade Alves e Luís Moita.

E, no pós-25 de Abril, fez parte da redacção do vespertino lisboeta “República”, tendo sido um dos dois jornalistas que se colocaram ao lado dos trabalhadores gráficos durante o contencioso conhecido como “Caso República”.

Anos volvidos, em 1988, fundaria, com, entre outros, o dominicano Luís de França e o pastor José Manuel Leite da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal, a OIKOS – Cooperação e Desenvolvimento, uma organização não governamental que se envolveria em acções de solidariedade com as populações das antigas colónias portuguesas, de modo particular em Moçambique.

Muito embora se tenha, entretanto, transformado num sacerdote com projecção e prestígio internacionais e simultaneamente num cidadão do mundo, o Pe. Jardim Gonçalves manteria sempre a sua ligação à Diocese do Funchal de que era oriundo, e à sua terra natal, a Madeira.

Não admira, por isso, que, em 1972, na sequência da nomeação para a diocese de Coimbra do então bispo do Funchal, D. João Saraiva, Jardim Gonçalves tenha sido um dos 34 subscritores de um documento de sete páginas que reflectia sobre a “Missão Actual da Igreja” e o “Estado e Necessidades da Diocese” e que seria entregue em 23 de Agosto de 1972 ao Núncio Apostólico em Portugal, D. Giuseppe Maria Sensi.

O grupo de signatários, 23 sacerdotes e 11 leigos (os presidentes diocesanos de todos os organismos operários e rurais da Acção Católica e ainda do Centro de Cultura Operária e dos Cursos de Cristandade) que se identificavam em plenitude com o espírito da Doutrina do Concílio Vaticano II, alimentava o desejo, a esperança que a Diocese do Funchal recebesse um prelado que encarnasse sem reservas esse espírito e que pudesse introduzir uma lufada de ar fresco numa Igreja que permanecia em geral muito fechada sobre si própria, muito pouco atenta e desperta para os sinais dos tempos e em que o conservadorismo era claramente predominante.

O documento, onde sobressaiam os nomes do designado grupo dos “Padres do Pombal” (João da Cruz Nunes, Arnaldo Rufino da Silva, Gabriel Lino Cabral e Francisco Sidónio Figueira), mas também outros como Paquete de Oliveira, Martins Júnior, Mário Tavares Figueira e José Maria Araújo, seria recebido a contra-gosto. Giuseppe Sensi mostrar-se-ia particularmente incomodado com a presença do Pe. Jardim Gonçalves, questionando-o, repetidamente: “Que fazes aqui?”, tendo chegado a dar sinais de não querer receber o texto. Acabaria por ceder, quando os sacerdotes presentes – Jardim Gonçalves e Sidónio Figueira – o informaram de que o mesmo seria divulgado.

Como é sabido, os desejos e esperanças formulados nesse documento seriam completamente defraudados. Jardim Gonçalves haveria, de resto, numa das últimas conversas que com ele mantive, de reconhecer que aquela carta acabou por provocar um efeito contrário ao que, o grupo a que pertencia, pretendia.

Essa atenção à Madeira, aos problemas das suas gentes, fica igualmente patente com a circunstância de a 15 de Julho de 1974 ter sido eleito para uma “Comissão Ad Hoc” encarregue da gestão da Casa da Madeira em Lisboa até à realização de novas eleições, conjuntamente com outros conterrâneos como, por exemplo, os engs. Melim Mendes e David Caldeira (então oficial da Armada) e o jornalista Avelino Rodrigues (antigo sacerdote).

Quando escassas semanas depois do 25 de Abril, Jardim Gonçalves se deslocou à Madeira para visitar os seus familiares e contactar com os seus amigos, foi entrevistado pelo centenário “Diário de Notícias”. À entrevista publicada no domingo 26 de Maio, o recém-chegado Bispo da Diocese, Francisco Santana, responderia, ipsis verbis, embora sem o citar, na homília dessa noite, proferida na Sé Catedral.

Nessa entrevista, Jardim Gonçalves referiu-se, sem papas na língua, ao passado anterior ao 25 de Abril, a um “pesadelo de décadas”, sublinhando haver “aspectos candentes da vida nacional que aguardam uma resposta que não pode tardar, desde a guerra colonial à repartição equitativa e justa das riquezas do país”. Simultaneamente analisou o comportamento da Igreja, face ao regime, de um modo particularmente crítico: “a maioria dos membros da Igreja habituou-se a viver à sombra dum regime político que consideravam salvaguarda duma civilização e duma cultura que abusivamente se etiquetavam de cristãos. A aliança e a confusão entre a Igreja e o poder político estabelecido eram notórias e deram lugar a situações dramáticas de que a Igreja saiu sempre enfraquecida. Perdendo a coragem de denunciar as injustiças e a opressão que o povo sofria, com medo de cair no desagrado da força política ou dos potentados que a mantinham, a Igreja perdeu, pouco a pouco, entre nós, a necessária credibilidade para ser, numa hora como esta, um factor decisivo e dinâmico na reconstrução do País”. E, em jeito de antevisão, aduziu: “A Igreja, no seu conjunto, não se reabilitará perante o povo português, se não tiver a coragem de, sem oportunismo, se penitenciar de erros passados, se despojar dos sinais e expressões que a identificam ainda com as sombras políticas do regime deposto e de se afirmar convicta e resolutamente do lado dos mais pobres e oprimidos”. E à pergunta – “Encontrar-se-á a Igreja na Madeira apta a acompanhar o extraordinário movimento democrático que se constata em todo o Portugal?” – Jardim Gonçalves voltaria a ser contundente, acabando por denunciar posturas e práticas assumidas pelo novo prelado diocesano: “Não é com autoritarismos balofos, nem com atitudes repassadas de um conservadorismo aberrante, nem – muito menos – com gestos ambíguos de quem, à última hora, quer desajeitadamente lavar-se de culpas antigas, que se construirá ou renovará uma Igreja autêntica. Se não se confiar nos leigos e padres que demonstraram até agora uma vontade clara de lutar pela justiça e pela verdade, a Igreja na Madeira não será, dentro em breve, mais do que uma recordação mortiça do passado, sem qualquer interesse ou impacto numa sociedade que terá de ser estruturalmente revolucionada para que o povo aí encontre o seu lugar e a sua força. É duro dizê-lo, mas é muito mais duro sentir que isso mesmo pode acontecer …”.

A resposta do bispo – porque a homília que proferiu teve efectivamente esse propósito – seria reproduzida nos dois jornais diários locais, nas suas edições de 27 de Maio, ambas com destaque nas respectivas primeiras páginas.

No órgão da diocese, o “Jornal da Madeira”, o título era de resposta directa à frase com que o “DN” havia titulado a entrevista do pe. Jardim: “A Igreja não tem pressas nem medo e sabe bem que não está em jogo a sua sobrevivência nem está perante o seu fracasso total”, enquanto o “DN” preferiu destacar: “A Igreja não perdeu a coragem de denunciar as injustiças e não tem receio de cair em desagrado de qualquer força política”.

O prelado realçaria ainda: “Venho com as mãos limpas, porque nunca me aproveitei deste ou daquele regime, e não espero usufruir da situação de favor ou de privilégio qualquer que seja o futuro do país”.

Francisco Santana acabaria por proclamar uma coisa e hipocritamente procederia exactamente ao contrário, envolvendo-se na política partidária e, mais grave ainda, colocando a própria Igreja, enquanto instituição, ao serviço de um partido e de um governo.

Volvidas duas semanas (9 de Junho), Jardim Gonçalves divulgaria, também no “DN”, uma “Carta Aberta ao Senhor Bispo do Funchal”, na qual procurou clarificar a sua visão sobre a Igreja, contrapondo-a à expressa pelo antigo assistente da organização “Stella Maris”.

Defendendo uma Igreja que, “no seu interior, aprenda a cultivar e exercite os valores integrantes duma verdadeira democracia”, o sacerdote madeirense interpelaria o prelado, nestes termos: “Terá sido sinal de coragem o silêncio cúmplice da Igreja sobre situações de injustiça não só de facto, mas também de direito, desde a miséria, opressão e marginalidade em que vivem massas de trabalhadores à perseguição e tortura infringidas aos opositores ao regime de Salazar e Marcelo Caetano?

“Terá sido sinal de coragem a pretensa ignorância da guerra colonial com as suas consequências e desmandos que se estenderam a massacres reconhecidos internacionalmente e contrários aos mais elementares direitos da pessoa humana e de populações inocentes ou comprometidas numa luta de libertação?

Terá sido sinal de coragem esta forma fácil e morna como bispos e padres lançaram bençãos e água benta sobre pendões e instrumentos de guerra, destinados a serem material de morte e até de genocídio?

Terá sido sinal de coragem a negação de solidariedade -a que tinham direito- a certos sacerdotes e até bispos que -esses sim- tiveram a coragem de denunciar injustiças e proclamar a verdade?”.

Questões que adicionaria para caracterizar “a história da Igreja na Madeira”, a saber:

– “A que Igreja pertenciam e pertencem os notáveis da vida económica, social, cultural e política do arquipélago?

– “A que Igreja pertenciam e pertencem os que tudo podem e mandam na cidade, em vilas e aldeias?

– “A que Igreja pertenciam e pertencem os que ontem obrigavam o povo a aceitar a SUA «verdade» e que agora se desculpam e se afirmam democratas da melhor cepa?

– “A que Igreja pertenciam e pertencem os que mantiveram o povo numa alienação religiosa cujos frutos estão à vista?”.

A concluir, o antigo chefe de redacção do “JM”, escreveu: “Compreender para exortar à penitência, de acordo. Seria esta a sua missão. Mas nunca defender, sem dados e sem análise, aquilo que não tem defesa possível”.

Jardim Gonçalves, justificaria a divulgação pública da “Carta” sublinhando que o fez “com plena consciência de que cumpria um dever, porque servia a Verdade”. Recorde-se, ainda, que Francisco Santana chegou a lamentar, na citada homília, que a aludida entrevista tivesse sido publicada. Certamente, com saudades dos tempos da censura!…

Ao prestigiado sacerdote madeirense, o “DN” local voltaria a conceder merecido destaque, na edição do dia de Natal desse ano de 1974, com a publicação de um seu artigo, com o título “Este Natal para este homem português”. Nele, Jardim Gonçalves faz a apologia da “libertação total”, “duma sociedade sem escravos”: “Se de libertar se trata, então as opções apontadas são claras. Trata-se de libertar oprimidos e explorados, o que, na linguagem do nosso tempo, e no contexto sócio-político do nosso país, significa mudar radicalmente as estruturas da sociedade, cujos mecanismos provaram estar ao serviço duma opressão planificada e dum esmagamento organizado”. Nesse texto, desmontaria ainda a ideia “dum Cristo neutro”, escrevendo: “Nada mais anacrónico do sinal libertador que foi e é o Natal que essa ideia feita, tão ao gosto de certa Igreja «reconciliadora», segundo a qual «Cristo veio e é para todos», ricos ou pobres. Se a afirmação é objectivamente verdadeira, a intenção política que ela esconde e as atitudes práticas que ela desencadeia contradizem a riqueza do seu conteúdo. Cristo veio para libertar todos os homens, mas essa libertação passa necessariamente pela luta que os oprimidos têm de travar para gozarem do Sol tonificador da liberdade e pela renúncia sincera, por parte dos ricos, a bens que os alienam e que os tornam em domesticadores cínicos dos pobres e dos fracos”.

Entretanto, se, porventura, pudessem subsistir dúvidas sobre o reconhecimento e respeitabilidade internacional que o Pe. Jardim Gonçalves granjeara pelo seu relevante papel na evangelização do mundo do trabalho, as mesmas foram totalmente desfeitas, quando em finais de Agosto de 1974 foi conhecida a sua nomeação, a título pessoal, pelo Papa Paulo VI para «perito» do Sínodo dos Bispos em matéria de evangelização (com mais 14 outros padres de diversas nacionalidades, representando os países do mundo inteiro) que, entre 27 de Setembro e 26 de Outubro de 74, decorreu no Vaticano. Uma escolha que foi recebida com regozijo, por padres e leigos, na diocese de Lisboa, enquanto o episcopado português se manteve em silêncio.

Por essa altura, o semanário “Expresso” (edição de 28/9/74), sob o título “Perito português no Sínodo dos Bispos” publicaria um artigo (transcrito pelo “DN” local a 9 de Outubro), em que, no final, lia-se: “O seu nome tem sido várias vezes apontado pelos cristãos que o conhecem como um bom candidato ao episcopado, mas a opinião de muitos é que não seria ou não será aceite, nem pela Conferência dos Bispos (nem pelo governo português, pelo menos até ao 25 de Abril …)”. Sintomaticamente, a completar a notícia, o diário madeirense adiantava: “poderíamos acrescentar que a oposição ao Pe. Jardim também teve eco na Madeira…”. Paquete de Oliveira, à época director daquele matutino, dispunha de um conhecimento privilegiado para poder dar nota dessa “oposição”. Que no caso da Madeira não terminaria com o 25 de Abril. Nem no seio da hierarquia da Igreja, nem da parte do poder político implantado na sequência das eleições para a Assembleia Regional, ocorridas em 27 de Junho de 1976.A comprová-lo basta referir que, enquanto o “DN”, fez questão de relevar a sua participação nesse Sínodo, transcrevendo em Novembro uma entrevista que a propósito concedera ao vespertino lisboeta “República” (edição de 1/11/74), o órgão da diocese ignorou quase por completo essa presença. Francisco Santana jamais esqueceria que tivesse colocado a nu a Igreja que o prelado diocesano representava: a herdeira da cumplicidade com o Estado Novo, prolongada agora com o novo poder regional.

Em Dezembro de 74, o semanário dirigido por Francisco Pinto Balsemão voltaria a apontar o seu nome para uma das dioceses em vias de criação, concretamente a de Setúbal, escrevendo: “Até há muito poucos dias parecia quase certa (e a revista «Reflexo» de 28/11 p.p. chegou a apontar nesse sentido) a ida do pe. Jardim Gonçalves para Setúbal, do pe. João Alves para auxiliar do Patriarcado de Lisboa e do Arcebispo de Mitilene, Júlio Rebimba, para Santarém”. O texto, porém, acrescentava: “Os últimos «rumores» que chegam até nós, parecem desmentir todo este xadrez, que trazia, ainda assim, alguma esperança aos sectores dos cristãos de maior abertura, nomeadamente a designação do pe. Jardim. Os novos bispos, já escolhidos neste momento pelo Núncio Apostólico seriam figuras bem mais conservadoras do que os previstos, provavelmente de «estilo» idêntico ao dos três últimos padres que a Nunciatura elevou ao Episcopado no nosso País e que as comunidades cristãs dificilmente elegeriam, se fossem chamadas a indicar os seus Pastores”.

A concluir, aquele semanário anotava: “A confirmar-se esta hipótese, teremos uma vez mais adiado o 25 de Abril na Igreja portuguesa, o número de padres a abandonar o «ministério» sacerdotal poderá registar um rápido aumento e os cristãos militantes irão, certamente, exigir de novo à Santa Sé, um velho e persistente desejo: a substituição do Núncio Apostólico em Portugal” – Giuseppe Sensi que era acusado de, “com a sua atitude comprometida com o sistema” de ter dificultado “duramente a acção dos cristãos em Portugal”, só seria substituído em Maio de 1976.

Jardim Gonçalves, por sua vez, tal como no passado, continuou a ter, após o 25 de Abril, uma intervenção activa na sociedade portuguesa, não se coibindo nunca de expressar a sua opinião, o seu pensamento sobre quaisquer assuntos, quer inerentes à vida da Igreja, quer fora dela. Fez, por exemplo, parte do CERP – Cristãos Em Reflexão Permanente -, um grupo de cerca de vinte pessoas de quadrantes ideológicos diferentes, representativas mas não representantes de vários meios religiosos – leigos e padres, acção católica e grupos-base , militantes e professores, mundo rural e universidade, etc., que, no período compreendido entre o 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975, elaborou e divulgou um conjunto de importantes documentos, a maior parte dos quais reunidos em dois livros editados pela Ulmeiro.

A frontalidade que o caracterizava ditaria não só a não ascensão ao episcopado, mas também a que tivesse sido ostracizado pela hierarquia da própria Igreja em Portugal. Uma marginalização que seria interrompida no decorrer do múnus episcopal de D. José Policarpo que, após a designação como Cardeal Patriarca de Lisboa, em 1998, o nomearia director do Departamento de Comunicação e Cultura do Patriarcado e seu porta-voz, tendo dirigido ainda o Centro Cultural de São Vicente, uma instituição criada pelo cardeal patriarca com o objectivo de realizar iniciativas na área cultural e que estava aberta a parcerias com outras entidades.

Optaria por não escrever as suas riquíssimas memórias porque ao fazê-lo tinha plena consciência de que não poderia deixar de ser crítico de pessoas e instituições e, muito embora fragilizado fisicamente pelos problemas de saúde que o afectaram nos últimos quatro anos da sua vida, manteve até ao fim a lucidez e o espírito crítico que sempre o caracterizaram: prova disso mesmo, a última mensagem que enviou à “família e amigos”, no passado dia 18 de Dezembro, pondo em causa o consumismo em que se transformou a Festa do Nascimento do Menino Jesus.

* por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

A morte "cerebral" da democracia

 

Podem acusar-se uns aos outros, explorando as respectivas debilidades. Faz parte do jogo democrático, das oportunidades e convicções. Porém, quando todos estão contra um, e o isolado, nessa arte do diálogo, não consegue visualizar as causas e escolhe ser vítima perante o coro de desconfiança, dá a entender que a montra é equivalente ao estado deplorável que se encontra o armazém. A manutenção desta persistência torna-se motivo para muitas perguntas.



A história é longa, tem outras importantes personagens, e não me cabe aqui descrevê-la. Mas, os sinais mais evidentes que alicerçam o estado de desencanto, dizem-se em meia dúzia de linhas. 

Pouco me diz a espuma produzida nas várias sedes do debate político. Sei-a de cor e mudo de canal. As causas, essas sim, quando se as buscam, esclarecem, quase completamente, a ausência de rumo, as cumplicidades, os tentáculos e ventosas do polvo ou as muitas maneiras de cozinhar lapas. Estas deviam ser o mote da investigação jornalística e não só, o quadro que os políticos e os analistas deviam pesquisar, analisar e difundir enquanto elementos de reflexão. Simplesmente, porque são os eventuais e duvidosos erros de processo que se tornam susceptíveis de esclarecer, pressupostamente, condenar e, nesse âmbito, reorientar a sociedade. 

Nada resolve andar atrás de paleios e dos casos do dia que, hoje, já nem se vendem, tal a repetição, por vezes histérica, com que acontecem. Deviam interessar as causas, as razões que trouxeram a sociedade até aqui, independentemente do crescimento das toneladas de cimento ou aquisição de veículos. Interessa, sobretudo, conhecer os jogos de bastidores; as caras escondidas e o bas-fond; os benefícios que resultam de uma crónica forma interdependente de governar; a disseminação do discurso, articulado e expandido ao território, que amarra e subjuga o livre exercício da democracia; as várias e preocupantes iliteracias que aprisionam; os almoços e jantares grátis, bem como todo o tipo de festas que trazem qualquer coisa na ponta do convite; a multiplicação e porquês de serviços e de instituições desnecessárias e que se atropelam; os camuflados e muito bem engendrados compadrios tendentes à formação de monopólios que, na prática, parecem que não o são; os formatos muito inteligentes de perseguição, exclusão, olhares enviesados e subtil anulação de cidadãos que pensam a coisa pública; as razões mais substantivas que conduzem à formação de riquezas mal explicadas; a utilização descarada dos meios públicos para a promoção de um grupo, enfim, importante seria perceber a teia e tomar consciência das razões de um significativo alheamento e captura da sociedade, por medo ou qualquer outra razão. Portanto, o que está em causa não é o orçamento ou uma moção de censura. O problema é outro, muito mais complexo.

Falta isso, o meticuloso estudo das causas e fazer a pedagogia sobre a história do processo que conduziu a esta rua estreitíssima, onde os que "chefiam" perderam o crédito, não são geradores de confiança, e os que se apresentam constituem, grosso modo, o espelho do vazio intencionalmente criado. 

Gostaria que a sociedade fosse outra, livre, culta no sentido da produção de saberes e sínteses do que se passa em seu redor; que fosse pouco ou mesmo nada dependente; sem qualquer medo e pronta a colocar no seu devido lugar os que se vendem a consciência ou se vestem de cordeiro. Não é isso que acontece, infelizmente, também porque a escola não foi libertadora, antes condicionadora do pensamento. Ela foi mais programática e de exclusão do que de formação de pessoas formadas na ciência, na ética e na razão. Não ajudou na formação de pessoas de pensamento livre!

Por outro lado e consequentemente, faltam-nos referências, respeito, rigor, disciplina conquistada pela compreensão, regras, profissionalismo (muito) e liberdade de pensamento. É sensível a incapacidade para o inconformismo, de não ter receios, de ser quem se é, inteiros, abertos ao mundo, sem autocensura e críticos de tudo o que se passa debaixo dos nossos olhos de actores-observadores. No essencial, não ser escravo de outrem, não subjugados a tutelas esclerosadas, incultas e manifestamente interessadas na sua sobrevivência. Durante anos, lembram-se(?), metralharam-nos com aquela de sermos "um povo superior". Tempos que fomos "ricos" embora com uma legião de pobres.

Como sair disto? É uma pergunta complexa, eu sei. Eu diria que estamos perante a "Curva Sigmóide" de Charles Handy: todas as organizações têm uma fase de implantação, outra de crescimento a que se segue uma terceira de maturação, normalmente geradora de turbulência. Dir-se-á que, no caso evidente na Região da Madeira, a organização liderante demonstra esgotamento. Aliás, já há muitos anos que atingiu esse ponto, isto é, não consegue dar resposta às necessidades das populações e, por isso, entrou em acelerado declínio. É público e notório que isso está a acontecer.

Handy diz-nos que só existe uma saída possível na fase de maturação: sendo certo que o novo não nasce do velho, importa, então, desenhar uma nova curva sigmóide, que se implante e, rapidamente, faça uma qualquer organização crescer a caminho de uma nova fase de maturação. Conseguir fazê-la, com segurança, criatividade, assertividade e responsabilidade, é o problema que está nas mãos da população. 

"(...) Aliás, o que a Região precisa não é de uma correcção marginal, antes necessita de mudanças profundas, sensatas, escalonadas no tempo, através de novas políticas que só outros políticos o poderão fazer com eficácia. Maquilhar não chega, pois retirando a máscara fica a realidade. A história dos processos políticos diz-nos que não são possíveis mudanças através do mesmo quadro ideológico, fundamentalmente porque as pessoas seguem posicionamentos idênticos, ficam amarradas pela mentalidade, pelos interesses e pelas pressões. As mudanças operam-se sempre de fora para dentro, porque é aí que reside a inovação, a criatividade e o entusiasmo pela transformação". - Parte de um texto que escrevi em 30.01.2011. 

Ilustração: Google Imagens

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Caos e desorientação na União Europeia


Por
Economista

Perda de valores, grandes incertezas sobre o futuro, caos nas ideias, na política, nas relações internacionais, são ‘qualificativos’ estruturantes do Mundo de hoje.



Vendo bem, irresponsabilidade, desorientação, desencontro de gerações, perda de valores, grandes incertezas sobre o futuro, caos nas ideias, na política, nas relações internacionais, são qualificativos estruturantes do Mundo de hoje.

A título de exemplo. A futura equipa presidencial dos EUA, escolhida a dedo, cheia de gente negacionista da Ciência, o caso da saúde com Robert F. Kennedy Jr., no comando, é aberrante, um homem anti-vacinas, felizmente contestado por um grupo de Prémios Nobéis ligados a temas de saúde; os representantes do grande capital, corporizados na gestão político-económica do país em que Elon Musk é o protagonista nº1 subjugando o país aos interesses de uma ínfima minoria, é, no mínimo, um tremendo caos.

A Coreia do Sul, onde o Presidente Yoon decreta a Lei Marcial, alegando razões absurdas, para horas depois a anular por decisão do Parlamento e do povo nas ruas e pedir desculpas ao país do que fez, mas onde, por outro lado, o líder do partido do Presidente, apesar de afirmar que ele representa um “grande perigo” para o país e seu povo, não o querer destituir, apesar da Assembleia tê-lo feito, não na primeira tentativa é, no mínimo, irresponsabilidade.

A Síria tomada pelos rebeldes sem qualquer oposição, mas de futuro incerto, enfrenta dias difíceis de desintegração, se não anos. De positivo, no Médio Oriente, só mesmo a condenação cada vez mais reconhecida no Mundo do crime de genocídio praticado por Israel na faixa de Gaza.

Para terminar a exemplificação. Nada a sair bem no combate às alterações climáticas, as pessoas cada vez mais descrentes das medidas que os responsáveis políticos mundiais aprovam nas célebres COP e ainda a denúncia indireta pelo think-tank Bruegel pró-europeu de que a Europa não tem dinheiro (meios) para a sua transição energética. Tudo isto e outras situações indiciam maus momentos (estruturais) que perduram, com poucos sinais visíveis de alteração no Horizonte. Que ambiente mundial é este?!

A amenizar, aconteceu Notre-Dame, um sucesso na recuperação de um património de grande simbolismo, cuja celebração foi aproveitada para contactos políticos de circunstância, de alto nível, mas sem grandes ilusões pois, apesar de tanto aparato, apenas uma pequena parte de representantes políticos do Mundo esteve ali. A outra grande parte, o “Sul Global”, cada vez mais influente e reivindicativo, com vozes, quantas vezes contraditórias, mas que não deixará de ser determinante no lançamento de novas condições para uma “outra arrumação” das instituições mundiais, não foi ouvida. Então, porque se fala de uma Cimeira Mundial em Notre-Dame?

A Europa em desconforto

Na União Europeia, temos as duas maiores economias em crise (fechos de empresas, despedimentos) e os respectivos países (Alemanha e França) desgovernados: o governo Barnier (França) chegou ao fim pelo chumbo do Orçamento 2025 por uma moção de censura na Assembleia. O de Olaf Scholz, em banho-maria, aguarda eleições em Fevereiro. As incertezas de um e outro país, que se arrastarão por meses quanto a soluções em conteúdo e em equipas governamentais, são angustiantes, apesar de Macron já ter escolhido Bayron para PM.

O governo de Scholz na Alemanha é um não ente, admitindo-se que a CDU/CSU venha a ser a coligação mais votada, embora com um forte avanço da extrema-direita, a AfD. As expectativas estão no programa eleitoral da CDU/CSU incluir a retoma da energia nuclear, substituindo, desta forma, a Energiewende, a política energética vigente (aposta nas renováveis intermitentes, solar e eólica) que arruinou o país e ia afundando a UE. A energia é o grande problema de fundo da União Europeia.

A propósito da Energiewende um exemplo recente. A 6 de Novembro último, devido à falta de vento, as 1602 turbinas eólicas offshore do país estavam paradas, assim como as onshore… e esta situação durou 30 horas. Com o pôr do sol cessa a energia solar. Mas o consumo continuava uma necessidade. Como se recompôs a situação? A Alemanha teve de importar, de emergência, electricidade (nuclear) de França e o preço no mercado alemão de um megawatt/hora atingiu, então, 820 euros. Se tal cenário se repetir em Janeiro/Fevereiro de 2025, a temperaturas bem mais baixas, por conseguinte, consumos mais elevados que a 6 de Novembro, a Alemanha não vai conseguir importar e, certamente, poderá não escapar a um apagão maior ou menor (Transitions & Énergies 4 de Dezembro 2024).

Este exemplo demonstra o fracasso monumental do que tem sido a política energética da Alemanha: grossos investimentos nas renováveis intermitentes na ordem dos 600 mil milhões de euros, nos últimos dez anos, acompanhados do fecho das centrais nucleares, tendo cada vez mais que recorrer às fontes de energia fóssil. “Não é de admirar que os preços da electricidade na Alemanha sejam os mais altos da Europa e, por isso, tenham enfraquecido as suas actividades industriais”, lê-se na fonte antes citada, levando ao fecho de muitas unidades fabris ou à sua deslocalização, como tem acontecido com as químicas e muitas empresas electromecânicas.

Esta situação tem tido repercussões na economia europeia, enfraquecendo-a e tornando-a menos competitiva. E já que muito se fala de Draghi, cabe aqui dizer que, no relatório sobre os problemas da UE, identifica a questão energética fundamental. Sem estratégia, a UE será um pólo mundial manco, porque não competitivo e, menos ainda, poderá guindar-se a uma posição relevante nas actividades tecnológicas ligadas à IA, à computação quântica que requerem muita energia. EUA e China estão a avançar com medidas de política nesse domínio, recorrendo à nuclear.

Por outro lado, a Presidente da Comissão Von der Leyen anda toda entusiasmada com o Mercosul que, neste momento, tem a oposição de França, Polónia e Itália e, sobretudo, dos agricultores de vários sindicatos europeus com manifestações de rua previstas, em vários países. Evidente o Mercosul merece reflexão e celeridade, mas sem perceber as razões que levam grande parte dos agricultores europeus a manifestarem-se; sem corrigir as políticas europeias, em si, mal calibradas, a competitividade da agricultura da Europa não se resolve.

Não havia razão para mais uma fissura entre a Comissão e os países. Já existem tantas e muitas outras estarão na forja, a partir de 20 de Janeiro, complicando as relações de entendimento na Europa.

Caos e irresponsabilidade grassam no Mundo e, sobre as guerras, o cansaço e as informações pessimistas predominam, desde as deserções na Ucrânia que apontam para centenas de milhares e de mortes também dessa ordem, a sondagens que não se sabe se existiram ou não, em que elevadas percentagens dos europeus exigem negociações de paz e um clima de desilusão contagiante por toda a Europa.

Reina uma sensação de fim de ciclo. Urge equacionar, sem mais delongas, ajustamentos profundos em cada pólo económico e na relação entre si. Mas quem serão os agentes da passagem para o novo ciclo, se quem domina as relações mundiais não está para largar, de ânimo leve, as alavancas do poder, sem luta, seja de que tipo for…?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.

domingo, 15 de dezembro de 2024

Até sempre, Amigo António Loja


Por 
Henrique Sampaio
Funchal Notícias

Conheci o dr. António Loja no final dos anos 60, mais precisamente por ocasião da elaboração, em Abril de 1969, da célebre “Carta a um Governador”, de que ele e o jornalista José Manuel Barroso foram os principais redactores e eu, o mais jovem subscritor, num total de 39 democratas e anti-fascistas.




O dr. António Loja tinha regressado um ano antes à Madeira, depois de terminar a comissão militar que cumpriu no mais difícil teatro da guerra colonial, na Guiné Bissau, enquanto eu, militava na Acção Católica Operária e dava os primeiros passos na ligação que manteria com o inesquecível semanário “cor-de-rosa”, o “Comércio do Funchal”.

Meses depois, envolver-me-ia na campanha da oposição democrática pelo círculo do Funchal nas eleições de Outubro desse ano, de que o dr. António Loja foi candidato, conjuntamente com o dr. Fernando Rebelo, o José Manuel Barroso e o médico Ivo Caldeira – e lembro-me de participar em reuniões efectuadas no bloco de apartamentos onde ele então morava, na esquina da Rua das Hortas com a Rua do Carmo, na cidade do Funchal. Recordo-me também da veemência das críticas ao regime deposto nas intervenções que proferiu nas sessões de esclarecimento realizadas na Rua Campo D. Carlos I (num prédio em construção) e na Rua das Mercês.

O seu percurso de acção cívica e cultural havia começado bem antes, quer enquanto estudante na Universidade de Coimbra, a cuja associação de estudantes se candidatou, quer na envolvência no apoio à candidatura presidencial do general Humberto Delgado, quer ainda na procura de dinamização de um cineclube no Funchal.

Consumada a queda do regime ditatorial, seguimos percursos bem distintos: o dr. António Loja tornou-se uma das principais figuras do MDM (Movimento Democrático da Madeira), vindo a ocupar a presidência da Junta Geral, e eu, ajudei a fundar a UPM (União do Povo da Madeira) e a implantação neste Arquipélago da UDP (União Democrática Popular).

Ocuparia o referido cargo escassos meses, uma vez que, quando em Fevereiro de 1975, Fernando Rebelo se demitiu de governador civil na sequência da contestação popular de que vinha sendo alvo, António Loja quis também abandonar o lugar, só aceitando ficar até à realização das eleições para a Assembleia Constituinte, em 25 de Abril de 1975 – ficaria ligado à celebração do acordo com a Diocese para a cedência do Seminário da Encarnação para funcionar como anexo do Liceu Nacional do Funchal, mas deixaria uma marca ética: no carro, conduzido pelo motorista, que o transportava para o edifício da Junta Geral viajava, de quando em vez, o seu filho que vinha para a pré-escola, mas a boleia terminava aí. Chamava um táxi e o resto do percurso do Roberto era feito desse modo.

António Loja seria, em Abril de 1976, eleito deputado à Assembleia da República na lista apresentada pelo PPD/PSD (e não pelo PS como vi por aí escrito) e em 1980 foi igualmente eleito deputado à Assembleia Regional, candidatando-se desta feita pelo PS, mas sempre, em ambos os casos, com o estatuto de independente.

No decurso da passagem pelo parlamento nacional faria parte do grupo de 37 dos 73 deputados que, em Junho de 1978, durante o governo PS/CDS, romperam com a liderança de Sá Carneiro, tendo igualmente cedo percebido que a direcção da estrutura local desse partido, não só nada tinha de social-democrata, como também se caracterizava pela adopção de práticas discriminatórias e persecutórias. É dele a carta, publicada inicialmente no semanário “O Jornal”, posteriormente reproduzida no “Diário de Notícias” local, na qual, dirigindo-se ao seu amigo Magalhães Mota, e na sequência da decisão do plenário do governo regional tomada em Outubro desse ano – logo no início do reinado da criatura que se auto-intitularia de “único importante” – de não homologar nos Conselhos Directivos das Escolas elementos não eleitos com base em questões de natureza ideológica, classificava a medida de “despudor autoritário de ditador de aldeia”, acrescentando que o dito cujo se encontrava “cercado de uns tantos mercenários de interesses pessoais” (vide artigo que publiquei neste espaço em 20 de Abril p.p., intitulado “A liberdade no reino do «ditador de aldeia»”). E, quase em simultâneo, insurgir-se-ia contra o nepotismo já vigente, expresso designadamente na nomeação por um secretário regional da sua mulher como chefe de gabinete.

Bem cedo, António Loja assumiria com clareza que se não há Liberdade sem Democracia, também não há Autonomia sem Democracia. No pressuposto de que a Democracia não é apenas a vontade popular expressa no voto, é também o primado da lei, o valor dos procedimentos constitucionais, o respeito pelos limites e separação de poderes. Daí que nunca tivesse desistido de confrontar um poder regional assente no autoritarismo, na prepotência, na discricionariedade e que, reclamando-se da social-democracia, comportava-se nos antípodas da social-democracia nórdica em que se revia.

Na década seguinte, enquanto António Loja militaria no PRD (Partido Renovador Democrático), criado pelo seu amigo, general Ramalho Eanes, eu fazia a minha travessia no deserto no âmbito político-partidário. Seria já nos anos 90 que retomaríamos o contacto, tendo no decurso da minha curta passagem pela concelhia do Funchal do PS (Partido Socialista) o convidado a aderir, à semelhança do que fiz com a saudosa professora Isabel Sena Lino. Seguir-se-ia o empenho conjunto, ao longo de 4 anos (entre 1996 e 1999), na publicação da revista “Arquipélago” (Perspectivas e Debates), ele como Editor e eu e a professora Fátima Abreu, como Director e Sub-Directora, respectivamente.

E é a partir daí que se consolida a nossa amizade e cumplicidade. Fui testemunha de um processo que moveu contra o “campeão português do insulto” e que não foi a julgamento porque o personagem refugiou-se, inicialmente, na imunidade e posteriormente no recurso a sucessivos recursos, apostando tudo na respectiva prescrição.

Ao longo de quase três décadas, aos sábados à tarde, encontrei-me regularmente com o António Loja, primeiramente à mesa da esplanada do Café Apolo e mais tarde, a partir da pandemia do covid 19, na sala da sua casa, ao Caminho de Santo António.

Foram sempre amenas cavaqueiras. Em que pude desfrutar da sua vasta cultura e da sua lucidez e inteligência, conhecer as suas memórias e usufruir do seu humor mordaz e perspicaz. E ainda colher frutos do privilégio e do prazer de puder ter contado com a sua amizade e solidariedade.

Na hora da sua partida e perante o quase silêncio de uma comunicação social sem memória, senti-me no dever de recordar um pouco da história de um madeirense íntegro, vertical e inabalável na defesa dos princípios que nortearam a sua longa vida.

Bem-haja, meu caro amigo António Loja. Até sempre!

* Por opção, o presente texto foi escrito de acordo com a antiga ortografia.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Um Natal feliz

 

Há momentos que são de uma indescritível felicidade. Há dias, vivi um desses que me encheu completamente. Há muitos anos que desejava o reencontro. Mas o tempo é mestre, permite que as situações aconteçam. E assim damos conta que o abraço fraterno está ali ao virar da esquina. Basta desejarmos. Apesar de algumas tentativas, foram mais de quatro décadas de amargura sentida pelo afastamento e eis que o passo foi dado. Não consigo exprimir por palavras quando o abordei e escutei: "amigo André". Não vasculhámos o passado, a apreciação das causas, deixámo-lo no sarcófago das desinteligências tolas e partimos do agora para o futuro. Nós que estamos no último terço das nossas vidas! Um reencontro de profundos amigos que fomos, ali, em absoluta serenidade nos olhares, nas palavras ditas e não ditas. Senti que ele também desejava esse momento e tratámo-nos com a elegância no trato de outros tempos. Para ambos foi um pedacinho do dia que resolveu anos de separação e de convívio social. Um suspiro de alívio na redescoberta de laços que fazem pulsar o coração.



Tive um professor que um dia avançou com esta metáfora: "vocês que estudam para a docência, andem sempre com o apagador na algibeira (...) apaguem tudo o que faz sofrer para que emerjam as coisas boas da vida".

Às vezes parece difícil, mas este é o sentido que devemos dar à vida. O Padre José Martins Júnior é um com quem aprendi que a tradicional confissão auricular vale zero. Se estão desavindos encontrem-se e resolvam o problema. Não busquem intermediários para solucionar seja o que for. Ele está certo, por isso, não abre o tradicional confessionário a ninguém. O confessionário está na inteligência e no coração das pessoas.

Jamais esquecerei aquele momento. Li algures que os "reencontros têm o poder de aquecer o coração". Explodi de contentamento por sabermos afundar aquilo que não fazia sentido. Que tenhas um Bom Natal, meu Amigo! 

E neste período, cheio de tanta coisa vã, de hipocrisias sem fim, de incompreensões, de ganância, de almoços e jantares de circunstância, de cumprimentos protocolares que não vão além disso mesmo, neste tempo de múltiplas guerras, desde países até à relação entre pessoas, neste tempo de insegurança e ausência de confiança, de desencantos, de sobrevivência, de ódios e de poderes que esmagam, saibamos dar o real valor à vida. Sejam os primeiros a estender a mão e abracem-se. Tão simples. É desse Natal que precisamos.

Feliz Natal para todos e até Janeiro!

Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Ambiente mundial crítico com sinais de perigosidade


Por

Esta reflexão não compreende as guerras, mas o que se faz e se diz, de forma irresponsável ou talvez não, nas cimeiras do clima e no âmbito de política económica.



Não querendo ser pessimista, mas tão somente sinalizar a concentração de movimentações realizadas nos últimos dois meses de Outubro e Novembro, que poderiam ter ficado na História como marcas importantes de Futuro, onde se destacam várias Cimeiras internacionais e bilaterais (BRICS+, COP´s da Biodiversidade, do Clima e da Desertificação, G20 …,Tratado dos Plásticos em finalização); Reuniões e encontros a diferentes níveis na UE para acertos sobretudo da equipa de Comissários; Reunião do Comité Central na China, talvez a “mais eficaz”, tendo em vista concertar medidas de resposta às políticas de Trump2.0, onde as taxas aduaneiras têm e continuam a ser muito comentadas, a realidade é que, na sua maioria, estas iniciativas/movimentações se traduziram em autênticos fiascos.

O maior fiasco terá sido a COP29, como veremos, mas o G20 também não foi brilhante, embora a “arrancada” de Lula da Silva com a ideia da Aliança contra a Fome e a Pobreza aprovada, com muito sorriso, mas pouco irá além do sorriso, tenha acabado por compor o ramalhete final (comunicado) que, de vazio, teve tudo, inclusive falou do clima, mas, em nada, contribuiu para que a COP29 tivesse um sucesso condigno, esquecendo-se até que sendo os seus países responsáveis por 80% da emissão de gases com efeitos de estufa deveriam, no mínimo, assumir 80% dos gastos do combate às alterações climáticas, como defendem ou propõem vários analistas.

Já, na União Europeia, depois de alguma turbulência e atrasos de decisão, ficou composta a equipa de comissários, que já entrou em funções, com a novidade de, pela primeira vez, integrar um elemento de uma das extremas-direitas italianas, numa das vice-presidências da Comissão, negociada entre Von der Leyen e Meloni, com ganhos políticos para esta última.

Passando pela Península Ibérica, assinale-se uma Cimeira Luso-Espanhola, em Faro (23 de Outubro), em momento interno agitado, tendo a água como tema de fundo em que se registaram avanços e foram assinados vários acordos.

A COP29, em Baku


Esta COP29 tinha por principal ponto de agenda acertar montantes de financiamento de apoio aos países em desenvolvimento, no combate às alterações climáticas. As necessidades financeiras, avaliadas previamente por especialistas independentes, cifram-se em torno dos 1300 biliões de dólares/ano até 2035, para fazer face ao cumprimento do acordo de Paris (2015). Há quem veja exagero neste montante.

A forma como a COP29 se foi desenrolando levou-a à beira do desastre. Citando a BBC (23/11/2024): “Os países em desenvolvimento, bem como os países particularmente vulneráveis às mudanças climáticas, saíram das negociações na tarde de sábado com estrondo”.

A COP 29 que deveria terminar na sexta-feira (22/11/2024) foi prolongada por falta de acordo e só às 3h00 da manhã de domingo, hora de Baku, e “após algumas modificações, as nações finalmente adotaram um acordo” e lá vieram os vivas e as palmas de uma pequena minoria dos cerca de duzentos países participantes, o que sempre acontece nestas circunstâncias.

Principal medida saída desta cimeira


Em vez dos 1300 mil milhões de dólares/ano de apoio aos países em desenvolvimento chegou-se a uma esmola de 300 mil milhões de dólares/ano, ou seja, cerca de 4 vezes menos do valor estimado, como necessário, ao combate da crise climática e, mesmo este valor, sem garantia a fundo perdido, ou seja, na forma de subvenções, em vez de empréstimos, o que a suceder-se, só complica a situação destes países, em geral, muito endividados.

Uma grande dúvida. Será que as COP’s, que se realizam todos os anos, com grande aparato e elevados gastos, movimentando muitos países e dentro deles um elevado número de pessoas, agitam, na realidade, de forma séria, o combate às alterações climáticas ou, como já se escreveu, se transformaram antes em espaços de negócios? Outra dúvida persiste, será por esta via que se conjugam soluções?! Não há resultados do passado abonatórios a esse respeito, como também não há que este montante chegue aos países do Sul Global e, assim, seja possível fazer face a inundações, ondas de calor, secas e investir em fontes de energia de baixo teor de carbono. Ficam as incertezas como sempre tem acontecido!!

Ninguém tira, no entanto, um mérito às COP’s: o impacto significativo no turismo da zona onde se realizam. Do mal o menos, sempre se divertem!!

Comércio dos créditos de redução do carbono


Vale a pena reter uma outra medida que mereceu muitos aplausos, mas que nos coloca uma reflexão sobre o pensamento de muitos que participam nas COP’s: o mercado do comércio dos créditos de redução do carbono e suas regras.

Na COP29, deu-se “um passo” em benefício dos países – principalmente os poluidores ricos – ao legalizar a compra de créditos de carbono ou então assinar acordos com outros países que excedam as suas próprias metas. Ou seja, os países ricos podem cumprir as suas metas climáticas, comprando aos países de África, Ásia e América Latina créditos de carbono; pagam um montante por quotas de gases de efeito de estufa e não precisam de reduzir as suas emissões.

Esta transação já funciona ao nível das empresas. Mas, a compra e venda de créditos de carbono entre empresas tem dado origem a escândalos de monta.

Com este exemplo de mercado tão “dignificante”, entendeu a COP29 alargá-lo também aos países. Dir-me-ão, entre países é diferente. Mas, sempre seria melhor manter a raposa fora da capoeira, pois inventam-se mecanismos financeiros e outros que podem entortar as “boas” intenções. Dir-me-ão, ainda, que este mecanismo estava previsto no Acordo de Paris. Sim, só que, mediante exemplos que falam por si, teria sido mais ajuizado corrigir do que acionar a norma ou então, quando muito, ir à procura de mecanismos menos dúbios na aplicação, sendo o essencial a instituição de processos com acção sobre as fontes das emissões de gases com efeitos de estufa.

Neste contexto, surgem as descrenças se o modelo COP’s, com que se pretende “guiar” a transição climática, nos levará a bom porto?

As minhas dúvidas são muitas a este respeito.


E o G20 no seu Grupo de Especialistas da Força-Tarefa do Clima tem produzido vários trabalhos, entre eles um muito recente e feito por solicitação de Lula da Silva na qualidade de presidente do G20, que recomenda “acção urgente para conciliar crescimento económico com metas climáticas”. O trabalho é acessível na NET, sob esta designação.

Não acertar ideias na base de trabalhos previamente elaborados com rigor parece ser a grande lacuna destas reuniões infindáveis que pouco trazem de novo.

Sem uma refundação do funcionamento das COP’s chegar-se-á a 2050, com uma situação bem mais dramática ainda. Estas COP’s atamancadas, desta forma, só nos iludem. E 29 já lá vão!!!!